18 outubro 2011

ORATIO

[para Ana Lucia Vasconcelos]


carpe diem
a vida é 
curta

as carpas riem
o azul do dia
zune

o céu refletido
nas águas
léu


15 outubro 2011

Mês dos Mestres

















[José Arrabal e Anasor prestigiando um aluno]


[Texto publicado por JOSÉ ARRABAL na revista “DIRECIONAL EDUCADOR/OUT.-2011]


Dentre todas as profissões, entendo que três são as fundamentais.

Fundamental é ser Médico, ao tratar da saúde da vida.

Fundamental é ser Orientador Religioso, ao cuidar do encontro com Deus.

Fundamental é ser Professor, ao ensinar a viver.

As demais profissões, com suas evidentes importâncias, são devedoras dessas três que considero fundamentais.

Ainda que homem de variados ofícios, em minha trajetória profissional sinto-me sempre Professor. Leciono desde os dezessete anos de idade, quando pela primeira vez entrei em sala de aula para alfabetizar adultos carentes num curso gratuito de Supletivo. Creio, entretanto, que também ensino ao exercer minhas atividades de Jornalista. E há em mim claro propósito de educar, ensinar a viver, nas ocasiões em que sou Escritor às voltas com ensaios, prosa de ficção ou poesia.

Este é o mês do Mestre. No quinze de outubro comemoramos o Dia do Professor. Vastas, intensas e agradecidas são as recordações afetivas que trago de meus Mestres.

Sem jamais esquecer, lembro com evidência da ocasião em que mamãe levou-me ao encontro daquela que iria me alfabetizar, bem no limiar dos anos cinqüenta do século passado.

Em silêncio ouvi a conversa das duas, de minha mãe e da Mestra. Desta, logo me agradaram o sorriso, mais seu nome rápido e amplo – Zoé - que depois soube por meu pai ser, em grego, Vida.

(Estranho acaso das significações: em meus seis primeiros meses de existência, tive por mãe-de-leite uma senhora libanesa de vastos seios chamada Málake, que, em árabe, quer dizer Liberdade. Aos seis anos, vi-me entregue à Vida, em sua sala de aula no Grupo Escolar Monteiro da Silva, na cidade capixaba onde nasci, Mimoso do Sul. Vida & Liberdade que em mim se associam de modo essencial.).

A Professora, ao ensinar, não nos trouxe o B-A-BÁ. Com firme intuição de moderna educadora, em sala de aula lia histórias para nós. Lia com vivo sorriso, voz clara, gostosa encenação. Era um bocado divertido ouvir suas histórias.

Se nos percebia mais atraídos por alguma palavra do enredo da história lida, escrevia no quadro negro e em muitos modos de escrever - com letra de forma, manuscrita, maiúscula e minúscula – essa palavra, nos despertando a atenção para esses seus desenhos caligrafados na lousa.

Daí passávamos a repetir com a Professora a tal palavra, a princípio em voz baixa, num sussurro que progressivamente se elevava e nos levava à voz alta, quando, sob regência da Mestra, retornávamos ao sussurro de início. Então fazíamos do verbo registrado verso musicado com melodia parodiada de alguma canção bem conhecida de todos nós.

Assim brincávamos com as palavras em sala de aula.

Lembro bem, quando de uma das histórias ressaltou-se a palavra Caracol, que foi para a lousa toda encaracolada.

Claro que nos encaracolamos na sala, numa andança coletiva a princípio vagarosa até corrermos repetindo de múltiplos modos caracol-caracol-caracol.

Passados três meses de aulas, eis que num sábado, um pouco antes da hora do almoço, de olho em páginas de jornal que cobriam o piso recentemente encerado da sala de minha casa de infância, intrigado, interroguei a meu pai:

- O que é epóca? – pronunciei assim, com a tônica na segunda sílaba.

- Epóca? – estranhou papai.

- Sim, Epóca... Aqui! – apontei a palavra registrada no jornal.

- Época ! Época ! – corrigiu papai e, feliz, levantou-me do chão, seguro por suas mãos para o melhor abraço de minha vida. – Ele já sabe ler! Ele já sabe ler! – e logo levou a notícia a mamãe, com tamanho entusiasmo que a bem da verdade livrou-me da vergonha de ter lido errado, certo de que não era mau reconhecer e corrigir um erro.

Ao almoçar, honraram-me com o melhor pedaço de frango e bem maior fatia de pudim na sobremesa.

Na segunda-feira, papai e mamãe deram-me de presente uma caixa com um tabuleiro e muitas peças de madeira, meu jogo de palavras cruzadas que tenho comigo até hoje junto de outras lembranças de infância, relíquias preciosas de minha história pessoal, evidentes testemunhas de que viver é bom e aprender também, com liberdade e prazer.

Palavras cruzadas que levei para a escola já no dia seguinte e com elas vivenciamos feliz farra, através de brincadeiras sugeridas por Dona Zoé, o que mais nos encaminhou à arte de escrever.

Entendo que assim cresceu em mim o gosto por ler e escrever, no seio do prazer de recordar histórias da vida vivida. Bons sabores que sempre me encaminham, agradecido, a homenagear os Mestres que tive no decorrer de minha formação cultural, grato igualmente a todos os que me ensinaram algum lance de dados para o aprimoramento da vida.

Verdade é que, se aprendemos a viver com nossos cinco sentidos, sempre há o que aprender com alguém mais, além dos Professores nas salas de aula. Para tanto basta termos nossos sentidos receptivos, livres de preconceitos excludentes.

Outubro é o mês do Mestre.

Mês de todos, se vivemos associados por valores fraternos e solidários.

Decerto bem melhor será a vida, ao nos cumprimentarmos uns aos outros deste modo, desde a manhã:

- Bom dia, Professor!

SP/SP


José Arrabal é professor universitário, jornalista, escritor. Entre suas obras, sobressaem “O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira: Teatro” (Editora Brasiliense), “Sherlocks on the Rocks nas Diretas Já”, “A Sociedade de Todos os Povos” (Editora Manole) “A Princesa Raga-Si”, “O Livro das Origens”, “Lendas Brasileiras, Vol 1/Vol. 2”, “Cacuí O Curumim Encantado”, “As Aventuras de El Cid Campeador”, “Romeu e Julieta”. “Da Vinci das Crianças (Editora Paulinas), “A Ira do Curupira” (Editora Mercuryo Jovem), “O Noviço”, “Demeter A Senhora dos Trigais” (Editora FTD), “Stalin” (Editora Moderna), “Histórias do Japão”, “O Lobisomem da Paulista” (Editora Peirópolis) e “Anos 70 – Ainda Sob a Tempestade” (Aeroplano Editora). [MÊS DO MESTRES - JOSÉ ARRABAL – Texto publicado na revista “DIRECIONAL EDUCADOR/OUT.-2011 josearrabal@uol.com.br

13 outubro 2011

Sambaqui no Hoje em Dia/BH



















Qual foi o norte de seu livro? Poderia fazer uma pequena sinopse?

O livro foi se fazendo, no corpo a corpo com a palavra e com o amadurecimento de minhas vivências e questionamentos atuais. Apesar de gostar do ser humano, vejo suas (e minhas) ações no mundo com muito estranhamento. Depois da seleção feita, percebi que o tema da morte e da epifania perpassa o livro como uma névoa bem sólida. O poeta e compositor Antonio Cicero soube captar e pontuar bem o lance do livro quando diz, na apresentação, que “o autor de Sambaqui tornou-se capaz de reconhecer e aceitar, olho no olho, a estranheza que de fato se abate sobre tudo o que é humano. Nesse reconhecimento e nessa aceitação, Sambaqui atinge seus mais admiráveis momentos, em diversos poemas de estranha, concisa e tensa beleza.”
Eu ainda acredito no ser humano. Estou no time daqueles que creem (talvez ingenuamente) que, depois de Auschiwtz e dos milhões que morrem de fome na África, a poesia ainda precisa ser praticada e ainda é de extrema importância e eficácia para recuperarmos nossa humanidade perdida. Para o que mais serviria a linguagem?

As poesias são de lavra recente? Ou há poemas antigos que se mesclam a novos?

Meu livro anterior de poemas é de 2007. De lá pra cá, escrevi muito e amadureci sobremaneira minha escrita. Estive sempre dialogando, além da tradição, com grandes poetas ainda vivos., devido ao meu trabalho como editor do site Capitu e depois do Cronópios. Foi uma pós-graduação em literatura e poesia.
Há sempre um poema ou outro que pescamos na memória ou na gaveta de guardados e o retrabalhamos até que ele efetivamente faça o clique da caixinha se fechando, como já disse João Cabral de Melo Neto.

Como percebe a recepção da poesia no mundo atual, tão conturbado?

A recepção da poesia atualmente quase não acontece. Isso é uma questão de mercado, e você sabe que a poesia é um inutensílio, indispensável, mas ainda assim um inutensílio. Ela não tem valor de mercado.
Infelizmente, a crítica ou está morta ou dedicada apenas aos mortos. E pra arrematar o desastre, o jornalismo cultural vigente está mais preocupado com o que está rolando nos reality shows por aí, ou com aquele autor americano que ganha anualmente mais de 80 milhões de dólares em direitos autorais.
Se não fosse a web, talvez, não estivéssemos mais falando de poesia contemporânea.

No evento haverá recitação?

Não. Será um lançamento nos moldes antigos, sem performances nem desmaios na fila de espera.


[Diálogo com a jornalista Patrícia Cassese do jornal Hoje em Dia - Belo Horizonte]