23 outubro 2007

Meu poeta preferido


Manoel de Barros


Uma Dialéctica da Invenção


I

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas
tem devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua exist6encia num
fagote tem salvação
e) Que um rio que flui entre dois jacintos carrega
mais ternura que um rio que flui entre dois
lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que humedece primeiro.
etc
etc
etc
Desaprender oito horas por dia ensina os princípios.


II
Desinventar objectos. O pente, por exemplo. Dar ao
pente funções de não pentear. Até que ele fique à
disposição de ser uma begónia. Ou uma gravanha.


III
Repetir repetir - até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo.


IV
No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
É quando um trevo assume a noite.
E um sapo engole as auroras.


VII
No descomeço era o verbo
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que á a voz de fazer
nascimentos-
O verbo tem que pegar delírio.


XIX
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a
imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás
de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta que o
rio faz por trás de sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que
fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.


XXI
Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.
Sou um sujeito letrado em dicionários.
Não tenho que 100 palavras.
Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais ou
no Viterbo -
A fim de consertar a minha ignorância,
mas só acrescenta.
Despesas para minha erudição tiro nos almanaques:
Ser ou não ser, eis a questão.
Ou na porta dos cemitérios:
Lembra que és pó e que ao pó tu voltarás.
ou no verso das folhinhas:
Conhece-te a ti mesmo.
ou na boca do povinho:
Coisa que não acaba no mundo é gente besta
e pau seco.
Etc
Etc
Etc
Maior que o infinito é a encomenda.


XIV
Poesia é voar fora da asa.



In “O Livro das Ignorâncas” - 6ª ed. - Rio de Janeiro, Editora Record, 1998
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20 outubro 2007

Chegando em Maldonado



O mote do 2º Encuentro de Escrituras de Maldonado foi "Cruzando los Puentes". Não poderia ser mais adequado. Autores e editores da Argentina, Uruguai e Brasil trocaram experiências, leram seus textos, apresentaram seus livros e revistas.
Maldonado é um município colado a Punta del Este, um balneário conhecido pelos turistas de todo o mundo. Dizem que Punta del Este foi um "paradero" indígena (como eles acentuam) e depois um povo de pescadores. Hoje já não é assim. É um lindo balneário de luxo, com cassinos, praias bravas e praias mansas, um porto mui rico de cara para o Rio de la Plata.
Quando cheguei ao aeroporto, que fica mais para Montevideo do que para Maldonado, me surpreendi pois tive que sair por dentro de um free shop com o ar saturado de perfume que me deixou tonto e querendo sair correndo dali. Não foi uma boa primeira impressão. Você é forçado a passar por aquilo. Não tem como fugir.
Mas essa impressão passou rapidamente, pois fui muito bem recebido e instalado. O tempo estava nublado naqueles dias e, dizem, quando chove por lá a temperatura despenca. Comprovei na pele, pois quase não havia levado roupas para o frio.
O caminho do aeroporto até o hotel foi maravilhoso. Campos nublados que me lembravam paisagens de um filme de Tarkovski. Um país agrário, basicamente. Mas não só, claro. Quando chegamos à orla não pude desviar os olhos dos imensos casarões com arquiteturas diferenciadas: mediterrâneas, européias, um quê de década de quarenta.
Bem... foi a primeira vez que saí de meu país. E graças a literatura e ao Cronópios. E foi a primeira vez, também, que vi uma baleia. E isso não é pouco... pelo menos não para mim.




19 outubro 2007

Recuerdos de Maldonado


da direita para esquerda: Aldyr Garcia Schlee, Laís Chaffe, Ana Maria Gonçalves e Edson Cruz (o time brasileiro)

Comecemos por esta. As fotos tiradas no Uruguai, no 2º Encuentro de Escrituras de Maldonado, já estão em minhas mãos.
Vou recompor a memória e começar a mostrar o encontro.
Foram dias maravilhosos. Muito vinho e carne no La Balanza.
Claro, muita literatura, também... veremos...
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18 outubro 2007

Caída

anuros
de etimología oscura

zambullidas
en estanques inmundos

sapos croando allí
todo se rebela contra mí

injurias
en el alma


[Tradução de Luis Benítez]

16 outubro 2007

14 outubro 2007

regalo

o seio da face
é a maça do rosto

o que é do gosto
regala a vida

mais vale a lida
que o fácil gozo

em todo ovo
labuta o novo

12 outubro 2007

Hechizo

algo así tan
innatural
que llega a ser
otra naturaleza

algo así sin nada
más ficticio
por demás tal
cosa hecha

que de tanto artificio
se convierte en arte
se convierte en libro
se convierte en oficio

11 outubro 2007

Arquitetura de algodão

Um acontecimento
se desloca
o pensamento
é o trabalho de uma jornada
corredores longos
que terminam
nos paradigmas dos cantos
o azul finge o céu
o quadro faz fluir
o imaginável.

***

O inverno se acomoda
na palma da mão
a escrita descansa
no muro
à espera
de um código.
Invisível estilo
que esconde
a insatisfação
na distância
entre o frio
e o calor dos cabelos.

***

A retórica varre
a retina
obstáculos
doses de filosofia
uma sutil
experiência da loucura
a sombra roubada
não esconde
as galerias
invade
suas vitrines.



[Poemas do livro Arquitetura de Algodão de Almandrade]

Almandrade é artista plástico, poeta e arquiteto de Salvador. Email: almandrade@ibestvip.com.br

10 outubro 2007

Flor-de-lótus



se no hoje contemplamos o ontem
o que dizer do amanhã que nos almeja?

se no tanque afogamos a rã
o que fazer da morte que nos beija?

se no vôo a libélula se espanta
o que escrever com o sangue que goteja?

09 outubro 2007

Templo

lá em casa
o menino Jesus

com os meninos
tinha caso

com as meninas
engatinhava

o menino Jesus
lá em casa

08 outubro 2007

05 outubro 2007

Corazón

para Aldyr Garcia Schlee


aquí
en este lugar donde
el aire enrarecido arde
rehago mi inventario
de sombras

aquí
en este lugar como
la hecatombe en mi pecho actúa
dibujo garabatos
en matices

aquí
en este lugar cuando
el patio de mi casa yace
se encuentra la matriz
del universo

aquí
en el corazón de este lugar
con ojos húmedos a encararme
aquel chico que un día
fui


[Traduzido por Adriana de Almeida]


29 setembro 2007

Tartaruga de um só olho



para se traçar um simples gesto
não basta armar-se de vontade
a luz mente e na direita pode estar o sestro

é preciso saber esquecer a própria idade
pois nas profundezas de um mar escuro
até o sândalo não conduz à claridade

pode-se viver por muito tempo obscuro
a tatear diante de si o tal anseio
feito criança na noite inseguro

a almejar o tão amado enleio
sem nenhum ontem em círculo vazio
e um amanhã que traga algum esteio

pode-se esperar milanos o tronco arredio
e súbito vê-lo passar com enganosa visão
ou tentar alcançá-lo feito gato no cio

como um quelônio sôfrego a exaustão
e deparar-se com mais um logro desvario
o sândalo na onda indo noutra direção


[Poema inspirado em uma parábola budista de mesmo nome]

28 setembro 2007

Tatiana Oroño (Uruguay)

Areté

Se ponen del lado de Aquiles porque un rey prepotente merece ganarse adversarios. La arenga de Aquiles suena bien todavía: “aunque mi parte del botín nunca iguala a la tuya yo vuelvo a las tiendas teniéndola pequeña pero grata después de haberme cansado en el combate”. Le da un aire común al reclamo del semidiós que es inferior a un rey a la hora de los beneficios. Aquiles reclama su derecho al reconocimiento; el reconocimiento público del valor de cada uno es la areté. Él la defiende con el aplomo con que hoy se reclamaría, cheque en mano, un pago bancario negado. La areté es algo que se “aísla” –se comprueba que existe- en una clase de literatura, así como en la de química se aísla un elemento en el tubo de ensayo. Algo que no se olvida.
No existe otra palabra que ayude a ver qué es eso, a qué se debe eso que le venía pasando a una y que no se sabía qué era: ser defraudada por la indiferencia de los demás. Y que la indiferencia era, directamente, injusticia. Y que tres mil años atrás, era ilegal.



Los hombres

juegan en equipo. Esa práctica

de dividir al medio y tener de rival
a una mitad y a la otra de aliada

es jugada

maestra. Ordena
el mundo.
Vende

locus
amenus.
De talud
a tribuna numerada.



Hijos de las metáforas

las ideas

no se matan un fantasma

recorre Europa toda Dinamarca
es una cárcel
hay algo entre la tierra y el cielo que no había soñado
tu filosofía

no nos bañamos dos veces en el mismo río

todo lo sólido se disuelve en el aire
en el tren del

progreso
(una laguna lúgubre
de monedas de plata) el tiempo es
oro dadme

un ordenador
y os daré la globalización

navigare necesse

dadme mi caballo

Descendientes de
imágenes:
el que no tiene
nada

lo tiene todo sólo sé
que no sé nada no tenéis

para perder más que
las cadenas

la poesía
no se vende
porque no
se vende

la poesía tiene como fin la verdad práctica
la poesía es del que la necesita
la poesía debe ser hecha por todos

el paisaje es un estado de alma el pueblo / unido / jamás será vencido
quedará en la leyenda / esta guerra este volcán / los días de balachaiev / los soldados del soviet
/ los días de balachaiev / los soldados
del soviet /

Cuando despertó el elefante todavía estaba allí.



[Do livro morada móvil]




Tatiana Oroño é de São José, Uruguai. Poeta e profesora de Língua e Literatura Espanholas, com mestrado em Literatura Latinoamericana. Já publicou El alfabeto verde, 1979; Poemas, 1982; Tajos, 1990; Bajamar, 1996; Tout fut ce qui ne fut pas, ed. Bilingüe, 2004.

27 setembro 2007

Sopro



assim como não há
eu vejo

assim como não dá
ensejo

assim e só assim
desejo

[Ilustração de Magritte]

26 setembro 2007

Nanquim



palavra que não se faz ludo
em configurações sutis
na pele luminosa

que não prefigura
realidades transcendentes
espaços paralelos superpostos

palavra que não lavra
universos numerados até o fim
páginas que se desdobram infinitas

são rastros de tinta em si
restos de tinturaria de tipos
lixos disfarçados de nanquim

25 setembro 2007

Pretexto


nesta rede
me esfarinho

página em branco
meu moinho

bem no meio
redemoinho


[Desenho: Maurits Cornelis Escher]

23 setembro 2007

Esteban Moore (pequena antologia poética)


“Ciego discurso humano” 17


pudiera –quién/ de esa serpiente que se desliza
sobre la tierra seca/ reluciente en un espejismo
de sol/ evocar trazos –movimientos en el polvo
el contenido ritmo –de su vaivén/ los rasguidos
de una piel –desatándose en el aire

[PARTES MÍNIMAS E OUTROS POEMAS (2003)]


El objeto em su estado natural

“no ideas but in things”
William Carlos Williams

Los viejos rieles –bruñidos por la fricción de las ruedas
de los veloces trenes subterráneos —–brillan bajo la luz
tenue –que ilumina –el largo túnel
y en ese recto centelleo –de metal alejándose —–hacia
la próxima estación —————–plenamente iluminada
está el poema

20-02-01 (11.55)

a j.j.r.

[PAISAJES (2003)]



Postal urbana

“numbered caves in enourmous jails”
W.H. Auden

ese que al oriente de un apagado sol –camina
seguro en la multitud / los ojos sin punto fijo
sabe que al final de su trayecto lo espera
una habitación vacía
los rayos titilantes de um viejo televisor / glaceando
de brillos
la oscuridad
parpadeo de luz que nunca podrá rememorar
la combustión de los aceites
la fulgurante flama de las lámparas
que alumbraron
en la larga noche de los inviernos romanos
la labor de Livio Andrónico
quién pregunta si uma vez ahí en la protección
de este dominio ajeno / sus lamentos serán
los gemidos de uma voz plegada
que recuerda una por una
las pérdidas del alma alzada em amores
el suave abrigo de las bocas
el perfume de francia en los cuerpos
el dulce extravio de los cuerpos
en las plumas de pájaros remotos
quién pregunta –se golpeará a puños el pecho / com
manos de piedra/ los sitios del corazón vencido
quién


[INSTANTÁNEAS DE FIN DE SIGLO (1999)]



Confira uma entrevista feita com o poeta Esteban Moore