08 setembro 2020

REI

 











A melhor coisa do futebol

não é o gol.

Nem o gole que você toma

antes, durante ou depois.

 

Não é o seu time

com aquele hino sem tino.

Nem o meu

e suas estrelas sem brilho.

 

A melhor coisa do futebol

poderia ser a torcida,

seus cantos e urros.

Não fossem as organizadas

com seus hooligans

dando patadas feito burros.

 

E os jogadores com seus ritos,

seus pulinhos e cabelos

esquisitos?

Só perdem para os juízes

e seus horríveis modelitos.

 

Também não é o goleiro

em seu lance rasteiro

à procura da redonda,

sua eterna Gioconda.

 

A melhor coisa do futebol

é o drible, o olé.

É nele que reside o pois é,

a poiésis, a techné.

 

Melhor que isso tudo

só Ele, em caixa alta.

Melhor que a perfeição,

que a magia do ludo.

 

O ser talhado em ébano,

envolto em glória,

gingando pelos gramados

de minha memória.

 

Não ouso dizer seu nome,

seu Nascimento,

seu pedigree.

 

Apenas o trago guardado,

estampado nos álbuns.

Nas coleções

que nunca concluí.










07 setembro 2020

RUBRICA

 











Se a flor bela

não espanca,

a poesia

não encanta.

 

Todo poeta precisa ser

espancado.






05 setembro 2020

PRODÍGIOS

 








Tudo é escrita,

mesmo a palavra

não dita.


Tudo é fábula,

mesmo o enredo

sem fadas.


Viver é lavra

em uma ficção

inaudita.






04 setembro 2020

COMPETÊNCIA

 








Não sei falar inglês

nem o dialeto ancestral

banto.

Me vingo toda noite

sonhando

em esperanto.






03 setembro 2020

02 setembro 2020

REGRAS



















Boi, catamênio, 
chica, chico, conjunção, 
costume, embaraço, escorrência, fluxo, 
incômodo, lua, menarquia, 
menorreia, mênstruo, 
mês, paquete, pingadeira, 
sangue, veículo, 
visita, 
volta da lua.

Quando ela se viu grávida,
as regras já estavam sem sinonímia.






01 setembro 2020

DE TRÊS DEDOS

 



     







     Geometrias rasuradas
     nos gramados
     da memória.

     Uma coruja sobre
     um ângulo reto.
     O gol vazio e quieto.







31 agosto 2020

DESPERTAR

 











A busca principia

e se finda no coração.

Na longa jornada

dia a dia se oficia.

No limite, nos brinda

com a iluminação.

O ser na aurora do dia.









30 agosto 2020

POESIA

 












A dança das imagens entre as palavras.

A viagem de volta ao desconhecido.

Aquilo que concerne ao cerne do ser.

A linguagem dos pássaros sem voz.

A hesitação sem a redenção do êxito.

O enunciado do ser travestido em vocábulos.

A ordem do ente na desordem dos seres.

Emoção recuperada no deserto da história.

A ação e o efeito de fingir-se sendo.

Parcas arrependidas uivando pela vida.

Desígnio de deuses esquecidos.

A pureza selvagem do espúrio.

Tudo o que se perde com a conceituação.








29 agosto 2020

NÉVOA

 












Névoa no campo-santo.

Os que se despedem

dos que partem

quanto tempo ainda

viverão?

 

 

[lendo o Diálogo entre um Venerável e um Homem Não Iluminado do buda Nichiren Daishonin, séc. 13]







28 agosto 2020

BENESSE

 










Não me venha com essa

de que o tempo passa

depressa.

 

A beleza não tem pressa,

ela súbito graça

e aparece.

 

 



  [O poeta Manoel de Barros na ‘Toca do Poeta’, em busca das miudezas e infinitudes da memória]









27 agosto 2020

INTERJEIÇÃO

 




 




















eu silencio

o sibilino

e silente

cio.

 

psiu!

 

o silente

cio

do sibilino

e silencioso

eu.








26 agosto 2020

CAMPANHA PUBLICITÁRIA

 














no começo foi a roda
uma, duas, três e quatro
virou carro, virou moda
e viralizou em cova.

****

carro
caro
car
ar
a...
...
...

cadê o ar?










25 agosto 2020

MAL TEMPERADO

 


     








          quando não ouvimos

          a própria voz,

          desafinamos.









24 agosto 2020

VESTAIS



um coro de virgens

em uníssono:

só aqueles que mantêm

completa inocência                                          

podem gozar o fogo

sagrado de meu altar.

que venham Bispos

do Rosário

em cardumes.








23 agosto 2020

22 agosto 2020

21 agosto 2020

PRÉSTITO NEGRO

 












o Carnaval acabou

ou será que nunca houve?

mas o desfile continua.

nada para essa gente

nem Covid nem indigentes.

a morte sempre chega

não é mesmo?

e daí? segue o coro

dos contentes.

 

ela vem mansa e nua

com seus macios passos

de porta-bandeira

a equilibrar o mastro

em suas ancas de ossos

carcomidos

devorados pelos olhos

vorazes da avenida

Brasil, 

corsos ensandecidos.