15 janeiro 2008

Paz e Marcelino Freire

Um escritor pode falar da paz de forma enviesada como o fez Marcelino Freire no texto abaixo publicado na Revista da Folha, neste domingo passado. A ironia também é uma grande arma na luta pela paz. Veja que as palavras que usei quase que se anulam: paz, arma, luta. Num país semiletrado como o nosso, o analfabetismo funcional impera. Quase que não se distingue o que é conotação de denotação. Personagem, de autor. Isso não é culpa dos escritores. Marcelino é o cara mais "da paz" que eu conheço.


da paz paulista

Eu não sou da paz. Paz é coisa de rico. Uma desgraça. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. Prefeito e senador. Vou não. A paz fica bonita na televisão. Falsa. É uma senhora que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito pálida. Branca. A paz precisa de sangue. Cansei de passeata. Quem vai ressuscitar o meu filho? Hein? A minha vontade é sair atirando. Matando todo mundo. Eu matava, pode ter certeza. Mas a paz é que é culpada, sabe? A paz é que não deixa.
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Marcelino Freire, 40, escreveu, entre outros, "Contos Negreiros" (Record), livro vencedor do Jabuti 2006. Idealizou e organizou a antologia "Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século" (Ateliê).

2 comentários:

  1. Edson, olá. Parabéns pelo novo blog. Está muito elegante e robusto em termos de conteúdo. Mas vamos efetivamente ao que interessa. Marcelino (felizmente para ele), não sabe o que está dizendo. Pode até ter tido boa intenção (acredito que teve). Mas, não sabe o que diz. Ele cita o movimento "Gabriela Sou da Paz", mas, certamente, não sabe da dor de Cleyde Prado Maia e Carlos Santiago (pais da jovem Gabriela, morta no metrô da Tijuca, em 2004). Ao contrário do que ele pensa, são moradores aqui da Tijuca (moradores de classe média). Por uma coincidência do destino, meu filho, tal e qual Gabriela, viajava no metrô, pela primeira vez sozinho, naquele dia. Pegaria uma estação antes (Afonso Pena). Teve que esperar, porque não sabia, poucos minutos antes, Gabriela, que tinha amesma idade dele, era covardemente assassinada na estação seguinte, Sao Francisco Xavier. Nome de santo. Mas, nem rezando estamos livres desse tipo de desgraça. Foi com Gabriela. Poderia ter sido com meu filho, o Felipe. Poderia ter sido com qualquer um de nós. Marcelino, pode ter tido boa intenção, mas infelizmente, não sabe o que está dizendo. A grandiosidade dos pais de Gabriela, mesmo na tristeza de perder um filho, ainda falam de paz, é incompreensivel para qualquer um de nós. A grandiosidade deles não caberá em 1000 páginas de qualquer romance escrito. A dor de uma pai e de uma mãe (saberá quem teve seu filho tirado desta forma brutal) não cabe em qualquer literatura. Forte abraço!

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