para o querido Leme Xuxuzão
não me
importo
com o
passado.
a mim,
interessa
o
presente
que nos foi dado.
a vida e o carpe diem
doado pelo bardo.
matriz de tudo
que um dia será
revelado.
para o querido Leme Xuxuzão
não me
importo
com o
passado.
a mim,
interessa
o
presente
que nos foi dado.
a vida e o carpe diem
doado pelo bardo.
matriz de tudo
que um dia será
revelado.
ano que
vem não irei ao Japão
nem visitarei
Jerusalém
estarei por
aí recolhendo
os
pedaços de meu coração americano
mas enviarei
cartões-postais
para os
amigos
e para
mim mesmo
decalcarei
neles selos comemorativos
comprados
em algum mercado de Istambul
o
envelope exalará um odor de milho
e em
letras miúdas grafarei meu nome
o
sobrenome e também o local
de
alguma visitação histórica ou religiosa
no cartão
se lerá: queridos, saudades, fico por aqui
não
visitei templos budistas nem sinagogas
vi de
relance a Mona Lisa
mas não
era a original
as
catedrais daqui são inigualáveis
mas só
as vi de fora
as entradas
estão proibidas
os
monitores dos museus foram desligados
há muita
“gente” na rua buscando bares
os
branquelos passeiam com suas bermudas
e os que
ali éramos morenos
fingem
que são mouros
pois há
gringos da Califórnia e eles parecem
que são
louros
fico do
lado de fora a observar a encenação
de um
mundo que já não é o mesmo
quero
crer que minha visão é privilegiada
uma serenata
sem metáforas
me
azucrina as noites
não há
palavras para o som metálico
das
castanholas que vibram
sob a tensão
que se instaurou
no velho e bizarro mundo.
bebê tropeçando
nas formigas do caminho:
risinho divino.
***
o sino interrompe
a conclusão do poema:
silêncio na noite.
***
sabiá trinando.
parece que a vida toda
carmim se aveluda.
***
o longe parece
tão perto depois da prece.
ou eu que desperto?
um incansável pintor
a capturar a mãe
de todas
as formas.
a fêmea ancestral
a imiscuir-se nas curvas
da história.
o
ondular de eras
inglórias
o
sussurrar cósmico
do tempo.
o ardiloso
mito
inaugural
o nascedouro de todos
os enigmas.
Trabalho
de Judy Scotchford, pintora australiana contemporânea.
Há
poemas que são verdadeiros
bonsais.
Há
poetas que desvelam segredos
e que
tais.
Há
poesia que engana com poemas
tão
naturais.
Este aqui até que começou bem
mas só
quer passar a boiada.
O
som se insinuou de mansinho
como
quem não quer nada.
O
sentido veio junto de enfiada
e
você nem sentiu a estocada.
tenho uma certeza
uma epifania pessoal
quase religiosa.
o caminho que escolhi
é o melhor
entre os caminhos
pois foi o que escolhi.
apesar da convicção
que me anima
quase fanática
não estou disposto
a enforcar
apedrejar
jogar bombas
atirar
exterminar
abraçar com morteiros no culote
embargar economicamente
eliminar
civilizar ninguém
por não compartilhar
de meu júbilo
de minha sina
solitária.
O monge budista
Thich Quang Duc protesta contra o regime pró-católico do Vietnã do Sul e suas
políticas discriminatórias contra o budismo. Foto by Malcolm Browne, 1963.
hoje não
vou falar sobre aquilo tudo que não sei e faço de conta que sei não vou nomear
o que não carece fazer aquela pergunta desnecessária e que ninguém se interessa
constelação de saliva em boca seca vou ficar aqui assim desse jeito só eu e meu
teclado amarelado o monitor a piscar o Word em branco a esperar palavras palavras
palavras aqueles mundos não mudos que não chegam aqueles desertos habitados por
ninguém hoje não
neste momento
quando meu ser se compraz
ouve-se o marulho do tempo
sutis temas de jazz
ruído branco
causa e efeitos
em emaranhado
de névoa
sua voz suave a sibilar
no ouvido dos seres
a
sussurrar
que no espaço infindo
desta hora
de hoje
de amanhã
ou de outrora
há algo que quer
pode
deve
t r i u n f a r.
após
receber os sacramentos
a
fé no criador
a
plenitude
ele lambuzou-se
todo
mergulhou
foi até
o fim
nas águas
da vida
delfim
.
diapasão
a vibrar
desmedidas.
série
desarmônica.
princípio
das incertezas.
Heisenberg
bêbado
na
madruga.
coordenadas
dis
sonantes
cicatrizes
de
plâncton.
ardentia
sem lua.
saliva
de estrelas
cadentes.
cintilante
caos.
noite
profunda
ou ela já nos diz
tchau?
somos
todos impotentes
perante
a vida.
a vida é
um sonho
ou será
que é a morte?
hoje me
olhei no espelho
e não me
vi.
tudo que
havia em mim
não
reconheci.
quando
eu morrer
eu quero
fogo.
os
lábios e o jogo
mesmo
que no inferno.
hoje eu
renasci
percebi
que viver é estar
apegado
à morte.
quando estiver
realmente morto
quero
ver todos chorando.
principalmente
ela,
porque
por ela eu já chorei
muito.
quando
morrer,
não
quero luto.
quando
morrer,
eu quero
ludo.
na hora
de minha morte
vou
negociar.
berrar
como um bezerro.
se
quiser, leva o Silva
não eu,
vou gritar.
se não
quiser,
leve o
Bezerra.
para Donizete Galvão
Ficamos
atentos
aos ritmos,
aos movimentos
às bordas da mata.
Fiquei
atento
as suas falas
aos seus escritos
que só dizem
o necessário.
Fiquei
atento
aos pontos luminosos
de sua biografia lavrada
em páginas alvas.
Ainda
estou atento
aos frutos tardios
que despencam
sobre nossa ignorância.
Muitos
ficarão atentos
aos rizomas
que se tramam
em seu texto.
Os
poetas sabem,
comungam na religião original
da humanidade.
A atenção
é nossa forma natural
de oração.
quando estou sozinho
sou só
sou só eu
eu sou eu.
quando estás comigo
sou quase eu
sou mais que eu
sou nós
sou voz.
Aquelas águas-vivas
envolvidas em algas e sargaços
brilhavam na areia da praia
feito diamantes não lapidados.
Traziam a memória de um tempo
sem começo.
Uma infância irrealizada
entre as praias e a brisa
de Ilhéus.
Um menino arrancado
de seu berço de sal e sol
atirado sem dó,
sem nota
qualquer
no abraço concreto
das noites do sul.
Um cacau tomado
pelo fungo.
O exílio em outras terras
do sem fim.