28 setembro 2009

Amador Ribeiro Neto à queima-roupa



1) O que é poesia para você?

Embora seja professor de teoria da poesia e poeta, eu não sei o que é poesia.
Por isto me valho de 2 grandes pensadores:
poesia é palavra na sua mais condensada dimensão (Pound) e
é som, sentido e imagem numa interação semiótica (Jakobson).

2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?

Clareza de pensamentos e consciência de linguagem. Neca de pitibiribas de inspiração. Muito tutano, no duro.

3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?

Poetas: Augusto de Campos, João Cabral de Melo Neto e Caetano Veloso.
Escolhi estes 3 poetas porque o que fazem/fizeram me provocam, me instigam e me incomodam sempre.

Amador Ribeiro Neto é autor, em parceria com Roberto Coura, de "imagens & poemas" (ed. UFPB, joão pessoa, 2008). É organizador e co-autor de "muitos – textos sobre caetano veloso" (ed. orobó, montes claros-mg, no prelo). É autor de “Poemail”, livro de poemas, inédito. Também organizou e é co-autor de "literatura na universidade" (ed. UFPB, joão pessoa). É co-autor de "chico buarque do brasil", organizado por rinaldo de fernandes, rio, garamond; de "quartas histórias", organizado por rinaldo de fernandes, rio, garamond e de "capitu mandou flores", organizado por rinaldo de fernandes, s. paulo: geração editorial, 2008. E-mail: amador.ribeiro@uol.com.br

25 setembro 2009

Poeta Radioativo



Se você ainda não conhece o Márcio-André, corra! O cara tá mandando bem e contaminando tudo que passa pelo seu caminho. Eu já fui contaminado e cooptado: faço parte do conselho da bela revista da Confraria do Vento e logo, logo, sai, pela editora da Confraria, o livro que organizei com poetas contemporâneos respondendo àquelas três questões ingênuas mas nem tanto: o que é poesia? etc.

Confira: www.marcioandre.com e www.confrariadovento.com/

11 setembro 2009

A GRAVIDADE SEM PESO [apontamentos - I]




O ficcionista italiano Italo Calvino deu o mote ao que deverá ser a busca de qualquer projeto literário contemporâneo consistente: a leveza. Calvino coloca a literatura como uma função existencial e a busca da leveza como uma reação ao peso de viver. A leveza como um valor a ser buscado na carpintaria da literatura, na poiésis diária que subtrai com afinco o peso do que é pesado, seja de figuras humanas, corpos celestes, cidades, estruturas da narrativa, ou da própria linguagem.

A leveza poderá emergir quando o autor, associado à precisão e à determinação (nunca ao vago ou aleatório), despojar a linguagem de seu excesso de indumentária e tecer uma escritura sem suspensórios — como diz o poeta Manoel de Barros. Ela poderá ser encontrada nas narrações e descrições que comportem um alto grau de abstração ou pela criação de imagens figurativas da leveza que possam assumir um valor emblemático e gerar possíveis epifanias.

A força do autor contemporâneo reside na recusa da visão direta, assim como a força de Perseu — para decepar a cabeça da Medusa sem se deixar petrificar — sustentou-se sobre o que há de mais leve, as nuvens e o vento e, sobretudo, ao dirigir seu olhar para aquilo que só pode se revelar por uma visão indireta, uma imagem capturada no espelho de seu escudo.

Uma bela alegoria da relação do poeta com o mundo, revelou-nos Calvino, e uma lição definitiva do processo de continuar escrevendo, apesar de tudo e de todos.

No século passado, século de duas guerras mundiais, duas bombas atômicas, de Auschwitz-Birkenau, de tantas guerras civis e devastações, se tornou categórica a “missão” do escritor em refletir, questionar e problematizar a vida e o seu mundo. Muitos se transformaram em estátuas no processo e não puderam escapar ao olhar inexorável da Medusa, deixando que o pesadume, a inércia e a opacidade do mundo aderissem à sua escrita, sem encontrar meios de driblá-los.

Na primeira de suas seis propostas para o próximo milênio, Calvino diz:

“Cada vez que o reino do humano me parece condenado ao peso, digo para mim mesmo que à maneira de Perseu eu devia voar para outro espaço. Não se trata absolutamente de fuga para o sonho ou o irracional. Quero dizer que preciso mudar de ponto de observação, que preciso considerar o mundo sob uma outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle. As imagens de leveza que busco não devem, em contato com a realidade presente e futura, dissolver-se como sonhos...”

Deixa bem claro, Calvino, que esta busca não é uma fuga da realidade do mundo, nem o abraçar inconsciente do sonho e do devaneio. A busca da leveza está associada à agilidade e à capacidade de revelar o imprevisível, de sobrelevar o peso do mundo, demonstrando que sua gravidade detém a chave da leveza.

Calvino lembra uma citação do poeta Paul Valéry que diz: “É preciso ser leve como o pássaro, e não como a pluma”.

Uma pluma é tão leve que é levada por qualquer sopro, enquanto o pássaro depende da gravidade do mundo para pairar sobre ele e dirigir o seu bico para o horizonte que lhe aprouver.

Buscar o antigo instante mais leve que o próprio pássaro, como no poema de Cecília Meireles:

Leveza
Cecília Meireles

Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.

E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.

E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.

E o desejo rápido
desse mais antigo instante,
mais leve.

E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.


O escritor contemporâneo, na construção de seu projeto literário, deve ter um plano de vôo (um projeto) com uma estrutura leve como a ossada de um passarinho, cujo objetivo maior seja o de fazer com que o leitor e o texto decolem juntos e, por que não, o próprio autor.

Algumas dicas práticas, referentes ao trabalho com o texto, são sempre bem-vindas. Façamos bom proveito delas:

1) O toque de leveza transforma as frases explícitas do texto em sutilezas que surpreendem e cativam o leitor impelindo-o a continuar na viagem.

2) Aparar as pontas das palavras gastas pelo uso, das frases vazias, das observações desnecessárias e das descrições muito longas.

3) Saber a hora de evitar um adjetivo desnecessário.

4) Saber eliminar um advérbio cujo sentido já está implícito no verbo da frase. Evitar as explicações. O leitor deverá compreender, por si mesmo, a trajetória do texto em voo.

5) Mantê-lo (o leitor) ligado no texto, evitando repetições e remissões.

6) O excesso de gordura e peso de um texto advém de nosso medo pessoal (a escritura não é lugar de uma terapia pessoal), de nossa ansiedade, da pressa (o afã de ser reconhecido, de publicar, de marcar presença) ou da pressão externa (aceitar prazos que não sejam os de sua própria criação).

7) Esvaziar a linguiça (enchê-la qualquer um faz, esvaziá-la com estilo é o desafio). Frases extras diminuem o ritmo e tornam o texto enfadonho.

8) Aprender a reescrever o texto quantas vezes forem necessárias (não esquecer a prática ensinada por João Cabral ou por João Gilberto) para deixá-lo respirar aliviado e airoso. Sim, leveza não é só cortar, mas, também, reescrever, redistribuir palavras, frases, ideias, enfim, reorganizar.

9) Ouvir a melodia do texto e buscar a harmonia necessária. Onde está a tônica, a terça e a quinta de seu texto? A terça é menor ou maior? O acorde precisa de uma sétima menor, uma nona? Você quer realçar o trítono?

10) O ritmo do texto entra em consonância e no compasso da tônica, seja ela uma imagem, uma ideia, uma palavra. Ao ler em voz alta os sons do tecido textual poderão nos alertar para cacofonias e inadequações em vários níveis.

11) Literatura busca ambiguidade, mas não a confusão. De confusão o mundo está cheio. O escritor, assim como o músico, surge para colocar ordem no caos, mesmo que seja uma ordem não reconhecida em um primeiro momento, uma ordem caótica.

12) Ter consciência de que técnica e background (um autor sem vivências, sem leitura, sem o sofrimento, sem a alegria, sem o desespero, pode ser facilmente substituído por uma máquina de produzir textos sem ossatura) são duas coisas totalmente diferentes e igualmente importantes para um escritor.

13) Nunca deixar de buscar um estilo próprio e pessoal de escrita. Parece redundância, mas é a coisa mais difícil de se alcançar. Estar só sem desprezar o mundo e os seres é um exercício digno de um Buda.

Os ossos da escrita são colosso.

08 setembro 2009

LOS 500 AÑOS

a
ARNULFO ROMERO
HELDER CAMARA
LEONARDO BOFF.


Fragmento de la carta que un grupo de indígenas andinos entregó a Juan Pablo II cuando visitó el Perú en 1985.

“Nosotros, indios de los Andes y de América, decidimos aprovechar la visita de Juan Pablo II para devolverle su Biblia, porque en cinco siglos ella no nos dio ni amor, ni paz, ni justicia. Por favor, tome de nuevo su Biblia y devuélvala a nuestros opresores, porque ellos necesitan sus preceptos morales más que nosotros. Porque, desde la llegada de Cristóbal Colón, se impuso a América, por la fuerza, una cultura, una lengua, una religión y valores propios de Europa...”

Allí quedaron, esperando respuesta:
Máximo Flores, del Movimiento Indio
De Kollasuyo (aimara) y Ramiro Reynaga
Del Movimiento Indio Tupac Katari (quechua),
Y Emmo Valeriano, del Partido Indio (aimara),
Quienes fueron los chasques ante Wojtyla.
Imagino que allí quedaron, como Martín
Fierro esperando la paga (que nunca llegó).

En antesalas silenciosas y ante discretos
Secretarios locales o importados con sonrisas
(y una furia absoluta) que defendieron la paciencia.
Ramiro Reynaga, en conferencia de prensa
Explicó la misiva:
“La Biblia llegó a nosotros como parte
del proyecto colonial impuesto.
Ella fue el arma ideológica de este asalto
Colonialista. La espada española,
Que de día atacaba y asesinaba el cuerpo
De los indios, de noche se convertía en cruz
Que atacaba el alma india.”
Eso dijo.
Otra cosa escribió Stefan Sweig
Apasionado memorialista del Nuevo Mundo
(que en Brasil decidiera apagar su luz)
cuando apuntó: “En el principio fueron
las especias...”
Tomas Diego Bernard (h) escritor
Y cronista argentino, por 1969, escribió
Una razón diferente, cuando, parafraseando
Al evangelista dictaminó: ”En el principio
Fue el indio...”
Las intenciones comerciales del oro
Y de la plata, de las maderas o la especiería,
Se vieron reforzadas con la mano de obra
Barata (llámese: el indio), que luego continuara
(fue error tuyo,Fray Bartolomé de Las Casas)
con el inmundo barco del negrero.
El primer texto escrito en América Latina
De Fray Ramón Pané (en 1498)
Satanizaba las religiones indias.
Por más que Fray Francisco de Vitoria
Afirmase que “los indios son los verdaderos
Dueños de sus tierras y haciendas; como eran
Legítimos sus príncipes, pues, por naturaleza
Nadie es siervo o esclavo...”
Nosotros, al parafrasear escritores,
Indios, sacerdotes, cronistas, lo hacemos
Con un notorio sentimiento de culpa.
Nosotros eliminamos de estas tierras
A los indios. Dígalo Don Frutos,
Dígalo su sobrino Bernab: díganlo
Los estancieros y comerciantes
Que exigieron la persecución y muerte
De todos los charrúas.
Allí quedaron,
Junto a los montes del Salsipuedes,
O exhibidos como fenómenos
En los circos de variedades de París.
En 1958 la Organización Internacional
Del Trabajo, informó: “En la región andina
De América del Sur, existen 7 millones
De indígenas aimarás y quechuas, cuyo nivel
De vida es mera subsistencia: seres
Humanos que han permanecido relegados
Durante siglos, aislados del resto
De sus compatriotas y ajenos a las
Estructuras sociales y económicas nacionales.”
En 1992, la cosa no ha cambiado mayormente.
(En Brasil rozan bosques y ultiman
a los indios). La iglesia sigue visitando “La Casa
Grande” e ignorando la senzala...
“En el principio era el indio..”
No menciones al Paraíso. Y no me vengas
Con el “bon sauvage” de Jean Jacques
Ni aquello de: ”Bienaventurados...”
El pan y el vino en cada mesa,
O haremos un paro general del Espíritu.

Washington Benavides.
16/4/91-6/10/92. Montevideo. Uruguay.

06 setembro 2009

A nova vogal no espaço


[Carlos Emílio C. Lima por Charles Bicalho]


Escrever diário sobre os modos
de autoconstrução dos rabiscos,
transformar pedra em mente útil
ao reacender grito solar de pássaros
em busca por fogueiras,
descrevendo formas de aldeias,
remotas, no ar.
Cada pássaro de forças
aqui tracejado,
garoto cósmico emblemático de clareiras
em um diário de procedimentos gráficos,
inícios riscados com força,
meio desesperados,
à procura do ideograma em transe
da letra copiosa,
rio de peregrinação até à forma
que o pronunciado ovo-som deseja,
novo, nasal silêncio de habitação sonora,
vento da vocalização escrito,
inscrições rupestres em desenho tridimensional
de pré-letra sobre musgosa superficie
de pedra refrescada por um rio
quando um raio em segredo
come no futuro velhas alpercatas de plástico
com fome de meandros de milênios...
Continua a soprar
força de correnteza aérea
sem intervalos
do rio de poder
da letra futura.
Tipologia inovada de rios arcaicos
cria etapas de dobras infinitas
em flutuante branca camisa de algodão
pendurada no varal da propiciatória varanda
durante a procura da exata forma fluvial
da letra a acrescentar a todos os alfabetos,
vento, vento, vento, prosperação.
Na padaria quente, de manhã,
o sol esconde-se dos arados.
Dissolvido em líqüidos e pães
viceja o leopardo da revolta.
Enquanto degusta o espaço-ambiente
o elixir da nova forma,
o leopardo é o trânsito.
Carros urbanos não levam a lugar algum,
sopram vozes-avós do futuro.
Comidas, tortas de moscas, cremes silenciosos de estampido,
cifras inodoras, gestos, gananciosos ruídos.
Oca cerimonial dos universos-flautas,
diziam as espumas do mar.
Inversas palavras ouvidas na padaria torta:
mortas, desafiadas, sempre
desfiadas pelo azul crescente
do mar próximo,
de vozes esvoaçadas,
vindo do por vir,
atacadas pelo Azul comedor,
“azul” com fome de ar,
inoculando sua força contrária.
Anti-matemática.
A criança bebendo um líquido
de localização de antiouro das caixas registradoras
não pronuncia língua interminável
recebida das nuvens do cocar da montanha.
Arara, amarela arara, dedicada à decifração
da teia delicada dos rios do invisível
não pousara no topo da cumeeira
arcomida de madeira da abafada padaria, ainda?
Tribo que ela é a não ser adivinhada
por nuas mastigações centrífugas do nada...
Escre-vendo na mesa sedenta
setenta rabiscos,
indeterminações gráficas fluentes
da futura letra-forma trazida do Orenoco,
cunhada agora sobre chumbo fervente
na oficina tipográfica do porão do casarão
no centro da cidade atlântica,
solidificada em seu tablete lunar,
repetidamente desenhador,
bebendo refrigerantes antiequinociais,
que certo tom de ouro inventa-se
antes do meio-dia.
Um estilo tipológico preciso
a se forjar
que
invade o ar.
Mais buscas-rabiscos
extraídas do contínuo
ecoar permanente da faminta vogal,
Afluentes próximos dos condutos da bilabiação
da vogal atratora de entre-entes,
primícias, arquétipos, rebentam.
O som sem serifas
no belvedere circular
octogonal
do telhado da tipografia
soara
desde os lábios natatórios de peixe
do índio, desatando antes de beijar-me
de repente, atenuando
a compleição do azul vespertino,
côncavo, sobre a cidade,
retendo-a, em seu arco, para sempre,
seu centro ancorado na lagoa
parada do tempo. A cidade
assaltada por torvelinho de pronunciação,
sopro infinito antes do inesperado
beijo selvagem, masculino,
telhas mexidas tipograficamente
em telhados de casas baixas a uma só voz,
na onda de calor da energia
de nova vogal tingindo o céu com estrias
de tigre mais profundo.
Desenhando o achar
com os modos em torno
à fôrma de letra de amor
do beijo circular.
Os três naturais emissários da desconhecida língua
que parece desejar tudo,
(pelas indicações atmosféricas
se organizar em gramática, ventania,
dar-se a descobrir em sintaxe floreal),
dançavam o silêncio recém-habitado
no pátio do terraço sobre o piso quase vivo
da materna cerâmica colorida,
pulsando formas geométricas mântricas,
(antigás),
intensionada mesmo a fecundação ritual do som
acrescentando-se aos outros sonemas
colecionados no mundo,
vogal evolucionária,
vento pós-significado,
inserindo sua lentidão alerta
do espaço nos acontecimentos,
próprio sopro unificado dos lábios do índio
antes de beijar-me um beijo de língua,
beijo-selo de poder, pré-furacão,
letra desejante ardente de floresta:
coisas, seres,fatos modificados
pela súbita vogal que, nova, retinge o céu
e , com a força de seu amarelo-arara,
dele se apodera
ENTÃO
Escrever, escrever bem, sempre,
sempre ir além,
desvestindo-se das vozes antigas
que não pronunciavam o gê.
Se elas, estas vozes-ventos,
se elas vêm do mar,
à procura de suas delicadas inumeráveis nozes,
anteriormente perdidas,
você talvez acaso encontre os sentidos,
as casas do som,
a grande base-tom,
e as pautas de rota,
estes invólucros móveis do Leste,
para seu canto-nutriz voador
nestas agora outras mesmas escritas palavras
abertas mágicas no ar
diretas à mente.
Inovadas - vindas da distância -
pelo sopro da pedra
que escondia o centro de todos os dias no céu.


Carlos Emílio C. Lima é autor de nove livros de prosa de ficção e de um longo ensaio literário e, também, de três livros de poesia ainda inéditos, constando esse poema-conto do livro intitulado Culinária Venusiana. Mestre em Litertura Brasileira pela UFC, editor de diversas publicações culturais, entre elas Arraia Pajéurbe, O Saco Cultural, Cadernos RioArte e o jornal Letras&Artes. Fundador do CEP 20 000, Centro de Experimentação Poética do Rio de Janeiro, das Rodas de Poesia e das ZPLs, Zonas Poéticas Liberadas. E-mail: carlosemiliobarretocorrealima@yahoo.com.br

03 setembro 2009

Tender Surrender



Olha, vou ser pai novamente. Logo, logo, chega o Tom Mitsuo. Sim, meio Tom Zé, meio Tom Jobim, meio Antonio Candido, ginga brasileira com disciplina japonesa, farofa sofisticada pra comer com palitinhos. O sobrenome foi um presente do mestre Daisaku Ikeda. Uma diretriz para a vida do pimpolho, e para a nossa. A Sophia, lembram?, já ganhara a sua: Miki (aquela que lidera de forma esplêndida). Agora, o Tom, ganhou a sua diretriz. Dois caracteres: o de cima significa homem; o de baixo, brilhante. Homem brilhante. Uau!

O curioso é que, preparando as rodas de leitura do SESC Campinas, li o Haroldo de Campos fazendo sua homenagem à síntese do haicai e de toda a escrita japonesa (digo, o kanji). Abramos uma valiosa aspas:

“...Realmente, se tivermos presentes as observações de Fenollosa sobre a estrutura do ideograma (kanji, para o japonês), ou seja, que ‘neste processo de compor, duas coisas conjugadas não produzem uma terceira, mas sugerem alguma relação fundamental entre ambas’, compreenderemos que um ideograma isolado pode ser, em si próprio, pela alta voltagem obtida com a justaposição direta dos elementos, um verdadeiro poema completo:
em chinês ming ou mei = sol + lua, ou como interpreta Pound, ‘processo de luz total’ (em japonês, na forma adjetiva, akarui = brilhante); e, mais ainda, perceberemos que o haicai não é outra senão a manifestação de análoga ‘forma mentis’, desenvolvida em combinações mais elaboradas, se bem que sujeitas sempre, à mais extrema economia de meios.”

Auspicioso. Tom será nosso haicai: meu e de minha querida esposa Eliane. A Sophia Miki pula de felicidade ao saber que seu irmãozinho está chegando. Desde a barriga, Sophia já escutava e gostava da canção que o Luiz Tatit fez para ela - que por sinal se chama "Haicai".

Fico pensando nisso tudo e escutando o blues acima [apesar do lado poser do Steve]: uma doce melancolia rola, uma leve alegria, alguma fúria e doçura... entrego-me a essa docura concentrada. Gotas de um mar morto deslizam nos seios de minha face. Play again, Steve.

02 setembro 2009

Zen e a Crise da Cultura Ocidental



[Texto inédito de Leonardo Boff, Teólogo]


Venho insistindo há tempos que por detrás da crise atual econômico financeira vige uma crise de paradigma civilizatório. De qual civilização? Obviamente se trata da civilização ocidental que já a partir do século XVI foi mundializada pelo projeto de colonização dos novos mundos.

Este tipo de civilização se estrutura na vontade de poder-dominação do sujeito pessoal e coletivo sobre os outros, os povos e a natureza. Sua arma maior é uma forma de racionalidade, a instrumental analítica, que compartimenta a realidade para melhor conhecê-la e assim mais facilmente submetê-la. Depois de quinhentos anos de exercício desta racionalidade, com os inegáveis benefícios trazidos e que encontrou na economia política capitalista sua realização mais cabal, estamos constatando o alto preço que nos cobrou: o aquecimento global induzido, em grande parte, pelo industrialismo ilimitado e a ameaça de uma catástrofe previsível ecológica e humanitária.

Estimo que todos os esforços que se fizerem dentro deste paradigma para melhorar a situação serão insuficientes. Serão sempre mais do mesmo. Temos que mudar para não perecer. É o momento de inspirar-nos em outras civilizações que ensaiaram um modo mais benevolente de habitar o planeta. O que foi bom ontem pode valer ainda hoje.

Tomo como uma das referências possíveis o zen-budismo. Primeiro, porque ele influenciou todo o Oriente. Nascido na Índia, passou à China e chegou ao Japão. Depois, porque penetrou vastamente em estratos importantes do Ocidente e de todo o mundo. O Zen não é uma religião. É uma sabedoria, uma maneira de se relacionar com todas as coisas de tal forma que se busca sempre a justa medida, a superação dos dualismos e a sintonia com o Todo.

A primeira coisa que o zen-budismo faz, é destronar o ser humano de sua pretensa centralidade, especialmente do eu, cerne básico do individualismo ocidental. Ele nunca está separado da natureza, é parte do Todo. Em seguida, procura uma razão mais alta que está para além da razão convencional. Recusa-se a tratar a realidade com conceitos e fórmulas. Concentra-se com a maior atenção possível na experiência direta da realidade assim como a encontra.

“Que é o zen?”, perguntou um discípulo ao mestre. E este respondeu: “as coisas cotidianas; quando tem fome, coma, quando tem sono durma”. “Mas não fazem isso todos os seres humanos normais?” - atalhou o discípulo. “Sim”- respondeu o mestre - “os seres humanos normais quando comem pensam em outra coisa, quando dormem, não pregam o olho porque estão cheios de preocupações”. Que significa esta resposta? Significa que devemos ser totalmente inteiros no ato de comer e totalmente entregues ao ato de dormir. Como já dizia a mística cristã Santa Tereza: “quando galinhas, galinhas, quando jejum, jejum”. Essa é a atitude zen. Ela começa por fazer com extrema atenção as coisas mais cotidianas, como respirar, andar e limpar um prato. Então não há mais dualidade: você é inteiro naquilo que faz. Por isso, obedece à lógica secreta da realidade sem a pretensão de interferir nela. Acolhê-la com o máximo de atenção nos torna integrados porque não nos distraímos com representações e palavras.

Essa atitude faltou ao Ocidente globalizado. Estamos sempre impondo nossa lógica à lógica das coisas. Queremos dominar. E chega um momento em que elas se rebelam, como estamos constatando atualmente. Se queremos que a natureza nos seja útil, então devemos obedecer a ela.

Não deixaremos de produzir e de fazer ciência, mas o faremos com a máxima consciência e em sintonia com o ritmo da natureza. Orientais, ocidentais, cristãos e budistas podem usar o zen da mesma forma que peixes grandes e pequenos podem morar no mesmo oceano. Eis uma outra forma de viver que pode enriquecer nossa cultura em crise.

Leonardo Boff é autor, entre tantos, de Espiritualidade: caminho de realização, Vozes, 2009. Site: http://www.leonardoboff.com/

01 setembro 2009

Provocações / Revelação

Quem diria? O Abujamra leu uma interpretação livre de meu poema "Revelação" [extraído do videopoema feito pelo porreta Mardônio França] em seu programa "Provocações". Dê uma conferida no áudio: http://www2.tvcultura.com.br/provocacoes/poesia.asp?poesiaid=611



Tenho uma certeza, uma epifania pessoal, quase religiosa. Tenho uma certeza, uma busca pessoal, quase religiosa. Tenho uma certeza, uma corrida pessoal, quase religiosa. Tenho uma certeza, uma estória pessoal, quase religiosa.
Tenho uma certeza, uma canção pessoal, quase religiosa.

Tenho uma certeza, apesar da convicção que me anima, Quase fanática.
Tenho uma certeza, apesar da convicção que me anima, quase errática.
Tenho uma certeza apesar da convicção que me anima, quase alegre.
Tenho uma certeza, apesar da convicção que me anima, quase dormente... dormente
... estúpida... errática.
Não estou disposto a enforcar ninguém, por não compartilhar de meu júbilo, de minha sina solitária.
Não estou disposto a jogar bombas em ninguém, por não compartilhar de meu silêncio, de minha viola solitária.
Não estou disposto a apedrejar ninguém, por não compartilhar de meu tiro, de minha lua solitária.
Não estou disposto a civilizar ninguém, por não compartilhar de meu levante, de minha fuga solitária.
Jogar bombas...
apedrejar... atirar...
exterminar...
abraçar com morteiros no culote...
embargar economicamente...
eliminar...
civilizar!


Sobre o(a) autor(a):

O texto foi extraído de video-poema de Mardônio França feito sobre texto do poeta Edson Cruz, co-editor da revista Cronópios.

Poesia apresentada no programa 52 [http://www2.tvcultura.com.br/provocacoes/sobre.htm]

Os poemas e os textos lidos em "Provocações” são, às vezes, livre adaptação do original, por Antônio Abujamra ou Gregório Bacic. O formato em que se apresentam escritos aqui é apropriado para a leitura em TV e não o seu formato original.