Pra encantar mulher
muzamba
eis aqui outra ciranda.
Samba
é nome angolês
mas quem é bamba
canta
até em tirolês.
Imagem: Ciranda dos
Meninos, MATIZES DUMONT (bordados contemporâneos).
Pra encantar mulher
muzamba
eis aqui outra ciranda.
Samba
é nome angolês
mas quem é bamba
canta
até em tirolês.
Imagem: Ciranda dos
Meninos, MATIZES DUMONT (bordados contemporâneos).
para Márcio-André
Enquanto o sol irradia
e a manhã nos impulsiona
sôfregos à procura
da paz
da plenitude da vida
da realização efetiva
de uma recepção ideal.
Um poeta revisita
corajoso
o lugar mais pacífico
do mundo
- sim, Freud, um poeta
sempre chega antes.
Com sua poesia,
em voz alta,
contamina o silêncio
petrificado – quase
absoluto - do local
radioativo.
Lá, a paz se fez
plena.
Lá, tudo conspira
a uma digna exaltação
da vida.
O poeta constata
com inapta resignação
que o coração humano
é realmente mais complexo
do que a fissão
de um átomo.
[Foto da abandonada Pripyat,
cidade fantasma do norte da Ucrânia. Ela ficava bem próxima à central nuclear
de Chernobil, onde ocorreu o maior acidente nuclear da história]
O rio
continua fluindo.
O pássaro-preto
bicando a porta.
O relógio
tiquetaqueando.
E as
perguntas, ainda sem respostas.
é preciso ser verdadeiro
para entrar em contato
com a verdade.
não nos é permitido
tomar o céu
de assalto.
tudo o
que ainda
não tem
cerca
nem
muros
o que
nos cerca
até um
monturo
tem vida
mesmo
que
moribunda.
muito
dos mundos
por nós
criados
já foram
há muito
devorados.
resta-nos
a tarefa
imensurável
não de explicá-los,
mas de reconfigurá-los.
Amar é como ouvir
música.
Intuir a frequência
de ondas
fundamentais.
Existenciar
o que ainda não é
no ser
amado.
Um gesto move o universo
inteiro.
Elimina o tempo. Reinventa
o espaço.
Hong Yan e seu nome
perderam-se nas dobras
da história.
Mas seu gesto continua
em minha gesta.
Seu mestre morto
na batalha
não podia ser profanado.
Hong Yan rasga
o próprio ventre
e nele assenta o fígado
do mestre.
A desonra assim foi evitada.
A morada do espírito manteve-se
intacta.
As gestas se desdobram.
No séc. 13, o buda Nichiren Daishonin louva seu
discípulo Shijo Kingo dizendo: “O senhor acompanhou Nichiren, jurando dar sua
vida como um devoto do Sutra do Lótus. Essa sua atitude é cem, mil, dez mil
vezes superior a de Hong Yan, que abriu o próprio ventre para inserir o fígado
de seu senhor falecido, o duque de Yi [a fim de salvá-lo da desonra e
humilhação]”.
Ouvir o repuxo das baleias.
Enfileirar todas as conchas
retiradas das areias que pisei.
Nomear cada uma
com os medos que superei.
Jogá-las de volta ao mar
como contas de um rosário.
O mar - lugar de onde nunca
deveriam ter saído.
Expelir a água salgada
pelos poros.
Rabiscar na areia um novo
escapulário: sou feliz
e não me arrependo de nada.
O seio da face
é a maça do rosto.
O que é do gosto
regala a vida.
Mais vale a lida
que o fácil gozo.
Em todo ovo
labuta o novo.
Aqui jaz meu poema
fazendo-se de morto
na página que há pouco
já foi alva
feito um teorema
que não se pode refutar.
Até que você o leia
insufle a vida
que lhe falta
e o transforme
em delicado mecanismo
que venha habilmente atingir
o desejado alvo.
Touché?
Meu filho de onze anos
adora manipular ampulhetas.
Observa atentamente o relógio
de areia
como quem assiste à dissolução
de um império.
Ele é o senhor do tempo
e nem imagina o quanto
me faz barganhar
com Tânatos.
O olhar de Jimmu
delineia
um panorama.
Libélulas ligadas
pela cauda.
Ah, Akitsushima, Akitsushima...
Os jardins do Imperador
são meus
sonhos anotados em uma lauda.
Acima de tudo
- impassível –
o Monte Fuji.
Jimmu foi o primeiro Imperador do Japão. A casa imperial do Japão baseia-se nos descendentes diretos de Jimmu.
Akitsushima é um dos nomes antigos
do Japão e significa “Ilha das libélulas”.
Seus olhos
– na fluídica noite
da ausência –
me assombram.
Peixes centelham
em ardentia
de cardumes.
Células flageladas
– calcinadas –
com o desprezo.
[Foto by Felipe Cretella]
A função da arte
é resgatar com o siso
de suas formas
as pistas
de um anjo.
A legião de daimones
dentro de mim
abre um sorriso
de arcanjos
decaídos.
Preenchendo com o ser
o vazio do eu.
Com palavras,
o vazio da página.
Com o silêncio,
o falatório do mundo.
[Imagem: Lao Tsé Riding an Ox, de Chen
Hongshou]