09 dezembro 2010

Poesia grapiúna agora









Uma segunda edição pode ser comparada à releitura de um livro. Reler é coisa de quem gostou da primeira leitura ou, no mínimo, ato de quem ficou intrigado ou mexido com o que leu imediatamente. A segunda edição de um livro de poemas é acontecimento incomum, infelizmente, em nossos dias – e em verdade sempre o foi, mas tem sido cada vez mais incomum, a ponto da primeira edição já ser, ela mesma, uma raridade. Se tal acontece, é porque um milagre chegou perto de acontecer, se não aconteceu, de fato. Mas atentemos para o que afirmou Horácio: “saepe stilum vertas, iterum quae digna sint legi scripturu, neque te ut miretur turba labores, contentus paucis lectoribus”1 .

Eu, dentro de meu mundo supostamente cosmopolita, metropolitano e bastante, me sabia pouco, muito pouco, em matéria de poesia grapiúna. Sosígenes Costa, Telmo Padilha, Ildásio Tavares, Florisvaldo Mattos, Adelmo Oliveira, Cyro de Mattos, Jorge Medauar – que em verdade sempre me impressionou mais escrevendo contos – e um ou outro poema avulso de nomes que já não me ocorrem mais. Devo a um paulista de Marília o reencontro com a poesia de meu estado, o poeta e ensaísta Gustavo Felicíssimo, que vem fazendo um trabalho irreprochável e decisivo na fixação de poetas grapiúnas, dentro da história da literatura baiana e brasileira.

Diálogos revela um contato com duas alteridades: a conversa entre poetas bastante diversos entre si; a conversa entre poetas grapiúnas e o mundo, a água ou terra que cerca essa ilha ou rio. No livro ora publicado há a poesia de linguagem coloquial, que lembra muito a obra de um Robert Frost (Edson Cruz, Heitor Brasileiro), há sonetos de grande ousadia mórfica (Piligra), haicais sem qualquer ranço de outro país ou tradição (Mither Amorim), poemas que vêm da influência oitentista brasileira do puzzle, certa pulsação das regras, com seus versos sinuosos e intimistas (Noélia Estrela, Rita Santana, Daniela Galdino), um memorialismo consistente que nos faz pensar em Miguel Torga – o poeta – e alguns outros poetas portugueses do século XX (George Pellegrini), e ainda poemas que são uma mistura de linhas e destinos (os poemas de André Rosa, os de Fabrício Brandão e os do caçula da coletânea, Geraldo Lavigne, nascido em 1986, mas que “disputa” de igual para igual com os demais escolhidos). Poesia é tradução, sempre. É a busca incessante pela palavra mais adequada àquilo que se sente e que se tornou idéia, pensamento, meditação. Afirmo, sem medo algum de passar por precipitado ou leitor desatento, que os poetas aqui reunidos chegaram o mais próximo possível de si mesmos. Mais próximo do que chegaram e talvez houvéssemos perdido a escrita de cada um deles, uma vez que certamente não conseguiriam mais voltar ao mundo dos fenômenos.

A diversidade, penso eu, é uma das mais louváveis características da antologia organizada por Felicíssimo, que tem a maturidade e a inteligência de encontrar qualidade – o belo – em todo e qualquer tipo ou gênero de poesia, sem discriminações, escolas, corporativismo. Se pensarmos na origem do termo “antologia” – do grego anthos: flor; logos: de legein, colher, juntar. Daí se segue a idéia de buquê de variado perfume. Nos períodos clássico e bizantino da literatura grega, produziu-se imensa antologia de poemas curtos, de diversos autores, a Antologia Grega –, teremos entendido bem o livro que pode ser descerrado pelo leitor a qualquer instante, com todos os seus perfumes diversos.

Eu, que sou e pretendo ser, sempre, parcial – uma vez que sou pessoa e indivíduo –, não desejo esconder minhas inclinações: me identifico e sou levado facilmente pela poesia de extrema sofisticação e sutileza, realizada pelo poeta, já bem localizado em nossa mídia, Marcus Vinícius Rodrigues, diversas vezes premiado. E ainda pela poesia de Edson Cruz, cheia de sagacidade e epifanias que se desdobram para além dos pequenos poemas que costuma realizar.

Espero uma terceira edição do Diálogos de Gustavo Felicíssimo e dos poetas grapiúnas de hoje. Uma antologia é um convite para o livro solo de um poeta; é o aperitivo para uma comida mais substanciosa e “pesada”.

Para amanhã, peço uma nova antologia. Sempre.

1 – “Revolve muitas vezes o estilo, se desejas que aquilo que hás de escrever seja digno de ser lido duas vezes e não sofras porque a turba te admira, sê satisfeito com poucos leitores”, em tradução de Mary Kimiko Murashima.


Henrique Wagner é poeta e crítico de arte.

Blog do Lçto: http://livrodialogos.blogspot.com/

28 novembro 2010

MAHÂBHÂRATA




































Sinopse:

Mahâbhârata
, épico da literatura indiana, originalmente escrito em sânscrito, é uma obra imensa, que foi condensada pelo poeta Edson Cruz, como mais um título da Coleção Clássicos do Mundo, da Paulinas Editora. Livro reverenciado pelos indianos, nele estão os fundamentos filosóficos do hinduísmo. Texto precioso que trata de sentimentos e verdades universais e aponta, por meio de suas metáforas, o caminho para se viver uma vida iluminada.

Na versão de Cruz, Ganesha, o senhor dos obstáculos, é quem toma a pena e ‘molha as palavras’ para narrar o conflito entre Pândavas e Káuravas, cerne do enredo de Mahâbhârata (que significa a grande história dos Bhârata), em que duas famílias, se enfrentam em uma guerra cruel pela disputa do reino da Índia. O momento culminante da narrativa acontece quando o príncipe Arjuna, em um momento de hesitação e de tocante reflexão, confidencia ao avatar Krishna o desejo de abandonar o campo de batalha para evitar mortes de amigos e familiares. Krishna, que há muito tempo previra a queda dos Káuravas, convence Arjuna de que aquela guerra fazia parte do ‘destino’ do reino e não poderia ser evitada: “Não se pode escapar de praticar um ato que deva ser praticado e essa ação, com certeza, deixará sua marca latente.”

Intrigas, enganos, política, romances tudo se condensa em Mahâbhârata: os grandes descendentes de Bhârata, um livro em que reis, deuses, homens de boa e de má fé se encontram no palco da guerra que não apenas reivindica o poder, mas da guerra que lança luz à consciência daqueles que ainda se encontram na sombra.

Anasor, estudiosa e admiradora do livro sagrado indiano, por meio de suas ricas imagens rompendo em cores, apresenta uma leitura lúdica da narrativa, onde o palco da guerra é o picadeiro do circo, uma maneira sábia de observar as peripécias e aprendizados da vida.


Informações do autor e da ilustradora:

Edson Cruz, nascido em Ilhéus (BA), é poeta, editor e revisor. Desgraduou-se em muitas coisas e, atualmente, faz o curso de Letras na USP. Foi fundador e editor do site de literatura Cronópios e da revista literária Mnemozine. Lançou, em 2007, Sortilégio (poesias) e, como organizador, O que é poesia?. Participou de inúmeras antologias e escreve com frequência no blog http://sambaquis.blogspot.com/.

Anasor ed Searom
é o pseudônimo de Rosana de Moraes, artista plástica paulistana, autodidata, que teve sua formação em museus e ateliês, em São Paulo. Suas obras estão presentes em coleções públicas e particulares de diversos países; suas pinturas ilustraram publicações de arte e poesia.

25 novembro 2010

vestais

um coro de virgens
em uníssono:
aqueles que se alçaram
à completa inocência
- só eles -
podem tomar o fogo
sagrado de meu sexo
- que venham Bispos
do Rosário
em cardumes.
silêncio.

13 novembro 2010

A Luz da Fonia



Não sou tão velho assim como para me lembrar de coisas que eu não disse, mas lembro-me perfeitamente de duas de que eu falei: dos sonhos colectivos que me habitam, entre eles, uma idéia de sermos um só pela língua, e de ter dito em Brasília que a CPLP não funciona para a cultura. Dizer em foro adequado que algo não funciona é porque queremos que funcione, porque uma maneira de fazer com que as coisas não funcionem é dizer que elas funcionam quando não. Sabendo que a Lusofonia é uma realidade feita de vários sonhos, mas não tanto assim o inverso, isto é, a Lusofonia é um sonho feito de escassas realidades, de parcas coisas que acontecem, antes que eu me esqueça, dou fé aqui de que algo mudou e de algo que está a acontecer, ou já aconteceu. O que presenciei há poucos dias no Rio de Janeiro fez-me crer que a língua, que não é palpável senão na boca e no papel, bem pode ser um enorme campo de abraços. A nossa língua precisava de luz própria, e esta se fez, como a queria Goethe. Para já, que um evento se chame Encontros Culturais de Língua Portuguesa, foi um achado. O fenômeno contém tanta alegria e futuro em si, que, agora, impõe uma serena reflexão. Tudo porque o sucedido nesses encontros nos ultrapassou, e nos ultrapassou porque o resultado foi imprevisível. Os ECLP, finalmente, por aquilo que vi e ouvi, têm um quê de grandeza que vai além da política, da diplomacia, dos interesses, dos países e das nações, para entrar no domínio do humano, essa coisa perene que se crê eterno quando chega ao poder e quando exerce o poder sobre o seu semelhante. Eu vi humano que quer ser humano como outro humano qualquer desconhecido, desparecido, sendo apenas humano porque fala. Esses Encontros fizeram-me perceber aquilo que todos nós sabemos, mas que, estranhamente, ninguém tinha percebido até hoje, isto é, que o humano fala porque tem uma coisa que todos os animais têm, mas não a usa como nós, a língua. Até hoje, sempre quando se falou da língua e da fala e da Comunidade da Língua Portuguesa, viu-se muitos tratados e artigos, muita boa intenção, inclusive, mas não se deu importância a um músculo flexível e gorducho e por causa da qual a gente diz que namora, a língua. Quando uma pessoa diz que namora, está a dizer nada mais nada menos que ela é humana, de certeza. O resto é conversa, diz-se no Brasil. O resto é história, diz-se em Portugal. O resto é cantiga, diz-se por aí. Nesses Encontros também, A língua, iluminadamente, veio precedida de duas palavras, e que palavras: Encontro e Cultura. Ora, não sou tão velho assim, mas lembro-me perfeitamente de ter dito que a idéia de uma Comunidade de Países devia ficar pelos sapatos e delegar a Cultura e os Encontros à sua independência de gestão informal e periférica, simplesmente. Aconteceu. Os ECLP, que tiveram lugar no Rio de Janeiro em Novembro de 2010 é o tal evento que não é vento, como se costuma dizer: vi gente, simplesmente gente, sendo, simplesmente, porque era e porque o outro também era. Vi um babel de diferenças, de pessoas felizes só porque não precisavam de intérpretes para dizer o que todo o mortal deve dizer ao menos uma vez na vida, eu te amo. As línguas português, assim, sem erro de ortografia, são a razão da Lusofonia. Mas a Lusofonia tem sido um projecto político baseado no idioma. Está certo, mas nós, de Cabinda a Lisboa, da Amazônia à ilha do Sal, temos todos juntos uma constelação de mais de quatrocentos idiomas, porém uma língua comum em cada lugar, o português, que perfaz o universo das línguas português, diverso no seu sotaque e múltiplo na sua semiótica. Hão de compreender, então, o meu fascínio pelo podermos dizer eu te amo e sermos correspondidos sem outro intermediário que não seja a língua? Aconteceu, e aconteceu porque, pela primeira vez (falando dos nossos Estados), o centro não era a mesa e o tecto, mas o palco e o chão. E aconteceu porque o assunto público foi absolutamente privado, (isto é, os casacos e as gravatas ficaram em casa, a rotatividade e as presidências também, e só os povos saíram à rua para linguajar, ah como é preciso), numa altura em que vários eventos privados clamam para serem declarados de utilidade pública (o Teatro tem sido a mãe desses exemplos). Encontro e Cultura, caramba, finalmente junto e a sós. Se isso for investido, institucionalizado, como oficialmente se diz, a língua, que já foi pátria, está prenhe de vir a ser humanidade. E espero não ser suficientemente velho como para não a ver e me retrair.

Mário Lúcio




Mário Lúcio Sousa nasceu no Tarrafal, na Ilha de Santiago, Cabo Verde, em 21 de Outubro de 1964. É músico que você pode conferir em http://www.mariolucio.com/ e autor das seguintes obras: Nascimento de Um Mundo (poesia, 1990); Sob os Signos da Luz (poesia, 1992), Para Nunca Mais Falarmos de Amor (poesia, 1999), Os Trinta Dias do Homem mais Pobre do Mundo (Ficção, 2000 – prémio do Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa, 1ª edição), Adão e As Sete Pretas de Fuligem (teatro, 2001), Vidas Paralelas (romance, 2004). É também autor de diversas peças de teatro encenadas em Cabo Verde e no estrangeiro.
http://www.myspace.com/marioluciosousa

10 novembro 2010

A mídia tradicional já era!

Entrevista reveladora de Andrew Keen ao globonews. Ele já começa a achar que é bom a cultura estar ameaçada. Está fascinado pelo seu iPhone. Posto a parte 2 da entrevista, mas ela toda é bacana. O cara é durão, mas não é bobo. Já havia escrito sobre seu livro. Confira.

01 novembro 2010

III Simpósio de Poesia Contemporânea



                                              PROGRAMAÇÃO III SIMPOESIA




Sexta 5/11

19h Abertura do evento

19h30 Leitura

Ismar Tirelli (RJ), Marize Castro (RN), Leonardo Gandolfi (RJ), Claudio Daniel (SP), Farnoosh Fathi (EUA), Martin Palacio Gamboa (Uruguai)

video-poema “poço. festim. mosaico”, de Marize Castro


20h30 Apresentação Arjen Duinker (Holanda)

21h Leitura Bruce Andrews (USA)

21h30 Vídeopoema Cidade Reposta, Márcio-André (RJ)


Lançamentos

Títulos do selo [e] – Annablume

Selo Orpheu, editora Multifoco

Lábios-espelhos, de Marize Castro



Sábado 6/11

16h30 Debate: A novíssima poesia brasileira

Com Nilson Oliveira (PA), Antônio Vicente Pietroforte (SP) e Edson Cruz (BA/SP)

Mediação: Leonardo Gandolfi (RJ)


18h Palestra sobre arquivos digitais de poesia com Aquilles Alencar Brayner (British Library)


19h Leitura

Adriana Zapparoli (SP), Antônio Vicente Pietroforte (SP), Edson Cruz (BA/SP), Nícollas Ranieri (MG)


20h Palestra sobre language poetry, com Bruce Andrews (USA)

20h30 Leitura Erín Moure (Canadá)

21h Lançamentos de diversos títulos da Lumme Editor e da revista Polichinello

Maratona de leitura com a participação de Adriana Zapparoli, Lígia Dabul, Micheliny Verunsck, Thiago Ponce de Moraes, Nilson de Oliveira, Leonardo Gandolfi, Assis de Mello, e Glauco Mattoso.



Domingo 7/11

16h30 Painel - mulheres tradutoras (recital)

Com Marina Della Valle (SP), Telma Franco (SP), Eva Balitkova (República Tcheca/SP), Erín Moure (Canadá), Virna Teixeira (CE/SP)

Mediação: Martín Palacio Gamboa (Uruguai)


Homenagem a Wilson Bueno, por Erín Moure

17h30 Apresentação do livro fio, fenda, falésia, com Roberta Ferraz (SP) e Renata Huber (SP)

18h Leitura

Donny Correia (SP), Arjen Dunker (Holanda), Bruno Brum (MG), Beth Brait Alvim (SP), Frederico Barbosa (SP), Micheliny Verunsck (PE/SP)


Perfomance poemacumba, de Leo Goncalves (MG)

Lançamentos Arqueria editorial/ encerramento



LOCAL: Casa das Rosas (Avenida Paulista, 37)

Realização: Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo

Produção: Casa das Rosas e Organização Social POIESIS de Cultura

29 outubro 2010

Galáxias traduzidas


















Ruy Castro fez graça, mas foi infeliz. Parafrasear um texto, ainda mais um com esta voltagem poética, é matá-lo com palavras carinhosas ao pé do ouvido.  Gosto muitíssimo do Ruy Castro, mas facilitar a poesia transformando-a em prosa prosaica pode passar a ideia que Haroldo complicou um texto que poderia ter sido escrito de outra forma. E sabemos que em poesia não é bem assim. Confira.

27 outubro 2010

Um mamaluco encantador























O escritor Luiz Roberto Guedes é uma das pessoas mais bem-humoradas e informadas que eu conheço. Nos encontramos com frequência na av. Paulista, eu saindo do trampo e ele indo pagar alguma conta, e os papos se estendem com fluência. Além de grande poeta e letrista, tem escrito prosa com grande pegada. Seu livro O Mamaluco Voador é uma delícia e deveria ter tido mais repercussão.

Outra noite, passamos horas preciosas em boa prosa (bebericando um ótimo vinho argentino) com o poeta Affonso Romano de Sant’Anna.


O livro com a capa acima, foi lançado por aqui em abril. Se ele houvesse chegado na vitrine das livrarias, agora já estaria escondido no fundo dela. Confira um dos contos do livro e saiba como adquiri-lo.
 
                                                  [Alô, Alessandra]

                                              por Luiz Roberto Guedes

    O céu escureceu ao meio-dia, tão de repente que os carros acenderam os faróis. O dilúvio castigou a cidade durante horas. Chovia sempre quando o pessoal abrigado na entrada do posto telefônico viu aquele homem gordo vindo pela calçada, enfrentando o aguaceiro com um guarda-chuva pequeno demais para seu diâmetro.
   Abriram alas para ele. O gordo mais gordo que qualquer um já tinha visto. Enorme, romboide, monumental. Com macacão de jeans, bolsa a tiracolo, sandália de franciscano. Ele olhou em volta e já fez cara de contrariado.
   Viu todos os telefones ocupados, a maioria por vendedores, gente que ficava horas papagaiando, empurrando plano de saúde, curso de inglês, loteamento, clube de campo e até jazigo perpétuo em “cemitério-jardim com qualidade de Primeiro Mundo, minha senhora”, ouviu o papo de um deles.

   Ficou rodeando, impaciente. Mal um sujeito desligou, deu o bote sobre o aparelho. Tirou uma agendinha do bolso da camisa, coçou seus três queixos e teclou.
   Alô, Alessandra! É o Alex, da Teatrupe. E aí, tudo bem? Cê sumiu, nunca mais pintou no teatro. Tá estudando inglês? Vai pra Londres? Quando? Então a gente precisa se ver, tô com saudade. Vou estrear minha peça no mês que vem, sabia? O Sequestro do Prefeito. Não, não é comédia, tá mais pra tragicomédia. Por que você não vem ver um ensaio da gente uma noite dessas? Ah, cê tem que estudar. E na semana que vem? Ah, é? Ah, tá, então tá. Ligo pra você outro dia. Vou te mandar convite pra estreia, hein? Quero te ver lá. Um superbeijo!
    Folheou rapidamente a agenda.
   Oi, Isabela, como vão as coisas?
   A mil por hora. No pique da grande agência de publicidade. Sem tempo nem pra dar um “treps”. Só bizness. Tinha que entrar em reunião agora, sem hora pra acabar, a gente marca um papo outra hora.
   Era a deixa para a sua última fala. Saiu de cena com classe:
   Grande Isa! Sucesso, moça. Superbeijo! Tchau.
   Ligou para Vera, ficou sabendo que ela estava em alto mar, trabalhando num navio, em cruzeiro pelo Caribe.
   Ela volta quando, vovó? Tá bom, eu ligo em dezembro. Um beijo pra senhora.
   Pescou no bolso do macacão uma caixinha de chiclete, despejou uma pastilha na boca. Mastigou, folheou, teclou.
   Alô, Mirella, tudo bem? É o Alex. Saudade...
  Com voz macia, convidou-a para um ensaio, filme novo do Almodóvar, peça de Mário Bortolotto, show de blues, um sarau na Casa das Rosas, mas Mirella já tinha programa para os próximos 52 fins de semana.
    Oi, Fabíola... É o Alex da Teatrupe, tudo bem?
   Falava como locutor de rádio. Carinhoso, meloso, pegajoso. Tremendo bico-doce. Ganhou a atenção de todos para sua campanha romântica – “preciso de alguém para amar no fim de semana”.
    Alô, Selma, Telma, Tamara, Rossana, Silvana, Valéria.
   Ligados na novela, ouvintes involuntários foram virando espectadores simpáticos, talvez solidários, quase desejando que uma Cidinha dissesse “sim”, uma Jandira desse um trato no cara, uma Zuleide fosse tarada por um gordão.
    Ele consultava a agenda, ponderando, batucando na mesa com o polegar robusto. No ar, um certo medo de um novo não.

    Oi, Priscila, principiou sem esperança, sem vibração. Vai fazer o quê quarta-feira, sexta-feira, sábado, domingo, semana que vem? Ah, é? Ah, tá, ah, sei.
   E rugiu, áspero, amargo, indignado, quer dizer que quarta-feira você vai tingir o cabelo, sexta-feira vai buscar sua tia no aeroporto, sábado é o casamento da sua prima, domingo você vai visitar sua vovó que tá dodói, e na semana que vem também não pode? Então me diz quando é que você pode! Diz, Priscila! Quando é que você vai ter tempo? Fala, Priscila! O quê? Ah, vai tomar no teu cu!
  Bateu o telefone, pegou suas coisas e arrancou para a porta. Foi embora tomando chuva na cabeça, guarda-chuva fechado debaixo do braço.
   Houve um silêncio que não foi preenchido por qualquer comentário, e logo cada um voltou a cuidar da própria vida, ou apenas continuou esperando a chuva passar.


[In Alguém para amar no fim de semana, contos [e] editorial \ Annablume, 2010]

Para saber mais sobre o livro: www.annablume.com.br

Para ler a resposta do Guedes sobre “O que é poesia”.

19 outubro 2010

O que é poesia?



Quais são os elementos que tornam um texto poético, o que é um poema e quando há ou não poesia em um poema? Todas estas questões estão enraizadas na própria história da poesia, do poema, ou melhor seria dizer, de uma arte poética. Neste módulo, pretende-se abordar e praticar algumas das possibilidades desta arte, das mais tradicionais até as de vanguarda. Tudo isso, focado no desenvolvimento da voz poética de cada aluno em uma época de cibercultura.

 Alguns tópicos abordados:
- As distinções fundamentais entre a prosa e a poesia.
- As formas fixas na poesia. A estrutura do soneto. A canção. A oralidade.
- Definições para quem gosta delas. O que os poetas dizem sobre o fazer poético.
- A Poesia Concreta e a Internet.
- Como analisar um poema. Exemplos e exercícios.
- Concisão. O haicai como exercício poético.
- A tradução de poesia.
- Poesia na rede. Blogues e sites bacanas de poesia.

O curso faz parte da especialização em Prática de Escrita da Terracota, parceria com a Universidade Cruzeiro do Sul, coordenado por Claudio Brites e Nelson de Oliveira. Mas pode ser frequentado como curso livre.

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Público-alvo: Estudantes, escritores diletantes, professores e pessoas interessadas
Certificado: Será conferido pela Universidade Cruzeiro do Sul e o Espaço Terracota
Início: 7 de dezembro de 2010
Término: 1 de março de 2011
Duração: 24 horas
Horários: Terças, das 19h30 às 22h30 – o professor chega às 18h30, para atendimento individual.
Calendário: Dezembro: 7, 14, 21; Fevereiro: 1, 8, 15, 22; Março: 1.
Haverá uma pausa durante janeiro, para que os alunos trabalhem em seus projetos.
Número de vagas: 7
Local do Curso: Espaço Cultural Terracota – Av. Lins de Vasconcelos, 1886 – Aclimação – São Paulo
Investimento: 350 reais (pode ser pago em 2 vezes)
Dúvidas, informações: 11-2645-0549
Matriculas pelo email contato@terracotaeditora.com.br
Visite o site do curso aqui

Edson Cruz é escritor e revisor. Foi co-fundador e editor do Portal Literário Cronópios e da revista Mnemozine. Publicou o livro de poemas Sortilégio (2007), pelo importante selo Demônio Negro. Organizou o livro O que é poesia? (Confraria do Vento, 2009). Mais sobre ele aqui.

15 outubro 2010

Arquivos Incríveis de JA

Conheci o jornalista João Antonio lá em Campinas, nas Rodas de Leitura organizadas pelo Sesc. Ele é um grande pesquisador, colecionador e envia pérolas por email selecionadas de seus Arquivos Incríveis.

Quando lançarmos o site MUSA RARA, João terá uma coluna especial para mostrar seus achados.

Olha só o que ele garimpou:

ANIMA 2 , revista de literatura e cultura, de abril de 1977.




13 outubro 2010

A poesia diz SIM



Vem aí mais um evento SIMPOESIA 2010. A poeta pernambucana Micheliny Verunschk lançará seu 3º livro, "Cartografia da Noite" durante o evento. Confira e participe.



Um suicídio

A aranha
delicada
lambe-me
entre os dedos
e uma luva
de veludo negro
se espalha por todo o braço.

Do outro lado,
a outra mão,
pálida como a neve
sangra maçãs
sobre um bilhete
inacabado.

Não há espelho
ou beijo
que as despertem.

Paralisia.

***

Coliseu

Os carros rugem.

Espera de arenas, o círculo das batalhas.

A cidade se oferece: carne.

Abre a sua guarda
e os leões colidem,
esfomeados.

Hostes e dentes,
o seu nome é Legião.

***

Naufrágio

Silêncio,
agora me destroço,
mastro retorcido,
casco arrebentado.

Meu nome encontra
o rosto da sereia cega
e decepada.

Meu nome encontra o nome
desse país provisório
entre a vida e a água.

Vértebras.

Pele furada.

Olho de baleia.

Agora é a minha deixa.

Coluna dolorida
tocando o abismo
desse céu inverso.

Incisão de agulhas de tricô.

Silêncio.
Agora me atravessam
pregos,
travessões.

Silêncio,
agora começou.



Micheliny Verunschk,  escritora pernambucana, escreveu Geografia Íntima do Deserto (Landy Editora), livro finalista do Portugal Telecom de 2004,  e O Observador e o Nada (Edições Bagaço). Tem trabalhos publicados nos Estados Unidos, Canadá, França e Portugal.

01 outubro 2010

Só para mamíferos



Em  João Pessoa, encontrei-me com o ficcionista e editor Pedro Salgueiro, que me mostrou seus novos rebentos: dois números da revista Para Mamíferos. Uma grande surpresa a revista. Criação de alto nível, traduções, entrevistas, dossiês, fotografia. Esses cearenses, realmente, não brincam em serviço. Já havia comentado, recentemente, sobre o Corsário, que além de virtual também terá edição impressa. Carlos Emílio C. Lima me avisa que recebeu um prêmio para continuar editando a famosa Arraia PajéUrbe. Que, por sinal, também terá versão on-line.

Na edição 1 da revista, temos um conto inédito de Dalton Trevisan (O viúvo) e uma longa entrevista com a escritora Ana Miranda (e suas múltiplas dicções) que diz coisas como:

“Acho que é do Mário Quintana a frase que diz que os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas, os livros só mudam as pessoas. Depois de ler um livro, a pessoa não é mais a mesma, claro, é um processo antropofágico de devoração mútua, o leitor se transforma no autor e o autor se transforma no leitor.”







 E sobre seu romance mais recente, Yuxin:

“Meu novo romance percorreu um longo caminho, desde um sonho que tive nos anos 1980, ao ler os textos instrumentais de Antonio Vieira, um sonho com o padre Vieira e uma índia que lhe remendava a batina, até chegar a Yuxin. Sempre desejei entrar no tema indígena, porque somos, os cearenses, descendentes de índios, carregamos a alma indígena em nosso ser. E porque minha irmã Marlui Miranda manteve esse tema vivo em minha vida, trazendo-me seu trabalho com a música indígena. […] Minha irmã saía em direção a alguma aldeia, e retornava trazendo a atmosfera selvagem. Mas com tudo isso eu não conseguia penetrar na dicção de uma narradora índia, o material referente à fala dos índios é parco, eles são ágrafos, e quando publicam, geralmente é usando padrões não-índios. Então eu só encontrava pequenos depoimentos citados em livros, ou ouvia as gravações de minha irmã. Um dia encontrei um livro preparado por Capistrano de Abreu, um vocabulário da língua caxinauá, com umas setecentas páginas de depoimento de dois índios, na língua original e traduzidas literalmente, onde pude observar a construção, as repetições, o ritmo… era o que eu mais desejava encontrar. Mergulhei no livro, e ele foi me afastando do sonho com Vieira, levou-me a uma situação pessoal, pois a região a que se refere o livro de Capistrano de Abreu foi colonizada por cearenses, no Alto Juruá, Acre. Essa é mais ou menos a gênese do livro. Ele é uma narrativa da floresta, são as vozes da floresta, cantadas pela voz de uma índia. Os índios não têm um ego, como nós, então ela, a floresta, os bichos, são um ser só.”

Sobre crítica literária:

“A verdadeira crítica literária é benéfica, e isso existe no Brasil, embora encerrada no meio acadêmico. […] A imprensa tem altos e baixos. É algo mais com o intuito de reportar, do que de refletir sobre algum livro. É mais notícia do que crítica, e feita em más condições, pressa, falta de recursos, muitas vezes por jornalistas não especializados, que se vêem com caixas pretas em suas mãos. […]”

Nessa mesma edição, a revista disponibiliza encartada a reprodução de uma página do texto original do romance Yuxin. Um quitute para a crítica genética.







E olha que só dei alguns exemplos da edição 1. Imaginem, então, a Nº 2.

A revista é editada por: Glauco Sobreira, Jesus Irajacy, Nerilson Moreira, Pedro Salgueiro, Raymundo Netto e Tércia Montenegro. O projeto gráfico é de Saul Ferreira. Para conseguir um exemplar, envie um email para paramamiferos@gmail.com

Que venham mais rebentos como esses. Aguardo, também, notícias literárias do incansável Nilto Maciel – que por sinal está de site novo.