18 março 2008

saliva

hoje eu não vou falar
sobre aquilo tudo que
não sei e faço de conta
não vou nomear o que
não carece fazer aquela
pergunta desnecessária
constelação de saliva
em boca úmida
hoje vou ficar aqui
só eu e meu teclado
amarelado meu monitor
Flatron a piscar
o documento Word
a esperar
palavras palavras palavras
mundos não mudos
habitados por
ninguém.

16 março 2008

encaixes [emboîtement]



o animal vegeta feito planta
a planta se anima ao ouvir música
a música preenche o silêncio dos entes
o silêncio ampara os seres solitários
os seres acariciam o todo quando cantam
o todo permeia tudo a seu modo.

22 fevereiro 2008

aurora

neste instante onde 
meu ser se compraz
ouve-se o marulho 
do tempo a tecer fios 
do carma em névoa  
sutis emaranhados
de causas e efeitos

sua voz suave a 
sibilar no ouvido 
dos seres a sussurrar 
que no espaço infindo 
desta hora
de hoje 
do amanhã
ou de outrora

há algo que quer
pode
deve
triunfar

17 fevereiro 2008

A casa do ser



sou a inescapável casa que habito
a fonte que busco iluminada
o paraíso eterno e impalpável
o eco que retorna após o grito

sou o lugar que tanto almejo
o instante que entoa o infinito
o estar na ação que se conclui
o bem que neste mundo entrevejo

sou aquele que é já se fazendo
partícula por quem o todo se apaixona
a vida que permeia o ambiente
sombra que acompanha o movimento

um bom lugar será que sou,
ou só preencho a casca que me restou?

13 fevereiro 2008

Coisas que aprendi com Koellreutter



Já contei em minha coluna no Cronópios como me enfiei numa sala de aula do flautista e professor alemão (ou será que era suíço?) - que morou até o fim de seus dias no Brasil ensinando e influenciando dezenas de músicos, compositores, maestros e professores – Hans-Joachim Koellreutter.

Era um velhinho muito inspirador, e insistia o tempo todo que precisávamos questionar a tudo e a todos: principalmente aos professores.

Ele dizia que a função do artista é transmitir, informar, através de sua arte, as grandes idéias do momento em que vive. E as grandes idéias, os pilares da cultura do nosso querido século 20 (aliás, as aulas anotadas aconteceram no século passado… he he), foram: o conceito de tempo; a superação do dualismo e a superação da causalidade.

Tempo, para ele, era a questão central. É fácil de entender o porquê, pois trata-se de um músico e na música esse é o xis da questão. Se o conceito de tempo muda, tudo mudará na música. E sabemos (ou pensamos que sabemos, mas não colocamos em nosso dia-a-dia) que depois de Einstein e de Niels Bohr a noção de tempo como um fluxo constante do passado infinito até o futuro infinito não existe mais.

O tempo deixa de ser um fator puramente físico para ser uma forma de percepção, ou seja, o tempo não pode ser critério de avaliação porque ele muda de pessoa para pessoa. Os fenômenos do tempo como os da cor dependem da percepção. Esse redimensionamento do conceito de tempo, para ele, é o tema da música da segunda metade do século 20.

A música reproduz a visão do novo mundo. E nesse novo mundo, com essa nova percepção de tempo, tudo é movimento. No universo não há referenciais fixos, portanto, não se pode querer uma percepção rigorosamente objetiva.

Por outro lado, fomos educados dualisticamente e a música composta na segunda metade do século 20 procura superar esses dualismos. O dualismo é consequência do dualismo que fazemos entre tempo e espaço. Na realidade não existe essa divisão e sim um continuum.

Na música tradicional, ou seja, em 99,999% do que ouvimos supõe-se a existência de consonância versus dissonância; tempo forte versus tempo fraco; modo maior versus modo menor. A nova música transcende esses dualismos. Os contrários são complementares.

Para Koellreutter, a superação dos contrários talvez seja um dos problemas mais urgentes para se construir uma cultura mais humanista. É difícil para nós, mas ainda chegará o momentuum onde não sentiremos mais diferença entre a vida e a morte, a melodia e o acorde, a tônica e a dominante, o bem e o mal, a transcendência e a imanência. Teremos uma forma de pensar e de agir que relacionará os contrários, na formação de um todo.

Na arte, a estética relativista será a base da criação e da fruição artística.

A estética relativista já é a base da composição musical contemporânea. Ela não considera, em princípio, alturas e intervalos absolutos, mas graduações e tendências. Não trata mais de acordes e sim de graus de densidade. Não trata de ritmos e andamentos determinados, mas de graus de velocidade. De mudanças de andamento, de tendências, enfim.

Mas o fato é que nossa cabeça e percepção ainda estão, e agem de acordo, em estágios bem anteriores a esses conhecimentos. Ainda pensamos e ouvimos de forma linear, com começo meio e fim. E ficamos incomodados quando nos é feita outra proposta. Inclusive pela arte, pela música. Ou deveria dizer, inclusive pela vida. Nos defendemos como podemos desses desconfortos. Por isso não ouvimos música contemporânea (que aliás já é música do século passado), ou pior, não sabemos como ouví-la. Não aprendemos. Não queremos.

O que Koellreutter revelava é que os cientistas e os artistas deixaram de ser observadores do mundo e passaram a ser co-autores. E nesse processo de co-autoria a preparação dos espíritos e das mentes para a apreensão de um mundo novo (que alias é velhíssimo, sempre esteve aqui, nossa percepção e compreensão é que foram embotadas) é uma função importantíssima da arte e da ciência.

[Exemplos de escuta para assimilar as idéias de Koellreutter: “Pranam”, de Gacinto Scelsi; “Anaklasis”, de Penderecki; “Tschel”, para sax tenor, de Hespor; “Acronon”, de H. J. Koellreutter]

08 fevereiro 2008

Desfile das campeãs


tempo de carnança,
eis então minha ciranda
pra encantar mulher muzamba

o samba é nome angolês
mas, dizem, quem é bamba
canta até em tirolês

chega mais, vem ver a bagunça
vou mostrar a minha dança
rimar morte com criança

tranformar o que é binário
numa síncope sem lambança
valsa em compasso quaternário

é o jeitinho brasileiro
rolar na ginga
sentir o osso do ritmo

tudo no passo do batuque
regado a samboca, cachaça
rechaça de antigos problemas

baião vem lá de baiano
maculelê sei lá do que
o futuro vamos esquecer

começou a quaresma
somos pó, damos dó
e ao pó vamos voltar

05 fevereiro 2008

Para não esquecer


“Nada é mais importante do que a consciência, que se mantém alerta e proíbe o homem de se apoderar do que deseja da vida e depois acomodar-se, gordo e satisfeito.”

Essa frase é do cineasta russo, Tarkovski, que conheci e passei a amar graças a meu contato com o professor Ricardo Rizek. Lembro-me da primeira vez que o vi. Era a aula inaugural do curso de composição e regência da FAAM. Eu havia me preparado durante um ano para a prova teórica e prática. A prática foi a mais difícil, pois tive que tocar ao violão uma peça do século XVIII. Fiquei nervoso, toquei mal, mas passei. E o tão esperado e desejado curso que não sabia direito o que seria estava começando. Compositor? Regente? Eu? Sei lá, vamos ver...

Bem, mas a aula inaugural seria sobre musicologia, ou algo assim. Interessei-me. E ele começou a falar. Parecia o mago Merlin mais jovem, mas já grisalho e com o cabelo comprido preso para trás da cabeça. Quando terminou seu discurso inaugural eu tinha certeza que havia entrado naquela confusão musical toda só pra conhecê-lo. Não sabia explicar, mas cheguei junto, me apresentei e falei que queria estudar aquelas coisas com ele.

Ele me olhou meio desconfiado e convidou-me para algumas aulas extras que estava dando aos sábados. Compareci, e logo de cara vi que além de pouca gente, só havia alunos do terceiro, quarto anos, alguns já formados. De lá comecei a freqüentar algumas aulas de sexta-feira à noite nos fundos da casa da sua mãe. Chamava-se de Aulas de Estética. Ia até altas horas. Era um turbilhão de informações. Um misto de conhecimento musical, filosófico, tradições antigas, e sei lá mais o que. Tudo difícil de explicar. O homem tinha um carisma danado. Ficava falando, como que pensando em voz alta, e tragando seus intermináveis cigarros. Eu poderia ficar, e ficava, horas e horas ouvindo-o falar. Para acompanhar melhor aquele fluxo de pensamento lembro-me que passei a levar cigarros de cravo e ficava tragando enquanto ouvia aquelas coisas que para mim soavam como revelações.

Qual a relação da música de Bach com a arquitetura daquelas fantásticas catedrais góticas? Parecia loucura, mas ouvindo-o tudo fazia sentido. Como eu nunca ouvira falar antes daquelas relações? Lei áurea? Cacilda! Era um curso de matemática/filosofia e música avançada. Muito mais do que meus parcos conhecimentos poderiam acompanhar.

Eu que pensava que um acorde básico era o que era: a tônica, a terça e a quinta. Não, não! A tríade significa muito mais do que isso, remete-nos a conhecimentos da Ciência Sagrada, a ensinamentos de uma ordem tradicional que o Rizek destrinchava e atualizava de maneira ímpar, mesmo que ancorado nos estudos de René Guénon e outros mestres que não me lembro agora. Para Rizek a tradição era um resíduo não documentário que permeava a tudo e estava velado por nossa pressa e incapacidade contemporânea de mergulhar ativamente no significado profundo das coisas.

Fiquei tão intelectualmente excitado em conhecê-lo que fiz questão de levar meus amigos mais chegados a conhecê-lo. Eu não poderia compartilhar aquilo sozinho. Alguns riram depois e me diziam: você está louco? Aquilo é um conhecimento iniciático, parece mais uma igreja.

Bem... o que fazer? Continuei a ouvi-lo falar sobre a imaginação criativa ativa. Aquilo me fascinava.

Uma vez perguntaram para ele: você tem certeza que o artista pensou em tudo isso, que você detalhou, quando criou a obra? E ele, sabiamente, respondeu: não importa. O que interessa é que tudo isso está lá.

Bingo!

Era essa a chave. Era o que me atraía. Como exercitar a imaginação criativa no dia a dia? Comecei a perseguir esse conhecimento.

Ele claramente distinguia a imaginação ativa da passiva. Na passiva a sensação vinha até você e os dados do sentido eram recolhidos. Na ativa exigia uma elaboração, uma forja. Você se dirigia até a sensação. Era um misto de razão e sensibilidade.

Para quem estava chegando, e suas aulas abertas constantemente abrigavam alunos novos (havia alunos que o acompanhavam há 12 anos), pensamentos como “as musas modularão os padrões cósmicos guardados pela mnemosine”, ou, “o fígado é o órgão que representa o olho imaginativo, e se relaciona com sagitário” eram herméticas ou nebulosas demais. Para mim tudo fazia sentido. Pelo menos assim eu achava naquelas noites.

É impossível reproduzir o que foram aqueles anos de convívio. Fuçando agora em minhas anotações vejo que tenho um roteiro, ainda não totalmente explorado por mim, de intuições e reflexões que precisam ser confirmadas e avalizadas por meu ser. Aquelas aulas eram explanações, reflexões, como deviam fazer os antigos que iam falando, andando e pensando. Articulando o pensamento ali, remexendo acolá. Um pensamento que buscava a reconciliação entre o sensual e o espiritual.

Ele dizia que era a afirmação dentro de si que poderia corrigir a desafinação que imperava na natureza. E este era o papel do homem: ordenar o caos. E não era tarefa só do músico, não. Era de todos e foi perseguida por muitos antigos. O calendário criado pelo homem era uma tentativa de fazer essa correção. Mecânica, mas uma tentativa. Assim como o Cravo Bem Temperado de Bach foi uma tentativa de ordenar o caos criativo da natureza. Tirar proveito da série harmônica, organizar o que na natureza se repete já modificado.

O homem é um vaso receptor de uma natureza naturante, ou seja, uma natureza que dá natureza. Entendeu? Tudo bem, eu também não.

A última das virtudes divinas é a primeira das virtudes divinas.

Em quantas camadas podemos separar e definir, hierarquicamente, a razão? Qualquer dúvida, consultar o “Timeu” de Platão. Só merece ser chamado de pensamento aquilo que atinge nossos sentidos juntamente com seus contrários. O homem, então, é um mediador. É aquele que medita entre esses contrários. A razão só trabalha a posteriori com os dados dos sentidos. Intuição intelectual é igual a intuição espiritual. Intuição, no sentido de ir para dentro, in-tuir, contemplar o interior. O mesmo que conhecimento direto. A sensibilidade não julga, conhece.

No início era o Logos, a razão universal. Agora, bem, agora é o caos. Por isso precisamos de músicos, ou melhor, por isso precisamos da música.

Qual a função da arte: Através das formas resgatar as pistas de um anjo. Anjo aqui, como um ângulo de Deus.

Mil existências e uma existência carregam a mesma questão. Então vamos resolver essa.

O amor é o ato de existenciar o que sempre ainda não é, no amado. É como ouvir música.

Depois de um tempo tive que me afastar para deglutir tudo o que ouvira e anotara. Entre os alunos de música corria o boato, meio difamatório, de que quem estudava com o Rizek acabava não compondo nada. Só analisando, pensando, divagando. Era uma bobagem, claro. Uma defesa medíocre devido a incapacidade de se aproximar daquele conhecimento primacial.

Não posso deixar de encerrar essas minhas palavras confusas e emocionadas pelas lembranças, sem citar as experiências estéticas que foram assistir as suas análises de filmes. Eram um acontecimento.
Jamais vou esquecer o que senti ao assistir com ele “O Sacrifício” de Tarkovski.

Lembro-me que era um sábado e cheguei no local da análise às 15h. A sessão do filme com a análise acabou às 21h. Saí de lá suando frio, com tremedeira e chegando em casa tive que ir direto pra cama dormir. Dormi 12 horas seguidas. Foi tanta informação, revelação, conhecimento tão vital que eu passara mal. O que era aquilo? Será que era assim que se estudava na Idade Média. O Trívium; o Quadrivium? Não. Não havia cinema, nem videocassete para parar as cenas e mostrar o que ninguém vira antes.

Termino com o poema de Arseni Tarkovski, pai de Andrei Tarkovski, que jamais poderá ser lido por mim sem que a lembrança de Ricardo Rikek aflore. Sim, tem de haver mais.

Agora o verão se foi
E poderia nunca ter vindo.
No sol está quente.
Mas tem de haver mais.

Tudo aconteceu,
Tudo caiu em minhas mãos
Como uma folha de cinco pontas,
Mas tem de haver mais.

A vida me recolheu
À segurança de suas asas,
Minha sorte nunca falhou,
Mas tem de haver mais.

Nem uma folha queimada,
Nem um graveto partido.
Claro como um vidro é o dia,
Mas tem de haver mais.

02 fevereiro 2008

OROBORO


Palavra bonita essa. Quase perfeita, sonora. Cheia de ‘o’, a revelar o oco escuro do universo. Começa e termina com O. No centro uma labial B. ORO nas duas pontas. Palavra palíndromo de significados múltiplos.

A imagem alquímica e simbólica de tal palavra delimita a permanente e necessária mutação que preside todos os elementos do universo, e claro, a linguagem não ficaria de fora. Nem quando, ela própria, cria um ou mais universos paralelos.

A poesia é muito bem representada por esta palavra mágica.
Nas palavras do poeta português Herberto Helder resume-se a importância do labor poético em qualquer época, em qualquer suporte:

“A transmutação é o fundamento geral e universal do mundo. Alcança as coisas, os animais e o homem como o seu corpo e a sua linguagem. Trabalhar na transmutação, na transformação, na metamorfose, é obra própria nossa. (...) o poema é o corpo da transmutação, a árvore do ouro, vida transformada: a obra.”
(O Corpo O Luxo A Obra, 1977)

“Trabalha naquilo antigo enquanto o mundo se move
para o centro de si mesmo,
como se todos os pontos em que trabalhas fossem o centro do mundo.”
(Do Mundo [1994] Poesia Toda: 614)

“Penso que deve existir para cada um
uma só palavra que a inspiração dos povos deixasse
virgem de sentido e que,
vinda de um ponto fogoso da treva, batesse
como um raio
nos telhados de uma vida, e o céu
com águas e astros
caísse sobre esse rosto dormente, essa fechada
exaltação. Que palavra seria, ignoro. O nome talvez
de um instrumento antigo, um nome ligado
à morte – veneno, punhal, rio
bárbaro onde
os afogados aparecem cegamente abraçados a enormes
luas impassíveis. Um abstracto nome de mulher ou pássaro.
Quem sabe? – Espelho, Cotovia, ou a desconhecida
palavra Amor.”
(“Poema”, III, A Colher na Boca [1960], Poesia Toda: 30- 32)

Quem sabe a palavra procurada por Helder não fosse OROBORO? Palavra esta que bem poderia sintetizar sua obra, ou busca poética. Oroboro, ou aquele/aquilo/aquela que já carrega o fim em seu começo: a finalidade de sua tessitura. O fazer poético e artístico de vários povos. Devora o rabo e regurgita o ovo, pois se nada há de novo é necessário chocá-lo, vitalizá-lo.
A etimologia do fazer poético. Poiesis.

Oros, em grego, pode ser várias coisas: termo, limite, meta, regra ou definição. Boros, pode ser traduzido por boca, ou voracidade. Oroboro ou aquilo que se delimita ou se atinge pela boca, ou aquilo que se define pela própria função que realiza.

...
[Ilustração de M. C. Escher, Smaller and Smaller 1956 ]

30 janeiro 2008

Poemas dispersos III

quando estou sozinho
sou só
sou só eu
eu sou eu

quando estás comigo
sou quase eu
sou mais que eu
sou voz

***

é preciso cantar
para vencer
o silêncio da noite

28 janeiro 2008

caos cintilante



afinar é relativizar
o som afinado é pretensioso
quer instaurar uma ordem
no universo
eu me desafino de quando
em sempre meu diapasão
ressoa desmedidas
me afirmo para relativizar
meu ouvido é absoluto
de incertezas
o princípio de Heisenberg
me delimita
seu produto associado
ao valor de uma coordenada
cicatrizada
e a não-certeza associada
ao correspondente momento
linear picaresco
não pode ser inferior
em magreza à constante
de plânctons normalizados
em minha saliva




25 janeiro 2008

Poemas dispersos II

um girassol ilumina
o silêncio
das coisas sem voz
dos seres sem vez
de tudo que nunca
veio a ser

***

quando não ouvimos
a própria voz
desafinamos

24 janeiro 2008

Poemas dispersos

um poema de amor
poderia assim começar:
amo porque pressinto.

***

o que dizes anoto
sem nomear
já não faz diferença
se foi eu
ou você.

***

ainda sofro de
metáforas
um preconceito
poético
do real

***

a arte tropeçou numa pedra brilhante...

19 janeiro 2008

No Dia Mundial Sem Carro

SONETO PROMOCIONAL [898]
Glauco Mattoso

Nas ruas já não cabe tanto carro,
e a indústria do automóvel continua
querendo que inda caiba em nossa rua
aquele último tipo em que me amarro!

Vontade é o que não falta, mas esbarro
no preço do veículo: insinua
a falsa propaganda ser a sua
faceta a "popular", mas cheira a sarro!

Apenas porque o banco é reclinável
ou vem na cor de burro quando foge,
a loja já arredonda algum centavo!

Comigo não tem dessa! Inda que enoje
pisar num cocozinho, eis que desbravo
a pé minha calçada, olhando um Dodge...


Glauco Mattoso (paulistano de 1951) é poeta, ficcionista e ensaísta, autor de mais de trinta títulos, entre os quais as antologias "VÍCIOS PERVERSOS: CONTOS ACONTECIDOS" e "POESIA DIGESTA: 1974-2004", além dos romances "MANUAL DO PODÓLATRA AMADOR: AVENTURAS & LEITURAS DE UM TARADO POR PÉS" e "A PLANTA DA DONZELA".
E-mail: glaucomattoso@uol.com.br



***

no começo foi a roda
uma, duas, três, quatro
virou carro, virou moda
no final, acabou em cova

****

carro
caro
car
ar
a
...
cadê o ar?



Edson Cruz nasceu em Ilhéus e mora em São Paulo há uma eternidade. É co-fundador do site Cronópios e editor. Edita também, com os amigos Pipol e Marcelo Tápia a revista eletrônica Mnemozine (www.cronopios.com.br/mnemozine). E-mail: edsoncruz@cronopios.com.br

16 janeiro 2008

Diálogos sobre a PAZ



"A paz não é um conceito abstrato e remoto de nossa vida diária. É uma questão de como cada um de nós planta e cultiva as sementes da paz em nosso mundo real, em nosso cotidiano, nas profundezas de nosso ser e por toda nossa vida. Tenho certeza de que nisso se encontra o caminho mais seguro para a paz duradoura.

A paz não se concretiza com uma espera passiva. Deve ser trabalhada com energia e concentração. A "arma" mais poderosa daqueles que desejam criar a paz é o diálogo, a recusa em abandonar a capacidade da linguagem, que é o que nos faz humanos. O diálogo e a comunicação - seja qual for o resultado imediato - são em si um ato de fé em nossa humanidade. É essa fé que devemos nos empenhar incessantemente para fortalecer e reafirmar. A luta para compreender e ser compreendido requer que cada um de nós retorne à fonte mais profunda de nossa humanidade, além das diferenças históricas, culturais e de crença.

Nós todos fazemos parte da grande família da humanidade e somos moradores em comum de uma imensa casa chamada Terra. Não há outra forma se não nos entendermos. Mesmo que ressalte a importância de sua raça ou de sua crença, sem a paz, não existe nem a religião nem a prosperidade do povo.

Cada um de nós tem diferentes personalidades e temperamentos. Cada qual pensa de um modo diferente. Nossas bagagens culturais diferem, assim como nossos costumes. A fim de superarmos essas diferenças, a primeira coisa que devemos fazer é nos tornarmos amigos.

Os alegres intercâmbios de amizade entre as pessoas ampliam o caminho para a paz.

Como aspiramos a concretizar um século de união global, é mais do que natural que diálogos pela paz e intercâmbios educacionais e culturais que transcendam as fronteiras de religião, raça e nacionalidade tornem-se cada vez mais importantes.

Uma transformação em nossa determinação inicialmente produzirá uma transformação nos limites internos de nossa vida; isso nos possibilita a manifestar qualidades de excelente saúde, uma força abundante e uma ilimitada sabedoria. Uma vida que foi transformada dessa forma conduzirá outras em direção à felicidade e se comprometerá em extinguir o mal. Também terá um impacto na sociedade e no meio ambiente, transformando ambos num paraíso de paz e prosperidade.

A paz mundial inicia-se com uma grande revolução humana de uma única pessoa. Em primeiro lugar, deve-se realizar decididamente uma mudança pessoal -- uma revolução do próprio ser. Se mesmo uma única pessoa fizer sua revolução humana, a felicidade se espalhará entre aqueles que estão ao seu redor, assim como a água molha a terra seca. Uma esfera de paz e felicidade se formará ao redor dessa pessoa.
"Auto-aprimoramento" e "levar paz e segurança às pessoas" pode parecer muito simples. Mas Confúcio ensinou que aquele que pode realizar isso é de fato um líder da mais alta qualidade.

A compreensão budista de benevolência pode, estou certo, servir para criar uma nova cultura de simbiose que seja baseada no respeito pela pessoa humana, ou para criar um novo relacionamento com a natureza que seja de florescimento mútuo da humanidade e do meio ambiente global. Além disso, ela encoraja o tipo de ação altruística ou prática de Bodhisattva que pode redirecionar a história humana da divisão para a unidade, da confrontação para a harmonia, da guerra para paz.

A tolerância é o pré-requisito para a coexistência pacífica de todos os povos da Terra e a única alternativa para o ódio que leva aos horríveis crimes contra a humanidade. O ódio é o lado maligno da tolerância."


[Extraído do site da Associação Brasil Soka Gakkai Internacional
Veja também: Proposta de Paz, de 2007, do filósofo humanista Daisaku Ikeda]

15 janeiro 2008

Paz e Marcelino Freire

Um escritor pode falar da paz de forma enviesada como o fez Marcelino Freire no texto abaixo publicado na Revista da Folha, neste domingo passado. A ironia também é uma grande arma na luta pela paz. Veja que as palavras que usei quase que se anulam: paz, arma, luta. Num país semiletrado como o nosso, o analfabetismo funcional impera. Quase que não se distingue o que é conotação de denotação. Personagem, de autor. Isso não é culpa dos escritores. Marcelino é o cara mais "da paz" que eu conheço.


da paz paulista

Eu não sou da paz. Paz é coisa de rico. Uma desgraça. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. Prefeito e senador. Vou não. A paz fica bonita na televisão. Falsa. É uma senhora que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito pálida. Branca. A paz precisa de sangue. Cansei de passeata. Quem vai ressuscitar o meu filho? Hein? A minha vontade é sair atirando. Matando todo mundo. Eu matava, pode ter certeza. Mas a paz é que é culpada, sabe? A paz é que não deixa.
________________________________________
Marcelino Freire, 40, escreveu, entre outros, "Contos Negreiros" (Record), livro vencedor do Jabuti 2006. Idealizou e organizou a antologia "Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século" (Ateliê).

12 janeiro 2008

CEP 20.00O



Adorei conhecer essa moçada do Rio de Janeiro. Nada de meninos do Rio sem nada pra dizer. Grande Guilherme Zarvos. Abraço ao Chacal. E aí Tavinho Paes? Confraria da boa. Poeta radioativo. Diga lá Márcio-André. No dia de meu aniversário, uma homenagem a vocês!

[Um Documentário de Daniel Zarvos - Várias partes no YouTube, ou em DVD]

11 janeiro 2008

A BUREKA TAIWANESA


O paulistano Denny Yang está em Taiwan, trabalhando e estudando. Os pais dele são de lá e ele, desde criança que não pisa por lá. Diz que vai tocar um pouco de bossa nova para os chineses e escrever o máximo possível. Talvez, aprender a ler os impossíveis ideogramas. Já sabe uns 50. O cara é rápido. Abaixo um recado de Taipei.

Dizem que escritor adora café, seja com ou sem cigarro. Não sei se é verdade, mas para mim, é um fato. Adoro um bom café, aprecio tomar um café bem tirado, com grãos honestos, e que seja um café barato.

Ainda no Brasil, havia um Café – que creio que ainda está lá – chamado Bureka, bem, ao menos assim eu o chamava, sempre ia tomar café por ali, uma a duas vezes por dia. Conhecia todo mundo lá, a gerente, as meninas que trabalhavam ali, e sempre conversava muito com elas. Tive que abandoná-las em prol de uma viagem a Taiwan, a fim de tirar um pouco de “férias” do Brasil, reabastecer minhas baterias, e resgatar e descobrir de onde vieram os valores que nortearam a minha família e a mim (consequentemente), ao longo de minha vida.

Quando vim para Taiwan, dois meses atrás, pensei que não havia nada que fosse insubstituível, pois com a internet a distância e a saudade dos amigos e contatos profissionais diminui muito, mas eu sabia que não haveria mais uma Bureka por aqui. Surpresa foi a minha quando vi que aqui em Taipei há – e muitos – Cafés pelas ruas e calcadas da cidade, e o café, surpreendentemente, é tão bom quanto o brasileiro. Starbucks, Barista, Dante, tem um monte de redes de Cafés por aqui, e do lado do escritório onde estou trabalhando há um Café que, no meu primeiro dia de trabalho, comecei a freqüentar. A dona do Café, ainda no primeiro dia, achou muito estranho eu não saber falar chinês, apenas um inglês mixado com algumas parcas palavras que eu sabia, de tanto ouvir meus pais falando entre si. E, mesmo depois de entender que eu era estrangeiro, ainda ficava desconfiada, ela e sua garçonete.



Ao longo desses dois meses, trabalhando e também estudando - numa escola de língua chinesa -, freqüentando o Café, comecei a fazer amizade com o pessoal deste Café em Taiwan, e o combinado era que eu ensinasse inglês para elas, e elas chinês para mim. Começamos a conversar muito, e meu chinês, graças a Deus, deu uma crescida que hoje já posso dizer que falo a língua, muito embora ainda não saiba ler nem escrever os ideogramas chineses, apenas alguns mais básicos. Falando muito a respeito do Brasil, expliquei o que significava a palavra “saudade”, que, dizem os lingüistas, não tem tradução para outra língua. Expliquei o problema de desigualdade social, racismo, e violência que acomete o Brasil. Disse a quantidade de amigos que deixei na terra-pátria, e a saudade que era quando chegava o sábado, quando, vivendo em São Paulo, eu sempre saía com uma grande turma.

Na semana passada, elas – a Tou Tou e a Mei Mei – me convidaram para sair num sábado, fomos no cinema, e depois num bar onde se tocava música taiwanesa. Agora, vou todos os dias no Café, na minha Bureka taiwanesa, duas vezes por dia, como se eu estivesse conversando com as meninas da Bureka de São Paulo. Ontem, novamente, fomos todos num bar e restaurante de jazz, ao que bebemos cerveja e voltamos de táxi, todos um pouco altos... As coisas aqui, felizmente, ainda são muito baratas, a empregabilidade é alta, o custo de vida baixo, e (surpreendentemente!), o café, além de barato, é muito bom e saboroso...

um abraco,
Denny Yang
http://acasadacolina.blogspot.com/

08 janeiro 2008

As coisas belas são difíceis



Todos convivemos diariamente com coisas, que nos parecem, diametralmente irreconciliáveis. Se não se faz possível compreender, e ir direto ao ponto, a sabedoria de todos os tempos nos sugere o deambular. Não o vagar fugidio dos covardes, mas os que sabiamente circundam a presa tal fera irredutível, qual deuses em seu altar, observando, se aproximando e esperando a ocasião propícia para o passo central.

nem tanto
aquém
nem mais
além.
no ponto.

É da competência do ser amoroso, a aproximação e descoberta das coisas com delicadeza. De onde pode, às vezes, abruptamente surgir a beleza. Todo conhecimento que realmente importa, tem como princípio esta apreensão do Belo. E como já disse Platão, khalepà tà kalá: ‘as coisas belas são difíceis’.
A determinação, o instinto, para o Belo, mais do que seres humanos, nos torna poetas; mais do que poetas, pode nos conduzir a evidência suprema de estarmos plenamente vivos: a alegria. E a alegria partilhada é a própria felicidade.
O ser iluminado pela beleza pode secar os pântanos emputrecidos ou deles fazer emergir a pura flor-de-lótus. Como disse meu querido poeta Manoel de Barros, ‘vagalumes driblam a treva’.

agora que o verão chegou
lembro que poderia nunca ter vindo.
na sombra ainda faz frio
no sol aqueço o íntimo.
tudo parece óbvio
tudo já foi ínfimo
tudo já foi vento...
muito passou por minhas mãos
trevos de cinco pontas se perderam.
a vida sopra generosa
com boa sorte e sua demora
eu continuo a deambular.
‘o inverno nunca tarda
em se tornar primavera’.

Vamos adiante, amigos, pois o ano começou e as coisas belas, realmente, não são fáceis.