31 dezembro 2007

Samsara



pois tudo se transforma
mesmo o nada que não quer
ser algo vira alguma coisa
que logo vem a ser outra
do feitio que ela a vida
quando se desativa
e a chama passa a se
chamar morte naquele des
equilibrio tênue de quem
precisa e quer renascer

[Video: me (but the eye, it's from the videoclip "When you're falling" from Peter Gabriel.) Music: Phillip Glass, Koyaanisqatsi]

27 dezembro 2007

Um Blues para o Ano Novo



Quando ele toca é melhor você ficar do lado só batendo o pé ou metendo alguns acordes de base. Eu o vi tocando aqui em São Paulo, com seus ampi Fender e outro Marshal em linha. Robben Ford. Esse é o cara! Tem estrada. Já tocou com Miles Davis, ou seja, já fez seu pacto na encruzilhada da música. Toda a negrada do Blues quer tocar com ele. Veja porquê! E olha que essa é light. Para um reveillon adocicado.

22 dezembro 2007

Especiarias [conto de Natal]



Tarefa cruel esta, ter que escrever, já dizia Céline; pode matar um homem, ainda mais um velho como eu. O que seria da vida sem os desejos irrealizáveis? Vida de Papai Noel não é tão fácil quanto aparenta; muito trabalho pra descolar presentes exigentes. Antes das viagens de entrega, viagens mil de busca pelos doze cantos do cosmos, florestas de cogumelos, cidades veladas, Diomira, Zaíra, Zora, Despina, Zirma, Maurília, Fedora, Zenóbia, Eufêmia, Zobeide, Ipásia, Armila, Valdrada, Sofrônia, Eutrópia, Aglaura, Bauci, ufa!, lugares onde já estando lá não percebemos que chegamos; ops..., litoral africano à vista e pimba, estacionar carruagem sem rodas; carruagem de renas não costuma pousar em terra, pois isto coloca duplo problema, sentimental e moral; mas indo ao que importa, uns escravozinhos aqui um pouco de marfim ali, belo contraste, tudo preto no branco, trocadilho indecente e sem senso. O tempo sobrevoa, espaço curva. Pulo no porto de Malaca, entreposto da Indonésia cheirinho gostoso, quantas riquezas, será que o saco agüenta? Tenho que agüentar esses portugueses, o saco também, até o cais de Lisboa senão me pelam; eta cidade que cheira, devia se chamar especiaria; especiaria, belo nome pruma rena, mas simbora, pitadinha de pimenta cor de meu pijama e salto pra Índia bem em cima do algodão ah!, que tecido, sim sim só mais um pouquinho, tecedura de Canderi? Sim sim cabe lá no fundo, bem... nem tão no fundo, no fundo do saco está a iniludível, mas sem medo o saco é grande, então passa pra cá estas rendas de Sourat; humm tá ficando bom, musselinas de Dacar, o que? Esses portugueses sabem o que é bom: broches de Béneres, calicós de Calicut, por Salomão!, na próxima vou trazer minha listinha de palavras sem sentido. Falando em Salomão, lembro de homem que esquecendo a magia por ela foi esquecido; não me deu pelota quando contei que vi minha rena preferida pedindo perdão ao caçador frustrado. Coisa estranha, retrucou. Sim, claro, toda palavra é estranha. As frases então...?, Palavras obscuras caindo do céu, com folgas semânticas feito corpo morto. Não me vele, disse. Não, por júpiter!, ainda não. Se ao menos já fosse meia-noite, hora brasonada de dragões e diabos, com gnomos a embriagarem-se no óleo de minha lâmpada, mas ainda não, temos tempo; algum. Dizem que as formigas já comeram Roma; comerão a tudo que insiste em vicejar. Sua fome incorruptível a nos lembrar que sofremos todos de um grande mal, a desoriginalidade. Eu, em minha carruagem de rangíferes, vislumbro aqui do hemisfério boreal, o círculo vicioso da história. Sabemos que no centro desta prodigiosa cúpula cósmica está escondido um rubi de virtudes mágicas, e aqueles judiciosos, membros de famílias cujo traço mais característico é o recato, não o enxergam. Epa! Papo ficou filosófico demais, especial demais, especiaria, e preciso acabar meu relato; só mais uma pitadinha, de vã filosofia, e prometo encerrar-me. Em meu saco, praticamente tudo está presente; se lhe for destinado relógios, recuse-os; relógios são infernos enfeitados de ouro, que você levará a passear e fará, de tempos em tempos, manutenção e no final perceberá que você é que foi dado ao relógio, e ele é que lhe faz manutenções, cobranças, repreensões. Presente de grego este, eu não daria ao meu melhor inimigo. Pra encurtar a estória vamos ao ponto dileto; deixando de lado a maneira correta de chorar e de amar, atenhamo-nos aos motivos verdadeiros. Todo amor é sagradamente profano e como é quase meia-noite e preenchi a página em branco a mim destinada, iludi a iniludível, não morrerei; ainda.

19 dezembro 2007

O poeta das grandezas do ínfimo




Eu sempre quis conhecer um poeta pessoalmente. É diferente de você lê-los nos livros, ouvir as poesias na sala de aula, ver aquelas fotos em preto-e-branco nas enciclopédias e ficar imaginando como ele seria realmente em carne e osso.

Meu sonho era de ter podido dialogar, pedido dicas, de Manuel Bandeira, ou Carlos Drummond de Andrade. Esses não consegui, mas me encontrei com outros grandes poetas. Hoje vou falar de um bem especial: Manoel de Barros.

Em 1996, juntamente com os amigos Marcelino Freire e Sourak Aranha, em pleno carnaval, fomos até Campo Grande (MS) e batemos em sua porta. Claro que antes ligamos, nos hospedamos em um hotel e marcamos o melhor horário para a visita.

Foi um encantamento. Almoçamos com ele e a esposa. Todo grande homem é gentil. No caso dele, também um grande poeta, a gentileza fazia concorrência com o silêncio.

É um homem simples que fez uma opção, em sua poesia, pelas coisas jogadas fora. Aquilo que a civilização costuma desprezar serve para a poesia, disse ele apertando os olhinhos. Para você ter idéia, um de seus livros chama-se “Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo”; outro ele nomeou de “Livro sobre Nada”; e outro, ainda, “Arranjos para Assobio”. São títulos que já revelam a natureza de seu ser e de sua poesia.

Neles você pode encontrar versos deste tipo:

Meu desagero
é de ser
fascinado por trastes.

Note que a palavra “desagero” não existe. Ou melhor, não existia até ele criá-la. Ele me disse com todas as letras que, para ele, “poesia é um fenômeno de linguagem”. É preciso descascar as palavras e fazê-las ter relacionamentos incestuosos. Se não existirem é preciso inventá-las. Se já existem com muito uso, é preciso arejá-las.

Há um comportamento de eternidade nos caramujos.
...
Eles carregam com paciência o início do mundo.

Manoel é um observador das coisas miúdas da vida. Com seus poemas nos ensina a reenxergar o mundo e a valorizar as coisas mais essenciais. Ele acabou de completar 91 anos, mas continua vivendo uma infância poética que comove a (quase) todos que se aproximam de sua poesia. Nunca mais fui a Campo Grande, mas Manoel não sai de minha cabeceira.

17 dezembro 2007

Insignia


[paradisaea rubra]

habito
este mundo

ave del paraíso
sin piernas

borrador
que no posa

nunca
.
[tradução: Adriana de Almeida]

14 dezembro 2007

Penúltimo poema del fútbol



La fijeza de la supremacia degeneraba en danza de friso, de transportes perlados, la expansión desmesurada del juego...


La silueta el jugador C.

Era un apolo
Negro,
Tallado en un tronco de algarrobo
Negro.
Alto, violento sin espasmos,
Como un atleta,
Opresso en la armonía muscular
De su estampa,
Como en un gran espíritu,
Poseía el zancajo sereno
Y la orientación de la gambeta.
Certero y peligroso,
Tenía una tirada a fondo
Que desnudaba toda la pierna
Negra.
(Danza descuartizada)
Y en la danza
Y en la inspiración,
Un refilón de biela
Negra.


[Bernardo Canal Feijóo (Santiago del Estero, 1897 – Buenos Aires, 1982). Foi uma figura central da cultura argentina do século XX. Como poeta publicou os livros Penúltimo poema del fútbol (1924), Dibujos em el suelo (1927), La rueda de la siesta (1930), Sol alto (1932) e La rama ciega (1942). É autor de uma extensa e brilhante produção teatral e ensaística, que inclue títulos como Nan (1932), Pasión y muerte de Silvério Leguizamón (1937), Confines de Occidente (1954) e Tungasuka (1968).]

12 dezembro 2007

Foro de Editores de Publicaciones Independientes


[foto de Andréa del Fuego: Gustavo López, Márcio André, Julio Daio Borges, Marina Kogan e Edson Cruz]

A mesa acima aconteceu em Buenos Aires, dentro do Encuentro de Interrogación organizado pela Fundación Centro de Estudios Brasileños e pelo Itaú Cultural.
Nosso companheiro virtual, e de mesa, Julio Borges (que é muito articulado e pronunciou seu sobrenome, na portaria do Gran Hotel Buenos Aires, de um jeito que me fez inveja), do Digestivo Cultural, gravou (e cedeu gentilmente) todo o papo da mesa. Se você tiver interesse é só clicar aqui. Na mesa também se posicionaram e dialogaram conosco, Rogério Pereira (do Rascunho, que aliás mostrou e nos entregou uma supimpa edição especial do jornal ), Bruno Dorigatti (do Portal Literal), Paula Siganevich (da revista para escuchar VOCAL) e Guadalupe Wernicke (se não estou trocando os nomes e revistas...).
Posted by Picasa

11 dezembro 2007

brasil colônia




nenhum mulato
negro índio
ninguém tingido
por água salgada
vindo

exercerá função
de ourives mesmo
aquele que liberto
um dia com seus
sapatos a luzir

nem o outro
se conseguiu bem mais
precioso tanto faz
se tem coração
ouro branco

artíficie de metais
nobres há que ser
impecável
sem marcas
cicatrizes
não ungido
sem excesso
de melanina

algo assim próximo
da matéria alva
com que se tinge
o mundo
visão última
de quem
se entrega
à morte

08 dezembro 2007

O Buda, ou aquele que despertou


a última luz do dia já se consome
e o bom médico retornando à sua casa
presencia o veneno a destruir sua prole

ingênuos tomaram aos goles a desgraça
ingeriram um mortífero ungüento
e já sofriam os efeitos de tal traça

o hábil médico se apressa por um momento
em seu femento de ervas variadas
com qualidades que alivie o sofrimento

sendo perfeito em fragrância e na cor dada
de exuberante sabor tão desejável
a evitar a morte prefigurada

alguns aceitam o antídoto amigável
outros recusam-no abraçando-se a loucura
forçam o pai a arquitetar um meio hábil

pra motivá-los e livrá-los da amargura
sem questionarem se fará ou não efeito
pois o que é certo se faz presto e sem lonjura

e logo vê-se florescer o que é bem feito
dizer que a morte o rodeia em viagem
e se sozinhos ficarem neste eito

devem beber sem rodeios da enfermagem
logo depois de sua ausência tão sofrida
manda a seus filhos uma rápida mensagem

a que rondava agora lhe dava guarida
filhos queridos já não poderia tê-los
e do convívio lhe roubava a vida

atormentados pela perda e pouco zelo
vêem o remédio com uma cor tão excelente
e experimentá-lo decidem, então, fazê-lo

a cura vem em tal gesto tão premente
e os nefastos efeitos esvanecem
com pai e filhos a celebrar o fato alegremente.

02 dezembro 2007

Arte



o banheiro
é meu reduto
absoluto

templo onde
passo o tempo
a obrar


[ilustração: Majane Silveira]

30 novembro 2007

Corazón

aquí
en este lugar donde
el aire enrarecido arde
rehago mi inventario
de sombras

aquí
en este lugar como
la hecatombe en mi pecho actúa
dibujo garabatos
en matices

aquí
en este lugar cuando
el patio de mi casa yace
se encuentra la matriz
del universo

aquí
en el corazón de este lugar
con ojos húmedos a encararme
aquel chico que un día
fui



[tradução: Adriana de Almeida]

27 novembro 2007

Cortes



há um rio que nos
separa
dos outros rio
lethos de esquecimento
encalhes
de duplicidade

o mundo é outro
para o ser
segundo a dualidade
de sua atitude
nossa

a margem que nos
encalha
no outro é a mesma
pele que nos irmana

quem vislumbra
o tu
permanece em relação
aquele que comunga
somente o isso
não é não
está só


[ilustração: Majane Silveira]

25 novembro 2007

Tombo



anuros
de etimologia obscura

mergulhos
em tanques imundos

sapos
coaxando ali

tudo
à revelia de mim

apupos n’alma



[quadro de Sabine Liva Berzina | Haiku water]

23 novembro 2007

Escolhas



crianças equilibram
borboletas e planetas
homens enxugam copos
com sua dor

mulheres geram gafanhotos
vozes de soprano ao fundo
o artista recolhe o essencial
um esboço

o profeta berra ao vento
boca em sirenes
o filósofo pensa ao andar
tudo é estilo e concisão

o bêbado balbucia
sem coerência
sirenas, sirenas
abra os olhos errante

o poeta embaralha
tudo do cio ao silêncio
alerta os navegantes
abrolhos com escolhos


[ilustração: Majane Silveira]

22 novembro 2007

As sombras



enquanto o sol gira
e queima
em torno da constelação
Alcione
não aquela dos sambas e pistão
a outra que nos contamina
a todos e a tudo
com seus fótons e energias
sutis nós, os chamados humanos
seguimos entre escombros
a acumular mortes
e assombros

15 novembro 2007

Roberto Piva




A PIEDADE

Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento
abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos

[Confira, também, entrevista quentinha com o Piva na TV CRONÓPIOS]

13 novembro 2007

SOPHIA

 

minha bruxinha querida
a assombrar os dias
luzes insuspeitadas
nas mãozinhas delicadas

a preencher nossas noites
estrelas nunca cintiladas
em céus gregos ou egípcios
perguntas d'o que é isso?

alfabetos sinuosos tatuados
páginas amareladas de minha
vida a balbuciar afetos de sofilha
acepções ignoradas da felicidade

10 novembro 2007

Estado de espírito



há manhãs de sábado
que nem o cheiro
do café
o jornal aberto
sobre a mesa
o sorriso franco
da amada
suprem o oco
do corpo a corpo
com a vida
desperdiçada a cada
dia dado
dádiva imerecida

09 novembro 2007

Gonfotérios B

temos ossos em demasia
gordura que brota pelos ouvidos
escorrendo pelo pescoço desmedido

temos que enxugar nossos acúmulos
moer nossa coluna num triturador de açougueiro

nossa massa de orgulho encefálico será
servida fatiada com rodelas
de tomates fritos

o que sobrar de nosso ego lançaremos num formigueiro faminto e sem escrúpulos

depois é só amarrar linha sem cerol no dedão do pé e preso a árvore mais alta soltar-se aos desvarios dos ventos e tempestades num treinamento catártico de infância

um dia a linha puída pelo destempero se romperá e não saberemos mais nada sobre bancos, cadeiras ou telefones.

a gente é rascunho de gente.


letra e voz: Edson Cruz
música: Pipol
confira em www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=483

07 novembro 2007

Me encanta


[Praça de Maldonado. Foto: Ignacio Fernández de Palleja]


Uma coisa me chamou muito a atenção em Maldonado, Uruguai. A presença da rede MacDonald's com a placa “Me encanta”. Essa expressão é tão bonita que fiquei meio enojado com o uso espertalhão dela pela rede. O “M” casando bem com “Me”. Depois fiquei sabendo que houve muita resistência dos uruguaios contra a entrada da rede no país. Mas, parece, que não foi suficiente.

Uma grande figura que conheci por lá foi o Ignacio Fernández de Calleja. Ele fala muito bem o português e faz parte da nova geração de escritores e pensadores da literatura e cultura uruguaia. Levou-me, numa noite daquelas, a um programa de rádio comunitário feito por ele e amigos. Um programa supimpa. Li alguns poemas meus e alguns minicontos do Evandro Affonso Ferreira, com tradução simultânea dele, e fundo musical brasileiro.

Ignacio fez uma entrevista com o escritor gaúcho Aldyr Garcia Schlee, que você pode conferir no Cronópios.

Abaixo, a meu pedido, ele faz suas considerações sobre a entrada da rede por lá.




Not Mac or Not Mac

Si tengo un hijo le voy a explicar, a escondidas de la madre, que la “M” grande significa “mierda”. Creo que la cantidad de veces en las que entré a los locales de lo de MacDonald para ir al baño supera la cantidad de ocasiones en la que concurrí a comprar sus productos. La culpa de esto último recae en una mala mujer que, además de gustar de la comida de ahí, no está conforme con quién es y recurre a su padre sólo para sacarle plata. Una chica material, aunque es seguro que Renato Gaúcho no la invitaría a fornicar con ella en pleno Maraca.
¿Ha habido polémica pública o repercusiones sociales sobre la presencia de esta empresa norteamericana? No conozco ningún estudio serio en este país sobre los hábitos de consumo alimenticio. Es decir, no sé qué segmento del mercado acaparan. No sé de estudios sociológicos serios que muestren la opinión del público. Sólo sé que a los niños y adolescentes les interesa. No son idiotas los que diseñan la imagen corporativa: juegos, cajitas felices, Ronald y más. “Me encanta” se repite insistentemente y se pega a nuestro oído, queriendo hacer creer que se dirige al estómago. Es ese tipo de consigna en primera persona que busca que cada consumidor individual se sienta identificado, parte de la cosa. Es el slogan que ataca desde el aire instando a comprar hamburguesas. En un mundo de padres que se sienten culpables, mandan los adolescentes hiperactivos de deseo diverso y mirada volátil. La culpa sostiene un imperio de grasa. Y es quizá por tratarse de una manifestación percibida como imperial que los vidrios de un local situado en el centro de Montevideo fueron apedreados para celebrar la visita de Bush (y ya que estaban, también la emprendieron contra una iglesia brasilera de esas que en Uruguay se han esparcido como hongos tras la lluvia).
“Super Size Me” (“Yo, talle grande”) es un documental en que un tipo decide experimentar consigo mismo y se impone la hercúlea tarea de comer, durante un mes, solamente los productos de la cadena de “M”. Se hace estudios médicos antes de empezar la prueba y muestra su envidiable salud. Durante la película, lo muestran comer y empezar a sentirse mal, incluso a ver resentida su vida sexual. Se entrevista con gente gorda y con adictos a los productos del payaso. Los estudios médicos revelan que aumentó más de diez kilos de peso, su colesterol subió y el hígado anda mal. Queda en evidencia que casi todas las cosas que venden tienen grasa y/o azúcar. Decido tajantemente que yo no consumiré nunca más algo que ellos vendan. Porque eso parece ser la intención del texto: convencernos de las maldades de la comida de “M”. Sin embargo, la “M” aparece tantas veces que parece un comercial de la marca. Empiezo a sospechar que la empresa ha financiado la película como una forma de evitar juicios, como diciendo “todo el mundo sabe que vendemos porquerías, ¿por qué demandarnos entonces?”.
No les compro aunque regalen todos los años la recaudación de un día de ventas a una fundación que se dedica a curar niños con cáncer. Es como apoyar a un narcotraficante que dona su dinero para lograr la paz mundial.

04 novembro 2007

Charles Willer


[quadro de André Albuquerque]


O quadro acima é incrível. Você poderia dizer (o autor também diz) que é o Baudelaire, mas eu continuo visualizando o Cláudio Willer. É o Charles Willer, ou talvez o Cláudio Baudelaire.

O André Albuquerque pinta com essa pegada que nos lembra o irlandês Francis Bacon . Uma pintura nada naturalista, extremamente essencial, arrasadora das aparências.

Como na arte nós dizemos muitos mais do que nos propusemos antes de realizá-la (isso se, realmente, formos artistas), vejo nos quadros de André uma consciência aguda de que o ser humano, no final das contas, sempre recuará diante da visão de sua crueldade. A pós-modernidade talvez seja o momento da camuflagem e do fascínio das mudanças superficiais. Talvez.

Vejam esse poema de Cláudio Willer, que o próprio diz ter-se lembrado, posteriormente ao lê-lo, da noção do moderno e da modernidade em Baudelaire.


Poemas para ler em voz alta

6

Seus olhos têm muitas cores
que refletem o brilho de cada hora
estranhas palavras
atravessam nossas conversas
É PRECISO QUE SEJAMOS MODERNOS COMO O AMOR
mas não sei
se não recuaremos
confundidos diante da visão da nossa crueldade.


E para terminar, uma tradução de Guilherme de Almeida de meu poema preferido de Baudelaire. Claro, está em sua “Flores do Mal”. Uma visão romântica do poeta, mas que nos faz lembrar da busca incessante da tempestade, mesmo nas coisas mais prosaicas, no exercício existencial da poesia.


O ALBATROZ

Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.

Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.

Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico um cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!

O Poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
As asas de gigante impedem-no de andar.

03 novembro 2007

Escher brasileiro


[desenho de Levi Ciobotariu]

Conheço o Levi há muito tempo. Já moramos, viajamos, e fizemos muitas coisas juntos. Levi é do bairro Bom Retiro e eu era da Ponte Pequena. Dividindo um bairro do outro está a fatídica avenida Tiradentes.

Levi é um grande artista. Meticuloso, quase obsessivo. Cursou Arquitetura, mas é com o desenho que se realiza. Nós sempre fomos parceiros de alguma forma e vamos tentar reabilitar essa parceria, agora já maduros e cada qual com seu trabalho e direção.

Levi tem vários livros infantis, com ilustrações e textos próprios. Já ganhou um prêmio Pirelli de pintura jovem e um prêmio Jabuti de melhor programação visual de coleção.

Imaginem um carinha que, logo ao terminar a faculdade, totalmente desconhecido, chega ao Masp, com seus desenhos debaixo do braço, e pede pra falar com o todo poderoso Pietro Maria Bardi. Não conseguiu, claro! A secretária ficou com seus trabalhos e uma semana depois o secretário do Bardi liga para ele. Bardi vira seus desenhos, gostara e ainda convida-o para uma exposição no Masp. Uau!

Foi assim que começou a carreira do Levi. Levi é aquele amigo que cito em texto sobre o nascimento de minha filha Sophia . Um nascimento livrou sua mãe da morte em um campo de concentração nazista. Um nascimento permitiu que posteriormente Levi viesse a nascer.

Levi mandou o desenho acima para nosso Sambaquis. Se não me engano o nome original é “Resquícios da Maré”. Ele tem muitos desenhos feitos em Bico de Pena, de sua primeira fase, em preto-e-branco. São meus preferidos. Principalmente o “Transecular talking with Giordano Bruno about the creation and destruction of the worlds”: uma obra-prima. Há até um quadro seu em que eu apareço tocando violão. Uma grande honra para mim.

Desde 1989, Levi colabora com pesquisadores botânicos de várias universidades e, por conta desta produção, é conhecido como um artista naturalista (confira alguma coisa em seu site). Quem diz isso desconhece sua fase “viajandona”, que reúne sua técnica e precisão naturalista com devaneios e toques surreais – são seus trabalhos mais interessantes.

Levi Ciobotariu vai fazer sua primeira exposição internacional em 2008. Ele mesmo contará os detalhes posteriormente, pois o convidei para escrever uma coluna sobre artes plásticas no Cronópios. Irá apresentar trabalhos e artistas de que gosta e falar de artes plásticas em geral.

Evoé!



30 outubro 2007

O Portal do Dragão


[ilustração: Tania Ricci]


quando o torpor do sono vem
e o ser apaziguado fica

algo enfim desperta e bem
com o sonido d’água precipita

tal sonho dentro de um sonho
a imagem de um peixe nos habita

salta pra fora num dançar bisonho
buscando alçar-se ao topo da queda entrevista

(nunca é fácil a uma carpa
transformar-se em um varão)

assim como os ciprinos buscam
o portal do dragão

assim como os poetas anseiam
enxergar na escuridão

assim como o plebeu almeja
algum dia ser barão

todos o seres ensejam
atingir a iluminação

parece fácil feito tocar harpa
tatuar o sim na água do não

um canto grave como bordão
vem repetir o mesmo refrão

não desanimem, insistam
superem o limite do ego falastrão

pois ninguém escapa da morte
nem mesmo o grande dragão

25 outubro 2007

El encuentro perfecto


Fernando Butazzoni e Edson Cruz
[foto tirada pela esposa de Fernando]

No Encuentro de Escrituras de Maldonado, Uruguai, tive o prazer de conhecer um escritor que me fez correr à livraria e gastar quase todos os meus pesos para adquirir o livro que ele acabara de lançar e de ler um trecho para nosotros. Seu nome é Fernando Butazzoni.

Seu romance, El profeta imperfecto, foi editado pela Planeta no Uruguai e já é um dos dez finalistas do Prêmio Planeta/Casamérica de 2007. Segundo ele me confirmou, posteriormente, seu livro está em tradução e será lançado no Brasil em 2008.

Butazzoni, além de escritor, é jornalista nascido em Montevidéu. Estudou Ciências Biológicas em Cuba. Uau! Trabalhou por lá como professor e escreveu programas para rádios de Cuba. Logo em seu primeiro livro Los dias de nuestra sangre, de 1979, abocanhou o prestigioso Prêmio Casa de las Américas, na categoria contos.

Fez parte da resistência nicaragüense em 1978 e esteve na frente de batalha pela Frente Sandinista de Liberación Nacional. Ainda bem que sobreviveu. Aliás, conheci durante o Encontro vários escritores marcados, de alguma forma, por suas opções e ações políticas. Um deles foi o uruguaio Carlos Caillabet, que esteve 13 anos preso por pertencer ao movimento tupamaro e só foi libertado com a anistia.

Mas, voltando a Butazzoni, ele criou, juntamente com o escritor argentino Mempo Giardinelli, o Comitê Internacional de Intelectuais Contra a Guerra, resistindo às políticas bélicas dos EUA. Desse Comitê participaram vários escritores importantes como Mario Benedetti, Eduardo Galeano, Luis Sepúlveda, Antonio Cisneros, entre outros.

No mesmo dia em que ouvi sua leitura participei de uma mesa com sua presença. Um belo encontro. Ele me perguntou algo sobre a sonoridade e musicalidade de meus poemas, que eu acabara de ler, e cuja emoção quase me deixou sem fala. Eu estava meio dopado depois da leitura e nem lembro o que respondi. Acho que falei de música popular, como a música me influenciou e da velha questão sobre letras de música e poesia no Brasil. Ele foi bem bacana e receptivo à minha poesia. É um grande escritor. Vejam vocês mesmos...

“[...] Resulta que este hombre es experto en practicar un juego secreto que consiste en no pronunciar ni una palabra durante todo el fin de semana. Es mi tiempo libre y hago lo que quiero, piensa. O sea, silencio. Cuando cultiva el arte de callarse la boca ni siquiera se permite una exclamación mientras de despereza, o un susurro al afeitarse frente al espejo. Nada. Ningún sonido. Se dedica a la lectura o a sus pasatiempos: las palabras cruzadas y la televisión. Es un orfebre de los crucigramas, y hasta se há comprado de liquidación un viejo diccionario enclopédico Sopena del año 1952, nada más que para corroborar de manera fehaciente algunos de los múltiples gazapos com que suelen estropearse muchas definiciones, realizadas la mayoría de las veces con torpeza por iletrados aprendices.
Esa es, para él, una posible forma de estar: televisión, palabras cruzadas y silencio. Vodka y silencio. Como si el tiempo se quedara allí y lo pusiera a salvo de los desastres del pasado, a los que há sobrevivido de manera inexplicable. Silencio y tiempo. Una posible forma, también, de no estar. Así se las arregla, en el tédio de esos larguísimos fines de semana, para hacer las compras – em general los sábados sobre el mediodía – sin saludar ni consultar precios ni despedirse de la cajera del supermercado. Es un maestro del mutismo. Claro que no há podido sacar, de esos parêntesis, casi ninguna conclusión, excepto tal vez la certeza de su inutilidad, lo que viene a reforzar su tesis acerca de la estupidez humana. [...]”

[Trecho do romance El profeta imperfecto, Planeta, 2007]

Posted by Picasa

23 outubro 2007

Meu poeta preferido


Manoel de Barros


Uma Dialéctica da Invenção


I

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas
tem devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua exist6encia num
fagote tem salvação
e) Que um rio que flui entre dois jacintos carrega
mais ternura que um rio que flui entre dois
lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que humedece primeiro.
etc
etc
etc
Desaprender oito horas por dia ensina os princípios.


II
Desinventar objectos. O pente, por exemplo. Dar ao
pente funções de não pentear. Até que ele fique à
disposição de ser uma begónia. Ou uma gravanha.


III
Repetir repetir - até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo.


IV
No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
É quando um trevo assume a noite.
E um sapo engole as auroras.


VII
No descomeço era o verbo
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que á a voz de fazer
nascimentos-
O verbo tem que pegar delírio.


XIX
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a
imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás
de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta que o
rio faz por trás de sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que
fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.


XXI
Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.
Sou um sujeito letrado em dicionários.
Não tenho que 100 palavras.
Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais ou
no Viterbo -
A fim de consertar a minha ignorância,
mas só acrescenta.
Despesas para minha erudição tiro nos almanaques:
Ser ou não ser, eis a questão.
Ou na porta dos cemitérios:
Lembra que és pó e que ao pó tu voltarás.
ou no verso das folhinhas:
Conhece-te a ti mesmo.
ou na boca do povinho:
Coisa que não acaba no mundo é gente besta
e pau seco.
Etc
Etc
Etc
Maior que o infinito é a encomenda.


XIV
Poesia é voar fora da asa.



In “O Livro das Ignorâncas” - 6ª ed. - Rio de Janeiro, Editora Record, 1998
Posted by Picasa

20 outubro 2007

Chegando em Maldonado



O mote do 2º Encuentro de Escrituras de Maldonado foi "Cruzando los Puentes". Não poderia ser mais adequado. Autores e editores da Argentina, Uruguai e Brasil trocaram experiências, leram seus textos, apresentaram seus livros e revistas.
Maldonado é um município colado a Punta del Este, um balneário conhecido pelos turistas de todo o mundo. Dizem que Punta del Este foi um "paradero" indígena (como eles acentuam) e depois um povo de pescadores. Hoje já não é assim. É um lindo balneário de luxo, com cassinos, praias bravas e praias mansas, um porto mui rico de cara para o Rio de la Plata.
Quando cheguei ao aeroporto, que fica mais para Montevideo do que para Maldonado, me surpreendi pois tive que sair por dentro de um free shop com o ar saturado de perfume que me deixou tonto e querendo sair correndo dali. Não foi uma boa primeira impressão. Você é forçado a passar por aquilo. Não tem como fugir.
Mas essa impressão passou rapidamente, pois fui muito bem recebido e instalado. O tempo estava nublado naqueles dias e, dizem, quando chove por lá a temperatura despenca. Comprovei na pele, pois quase não havia levado roupas para o frio.
O caminho do aeroporto até o hotel foi maravilhoso. Campos nublados que me lembravam paisagens de um filme de Tarkovski. Um país agrário, basicamente. Mas não só, claro. Quando chegamos à orla não pude desviar os olhos dos imensos casarões com arquiteturas diferenciadas: mediterrâneas, européias, um quê de década de quarenta.
Bem... foi a primeira vez que saí de meu país. E graças a literatura e ao Cronópios. E foi a primeira vez, também, que vi uma baleia. E isso não é pouco... pelo menos não para mim.




19 outubro 2007

Recuerdos de Maldonado


da direita para esquerda: Aldyr Garcia Schlee, Laís Chaffe, Ana Maria Gonçalves e Edson Cruz (o time brasileiro)

Comecemos por esta. As fotos tiradas no Uruguai, no 2º Encuentro de Escrituras de Maldonado, já estão em minhas mãos.
Vou recompor a memória e começar a mostrar o encontro.
Foram dias maravilhosos. Muito vinho e carne no La Balanza.
Claro, muita literatura, também... veremos...
Posted by Picasa

18 outubro 2007

Caída

anuros
de etimología oscura

zambullidas
en estanques inmundos

sapos croando allí
todo se rebela contra mí

injurias
en el alma


[Tradução de Luis Benítez]

16 outubro 2007

14 outubro 2007

regalo

o seio da face
é a maça do rosto

o que é do gosto
regala a vida

mais vale a lida
que o fácil gozo

em todo ovo
labuta o novo

12 outubro 2007

Hechizo

algo así tan
innatural
que llega a ser
otra naturaleza

algo así sin nada
más ficticio
por demás tal
cosa hecha

que de tanto artificio
se convierte en arte
se convierte en libro
se convierte en oficio

11 outubro 2007

Arquitetura de algodão

Um acontecimento
se desloca
o pensamento
é o trabalho de uma jornada
corredores longos
que terminam
nos paradigmas dos cantos
o azul finge o céu
o quadro faz fluir
o imaginável.

***

O inverno se acomoda
na palma da mão
a escrita descansa
no muro
à espera
de um código.
Invisível estilo
que esconde
a insatisfação
na distância
entre o frio
e o calor dos cabelos.

***

A retórica varre
a retina
obstáculos
doses de filosofia
uma sutil
experiência da loucura
a sombra roubada
não esconde
as galerias
invade
suas vitrines.



[Poemas do livro Arquitetura de Algodão de Almandrade]

Almandrade é artista plástico, poeta e arquiteto de Salvador. Email: almandrade@ibestvip.com.br

10 outubro 2007

Flor-de-lótus



se no hoje contemplamos o ontem
o que dizer do amanhã que nos almeja?

se no tanque afogamos a rã
o que fazer da morte que nos beija?

se no vôo a libélula se espanta
o que escrever com o sangue que goteja?

09 outubro 2007

Templo

lá em casa
o menino Jesus

com os meninos
tinha caso

com as meninas
engatinhava

o menino Jesus
lá em casa

08 outubro 2007

05 outubro 2007

Corazón

para Aldyr Garcia Schlee


aquí
en este lugar donde
el aire enrarecido arde
rehago mi inventario
de sombras

aquí
en este lugar como
la hecatombe en mi pecho actúa
dibujo garabatos
en matices

aquí
en este lugar cuando
el patio de mi casa yace
se encuentra la matriz
del universo

aquí
en el corazón de este lugar
con ojos húmedos a encararme
aquel chico que un día
fui


[Traduzido por Adriana de Almeida]


29 setembro 2007

Tartaruga de um só olho



para se traçar um simples gesto
não basta armar-se de vontade
a luz mente e na direita pode estar o sestro

é preciso saber esquecer a própria idade
pois nas profundezas de um mar escuro
até o sândalo não conduz à claridade

pode-se viver por muito tempo obscuro
a tatear diante de si o tal anseio
feito criança na noite inseguro

a almejar o tão amado enleio
sem nenhum ontem em círculo vazio
e um amanhã que traga algum esteio

pode-se esperar milanos o tronco arredio
e súbito vê-lo passar com enganosa visão
ou tentar alcançá-lo feito gato no cio

como um quelônio sôfrego a exaustão
e deparar-se com mais um logro desvario
o sândalo na onda indo noutra direção


[Poema inspirado em uma parábola budista de mesmo nome]

28 setembro 2007

Tatiana Oroño (Uruguay)

Areté

Se ponen del lado de Aquiles porque un rey prepotente merece ganarse adversarios. La arenga de Aquiles suena bien todavía: “aunque mi parte del botín nunca iguala a la tuya yo vuelvo a las tiendas teniéndola pequeña pero grata después de haberme cansado en el combate”. Le da un aire común al reclamo del semidiós que es inferior a un rey a la hora de los beneficios. Aquiles reclama su derecho al reconocimiento; el reconocimiento público del valor de cada uno es la areté. Él la defiende con el aplomo con que hoy se reclamaría, cheque en mano, un pago bancario negado. La areté es algo que se “aísla” –se comprueba que existe- en una clase de literatura, así como en la de química se aísla un elemento en el tubo de ensayo. Algo que no se olvida.
No existe otra palabra que ayude a ver qué es eso, a qué se debe eso que le venía pasando a una y que no se sabía qué era: ser defraudada por la indiferencia de los demás. Y que la indiferencia era, directamente, injusticia. Y que tres mil años atrás, era ilegal.



Los hombres

juegan en equipo. Esa práctica

de dividir al medio y tener de rival
a una mitad y a la otra de aliada

es jugada

maestra. Ordena
el mundo.
Vende

locus
amenus.
De talud
a tribuna numerada.



Hijos de las metáforas

las ideas

no se matan un fantasma

recorre Europa toda Dinamarca
es una cárcel
hay algo entre la tierra y el cielo que no había soñado
tu filosofía

no nos bañamos dos veces en el mismo río

todo lo sólido se disuelve en el aire
en el tren del

progreso
(una laguna lúgubre
de monedas de plata) el tiempo es
oro dadme

un ordenador
y os daré la globalización

navigare necesse

dadme mi caballo

Descendientes de
imágenes:
el que no tiene
nada

lo tiene todo sólo sé
que no sé nada no tenéis

para perder más que
las cadenas

la poesía
no se vende
porque no
se vende

la poesía tiene como fin la verdad práctica
la poesía es del que la necesita
la poesía debe ser hecha por todos

el paisaje es un estado de alma el pueblo / unido / jamás será vencido
quedará en la leyenda / esta guerra este volcán / los días de balachaiev / los soldados del soviet
/ los días de balachaiev / los soldados
del soviet /

Cuando despertó el elefante todavía estaba allí.



[Do livro morada móvil]




Tatiana Oroño é de São José, Uruguai. Poeta e profesora de Língua e Literatura Espanholas, com mestrado em Literatura Latinoamericana. Já publicou El alfabeto verde, 1979; Poemas, 1982; Tajos, 1990; Bajamar, 1996; Tout fut ce qui ne fut pas, ed. Bilingüe, 2004.

27 setembro 2007

Sopro



assim como não há
eu vejo

assim como não dá
ensejo

assim e só assim
desejo

[Ilustração de Magritte]

26 setembro 2007

Nanquim



palavra que não se faz ludo
em configurações sutis
na pele luminosa

que não prefigura
realidades transcendentes
espaços paralelos superpostos

palavra que não lavra
universos numerados até o fim
páginas que se desdobram infinitas

são rastros de tinta em si
restos de tinturaria de tipos
lixos disfarçados de nanquim

25 setembro 2007

Pretexto


nesta rede
me esfarinho

página em branco
meu moinho

bem no meio
redemoinho


[Desenho: Maurits Cornelis Escher]

23 setembro 2007

Esteban Moore (pequena antologia poética)


“Ciego discurso humano” 17


pudiera –quién/ de esa serpiente que se desliza
sobre la tierra seca/ reluciente en un espejismo
de sol/ evocar trazos –movimientos en el polvo
el contenido ritmo –de su vaivén/ los rasguidos
de una piel –desatándose en el aire

[PARTES MÍNIMAS E OUTROS POEMAS (2003)]


El objeto em su estado natural

“no ideas but in things”
William Carlos Williams

Los viejos rieles –bruñidos por la fricción de las ruedas
de los veloces trenes subterráneos —–brillan bajo la luz
tenue –que ilumina –el largo túnel
y en ese recto centelleo –de metal alejándose —–hacia
la próxima estación —————–plenamente iluminada
está el poema

20-02-01 (11.55)

a j.j.r.

[PAISAJES (2003)]



Postal urbana

“numbered caves in enourmous jails”
W.H. Auden

ese que al oriente de un apagado sol –camina
seguro en la multitud / los ojos sin punto fijo
sabe que al final de su trayecto lo espera
una habitación vacía
los rayos titilantes de um viejo televisor / glaceando
de brillos
la oscuridad
parpadeo de luz que nunca podrá rememorar
la combustión de los aceites
la fulgurante flama de las lámparas
que alumbraron
en la larga noche de los inviernos romanos
la labor de Livio Andrónico
quién pregunta si uma vez ahí en la protección
de este dominio ajeno / sus lamentos serán
los gemidos de uma voz plegada
que recuerda una por una
las pérdidas del alma alzada em amores
el suave abrigo de las bocas
el perfume de francia en los cuerpos
el dulce extravio de los cuerpos
en las plumas de pájaros remotos
quién pregunta –se golpeará a puños el pecho / com
manos de piedra/ los sitios del corazón vencido
quién


[INSTANTÁNEAS DE FIN DE SIGLO (1999)]



Confira uma entrevista feita com o poeta Esteban Moore

21 setembro 2007

Poesia Argentina III

Rodolfo Edwards

Culo criollo

bota de potro no es tejana
mate amargo no es five o´clock tea
crencha engrasada no es dreadlock
culo criollo no es delirio francés
culo criollo es alazán desbocado
por la pampa urbana
desmesura nacional filtrándose
entre la gringuería
culo criollo envuelto en tela
100% cotton made in Argentina
Roberto Lewis para más datos
corte clásico
cubriendo como un taparrabos
vergüenza y sinvergüenza
se cruzan en la city
como dos perfectos extraños
culo criollo que brotas
en los barrios pobres de la pobre patria
deformado por asientos derruídos
de transportes públicos
que superan la velocidad del sonido
cuando el día aún es noche
la saña municipal dibuja estrías
en el papel grasiento de tu piel
un maldito cualquiera planta
un polo petroquímico
en la puerta de tu casa
y después se seca las manos
en el baño del shopping
donde sus niños juegan para siempre
amazona fabriquera
imperfecta como el mundo
musa fabriquera
danzando sobre los pozos ciegos
culo criollo
los ecologistas
no te incluyen en sus ítems
no sos bestia marina
y a tu especie la condenaron hace siglos
culo criollo
cíclope
tu ojo único
ve más que los múltiples ojos
de los otros culos
ojos brujos
ojos falsos
desarrollados en oscuros laboratorios
en esplendentes academias
de movimientos todos iguales
inútiles a la hora del Juicio Final
culo criollo
sin gimnasio en la new age
sin calzas y en alza
la celulitis y el cansancio
los otros culos te miran con asco
con racismo progresista
evolucionistas
positivistas reciclados
replicantes
clones sin levita ni bastón
los otros culos
vuelan con las alas del colibrí
ganan pulseadas con el brazo del titán
se florean
son ventajeros
saturan
trepan
tienen a Dios sujetado de las pelotas
los otros culos
saben del bien y del mal
nadan con los ojos abiertos
trincan con el corazón dormido
los otros culos
tienen forma de sonrisa
y tu mueca es la otra historia
la mosca blanca sobre la oveja negra
culo criollo
no para ti
el mar y las gaviotas
no para ti la brisa de los puertos
sólo el aire putrefacto de los pantanos
sapos voladores infectando tu comarca
culo criolo
arde tu luna
combustión de chimichurri
en la zona alta
los otros culos
se embadurnan con salsa waldorf
se autosirven
en bandejas de oro de verdad
se los morfan en el copetín

los yuppies
los conchetos
los caqueros

los garcas
los petiteros
los pitucos

los cajetillas
los fifís
los bacanes

esos habitúes
del salón de Margarita Sánchez de Thompson
medrando entre valses y motetes
happy hour happy week happy year
HAPPY LIFE
BINGO!
aerobic hard training
mango diesel soviet
pachá body walk
caix vip target
cuenta ganado cuenta ovejas cuenta gallinas
cuenta pollos cuenta chanchos cuenta equinos
hay paz en la chacra
¿nocierto granjero grunge?
el rubio de camisa a cuadros
es el dueño de acá
hasta más allá del horizonte
nada
nada cambia
Isidoros Cañones bancados ad infinitum
por Coroneles Cañones apuntando
a la población laboriosa
los patroncitos trazan una línea en el aire
de ahí para abajo somos todos villucas
aguantando la erupción del Riachuelo
culo criollo
estoy herido de muerte como vos
cuando dobla la curva la semana
y el domingo y la familia
y viene el vacío la molleja
y la mayonesa se vuelve en contra
pasada la fecha de vencimiento
culo criollo
sori
ya estoy hablando en primera del plural
te incluyo en mi desastre
sosobra la barca
y llega la tormenta
sobre llovido mojado
y cuántas tragedias mas
se amontonan como diarios viejos
una arriba de la otra
en pilas infinitas que chorrean
una espuma ingrata
alrededor del espíritu de la tierra

culo criollo
la vieja guardia te saluda
con banderas copeteadas

culo criollo
don´t worry
be happy




Luis Benítez

Los miedos

ah los terrores que nos visitan de noche
que no se ocultan del día
los que no inspira ninguna cosa grande
ningún desconocido continente pisado recién el borde
ni tampoco un leal enemigo
francamente buscado en una tapia
ni el asombroso eclipse que deja el mediodía en sombra
ni un terrible Señor de los Ejércitos
en desiertos abrasados por el sol de los pueblos aventureros
ah los miedos los pequeños miedos de pequeños hombres
no los miedos que eran a su modo honra de un animal
desnudo en la enorme extensión de cosas que no tenían nombre
no a estar solo y de pie
entre un inmenso campo y un inmenso cielo
no a la sombra adornada de ojos fosforescentes
a la muerte de noche
entre los dientes del animal más bello de la tierra
una muerte de hombre
no a la caída propiciada por el rayo
al torrente al alud al fuego de la tierra
ni al otro fuego prometido debajo de la tierra
ah los miedos que no origina
un dios terrible salido de la foresta
ni un pariente medieval con su cohorte de brujas y de fetos
no el sudor frío frente a frente espada contra espada
flecha contra winchester dardo contra lanza
ha cambiado la muerte de palabras
no es la certeza de una lluvia ardiente
ni el pronóstico que un insecto lleva entre raíces
al fin también una buena causa como la antigua peste
ah los miedos que tú conoces
y que son los míos exactamente ésos
no se ocultan debajo de la cama
no precisan el crujir de la madera el aullido de nada
pueblan nuestros sueños de rostros y de notas
ellos duermen y caminan con nosotros
beben se alimentan vuelven siempre.



De lo que huye

Pensar que Spinoza murió puliendo lentes.
Que Blake se fatigaba en una imprenta
esperando la conversación de ese día con los ángeles.
Que por vivir Baudelaire se humillaba ante su madre.
Que Rimbaud fue silenciado por Rimbaud,
para que este ingenuo me hable de la literatura.
Como si posible fuera otra cosa que inventar
ante otros la forma de lo informe
y cobrar un salario. Qué persuadido está
de lo improbable. Esas palabras
han erigido congresos y simposios
y prestigios y famas quizá más perdurables.
Y en el centro, el errante, de esta cosa mundana,
ese brillo salvaje que por disfraz,
por burlarse o por escapar aun más
del terco intento, ha inventado
también estas criaturas, seguro
ríe en alguno desde el fondo de la sala.
O mira con piedad su simulacro.




Voces en la urbana llanura (antología de poesía argentina contemporánea)

Selección Esteban Moore y Jorge Rivelli.
Introducción Esteban Moore.

19 setembro 2007

Poesia Argentina II

Néstor Perlongher

El pavo real

No puede haber acción
donde falta sonido incidental:
y aquí no se oye nada, la noche misma llega
como un estremecerse de las hojas.
Lo oscuro se forma entre los sauces,
en el agua atrapada por las toscas.
Pero veo o creo ver
un pavo real en la casa
junto al río que parece mar.
Así acaba el año.


Un incendio, probablemente

Mirás el aire y no podés creer
que sean toneladas de ceniza
las que lo vuelven púrpura de a ratos.
Es la hora en que las lanchas vuelven
al muelle pintado de blanco.
Todo presente, todo provisorio:
ni quedan huellas en el agua, ni guarda
una noche memoria de las otras.
Si es cierto que es un bosque que se quema
la mañana helada encontrará los palos
humeando en algún lado:
rayas de carbón en la pared de un presidiario,
cada cuatro una rama quebrada
atraviesa los troncos verticales
— un día pasó, distinto de los otros.
Pero dónde, no lo sabemos,
ni nos consta que así sea y ni siquiera
ha caído la noche.
Estamos tan al sur, tan dentro del verano,
que oscurece tarde, muy tarde.


Hexagrama

Si esas nubes fueran la forma que adoptan
en la mente de un ogro sus problemas
y esos problemas, a pesar
de su apariencia tosca, fueran
la sombra de enigmas que exceden
la modesta imaginación ogruna, entonces
el relámpago, que no pesa nada, sería
la solución. Así nacen los truenos,
la lluvia y las montañas.
Algunas de estas líneas son fijas;
otras, pueden mudar en sus contrarias:
nadie llega a distinguirlas, sólo
el que abrió la bolsa pequeña de gamuza
y arrojó seis veces las monedas
mirando la tormenta a través de los dibujos
que otro, sin pensar, había hecho
en el vidrio empañado.


Arte polémica

La picada del ganado
cortada entre las cañas
baja bruscamente, llega al río:
el ángulo de la visión se abre de un golpe
al agua centelleante y las tranquilas
playas que en primavera soportaron
el peso del deshielo.
La polémica de Plinio
entre lumen y splendor,
luz que modela en el espacio
y luz que absorbida o reflejada
permite conocer la superficie de las cosas,
queda saldada a favor de splendor.
Para brillo, esta ceguera repentina
en la playa de piedra,
y para opacidad unas ratonas
que saltan en un hueco del barranco
disimulado por las flores del anís.
Profundidad, no es necesaria, alcanza
y sobra con lo curvo del paisaje
colgando boca abajo en el rocío.



Javier Adúriz

Piercing

1
Hijo, qué sorpresa me das
con ese sólido arito colgándote del iris.
Pasear un cuerpo atado a las pulsiones
es inquietante sí, por lo que sabe
a revuelta generacional…
Lo nuestro fue más ensoñado siempre.
¡De verdad!, no creo que hayamos sido
unos ilusos mejores o peores. Que yo sepa
el sol salía igual que para ustedes
mientras el mar batía los acantilados…
Fuimos masacrados nada más.
Quiero ser directo, disculpame.
La diferencia radica tal vez en los matices.
Como ayer, la historia hierve como ácido.
No te rías. Por qué buscar solución
en la materia, si la cuestión del espíritu urge.
Pero es cierto, no tenemos derecho a importunar:
la ley del fracaso no levanta la voz.
Aún así, guarda un vago consuelo
sostener pensamiento sobre casi todo.
Opinar fue la forma de ser libres. Sí,
más mentira para más verdad…
No me pegues, nadie te quita la palabra
aun cuando sea tan gestual lo tuyo.
Y no sabés cuánto reconforta, viejo,
que hayas resuelto confiarme el sueño.
Aplicarte un ancla en el escroto
no suena nada mal, habida cuenta
que parece otro gesto para el aquí y ahora,
esta turra injusticia que nos ahoga a todos:
eso tanto más viejo que nosotros,
que vos y yo.



2
Viejo, siempre en estado de pancarta.
No entendés nada. (Tampoco hay tanto
que entender, poner el cuerpo nada más.)
Me hablás de espíritu. De qué espíritu
hablás. ¿No ves que eso de ser libre
brilla sólo en tu baldosa? ¿No ves
la radiación por todas partes?
Vivís entre abstracciones. No quiero ir
a tus libros ni al pasado. Entre otras cosas
porque ahí estás vos y tu ficción
de perdedores. No quiero terminar
llorando y, ¿sabés?,
me voy a perforar el cuerpo y pintar
la carne hasta que se me dé la gana…
Digo,
¿por qué no fumamos uno de los buenos
y la seguimos disueltos en el humo?




Voces en la urbana llanura (antología de poesía argentina contemporánea)

Selección Esteban Moore y Jorge Rivelli.
Introducción Esteban Moore.

18 setembro 2007

Poesia Argentina

Conheci Esteban Moore em Maldonado, Uruguai, no 2º Encuentro de Escrituras. Cruzando los puentes, era o mote do encontro. Esteban nasceu em Buenos Aires e, além de poeta, é tradutor e jornalista. Realizou a tradução de diversos autores de língua inglesa, tais como Lawrence Ferlinghetti, James Laughlin, Craig Czury, Charles Bukowsky, Sam Hamill, entre outros...

Estou falando do Esteban para falar de outros, e depois voltar a falar dele. Ele me mandou uma antologia da nova poesia argentina, que publicaremos na íntegra no Cronópios. Por ora, e para aguçar nosso "paladar niegro", mostro alguns poetas que estiveram presentes em Maldonado e que comparecem em sua antologia.


Estela Kallay


De asedios y moradas

¿Quién cruzó
los silencios
donde la soledad
levantó fronteras?
El insomnio
fue un color
que dibujó el infierno.
Ahora el paraíso
es un estruendo
lleno de vacíos,
una luz salvaje
que la noche
nunca abarca,
una piedra
que cae circular
en un río que no fluye
y la palabra
aún no dicha
se desnuda sobre el hielo.
¿Quién es recordado
por extraños
en la perforada memoria
de los días?
Cómo envuelven
los dedos en harapos
la piel transparente
de una ciega,
cuándo se grabará
ees nombre
en una lápida lejana
donde signos herméticos
hablen de un amor descalzo
y una marca de sangre
trace el abismo
entre el laberinto
y la vida.


¿Por qué una estrella anónima
dejó su señal
en la muda música
del cielo?
Si exhibe
su hambre de buitre
el ayer
con sus uñas implacables
en ese espejo
cansado de pupilas
en esta morada
prisionera de la bruma,
si todo es fugacidad y olvido
para esta boca
hechizada
casi muerta.
Si en el presagio del fuego
estas manos
apartaron ceniza fresca
y para quebrar el hechizo,.
devastaron
los muros con caricias,
calmaron su llanto
en el aullido de la rosa
y se atrevieron
a las orillas
de esos ojos
para que vibraran
en la tierra
todos los muertos.
Entonces
en el relámpago
tatuado por el ángel
las raíces
se hundieron en salitre
y la voz intacta reveló
su inocencia.


Ahora preguntan
si esto que sucede
dimos
está
fue
ha pasado
perdurará en lo hondo
de este octubre
irreparable
aunque la araña
esté al acecho
y un párpado
borre toda huella solitaria
para hundir
sus colmillos
en la sombra.



María del Carmen Colombo


Viernes santo


Yo no digo que vengas

Digo que me lleves por un lado del corazón
adonde tu jardín murmura la bruma tabacal
del otoño

Abril es hoy y toso en el viejo vestido amatorio
de las estaciones
como una hembra en desuso. Y caigo a veces de
de este cuerpo
porque pesa en sangre el hervor del
deseo

Por eso dejo mi nombre en esta carta
para que me rescates de los sueños perdidos




Gardel y yo


nunca
gritó pecosa porque
yo no tenía
ni una
peca

gentil con esas
faltas
de imaginación dijo
en cámara
“I love you marilín”

pasaba
que por aquellos tiempos
mi nombre era maría
maría solamente




Carta a papá


Miserable estratagema
para tenerte parecerme
a vos

ser en espejada lejanía
lo que brilla por ausencia
una estrella

no me llames ilusa
estoy arriba
reina de la nada
ardiendo en mis heridas

soy tu pequeño espejismo
qué peor atadura

ah, si quisieras llegar hasta aquí
y entraras en esta luz

en todo caso si así fuera, querido mío
la luz hiere, la luz es realidad



Voces en la urbana llanura (antología de poesía argentina contemporánea)

Selección Esteban Moore y Jorge Rivelli.
Introducción Esteban Moore.

16 setembro 2007

Quaternário [4º tempo]

círculo eterno

como hicieron los dioses
así hacemos nosotros

andando

de caverna en caverna
ofuscándonos por los relámpagos

ansiando

la salida para la entrada
ad infinitum

retornando


[Tradução: Luis Benítez]

15 setembro 2007

Quaternário [3º tempo]

tal vez ella

la teoría
especial de la relatividad
pudiese explicar

el hecho increíble de
estar a una velocidad
de equis kilómetros

y/o

el tiempo congelar
retroceder
el espacio alterarse

de estar yo aquí
en un istmo/instante
en Cuba allá estar

ella tal vez

pudiese explicar
la relatividad de la especial
teoría a

ella tal vez ella

¿quién sabe?


[Tradução: Luis Benítez]

14 setembro 2007

Quaternário [2º tempo]

automóvil engullendo
la pista

paradoja de Zenón

torres quedando
atrás

un motor en combustión

una chispa iluminando
la infancia

un osito bien bobo



[Tradução: Luis Benítez]

13 setembro 2007

Quaternário [1º tempo]

en el principio era
el huevo
el pájaro en
vuelo

ahora a un paso
precipicio
motores sangran
el puente

indiferente
mareo





[Tradução: Luis Benítez]

12 setembro 2007

Lágrimas oceânicas



Portugal
quanto de tua riqueza é o sumo
de nossas tristezas?

Ano Bom Arzila Ormuz Azamor
Ceuta Flores Agadir Safim
Tanger Acra Angola Mogador

Aguz Cabinda Cabo Verde Arguim
São Jorge da Mina Fernando Pó
Costa do Ouro Portuguesa Zanzibar

Melinde Mombaça Moçambique
Guiné Portuguesa Macassar
Quíloa São Tomé e Príncipe Mascate

Fortaleza de São João Baptista de Ajudá
Socotorá Ziguinchor Bahrain Paliacate
Alcácer-Ceguer Bandar Abbas Cisplatina

Ceilão Laquedivas Maldivas Baçaim
Calecute Cananor Chaul Chittagong
Cochim Cranganor Damão Bombaim

Dadrá e Nagar-Aveli Damão Mangalore
Diu Goa Hughli Nagapattinam
Coulão Thoothukudi Salsette Masulipatão

Surate Nagasaki Timor-Leste
São Tomé de Meliapore Mazagão
Malaca Molucas Guiana Francesa

Nova Colónia do Sacramento Bante
Brasil
Macau

Portugal
Oh sal que corrói a pele de nossas almas.

11 setembro 2007

A minha procura da poesia



Edson.
Aquela palestra do Leminski, com o quadro negro atrás, que está nos vídeos do teu blog foi aqui em Porto Alegre. Eu estava assistindo. Foi na livraria Arcano 17. A fala do Leminski me apresentou com toda a clareza algo que já tinha lido duas vezes, o próprio Jakobson e também o Haroldo de Campos falando sobre Jakobson no A arte no horizonte do provável. Mas com a fala do Paulo, o entendimento foi muito além do que conseguira nas leituras anteriores. Estava sentado quase no mesmo ângulo em que está a câmera. Foi em 1987. Eu tinha 24 anos.

por uma prática teórica
meteórica lucidez
ensinando o gesto
a entender o que fez
aprendendo com ele
a fazer o que diz
palavra e gesto,
cada um com seu texto,
façam o que eu digo
digam o que eu fiz

(in Palavra mágica, Ricardo Silvestrin, Massao Ohno,1994)

E agora 3 poemas que fiz, em épocas diferentes, para ajudar no meu luto pela morte do Paulo.

1

VIVA LEMINSKI

quem é muito vivo
leva tempo pra morrer

há mesmo os que nunca morrem
passam-se os séculos
e a gente não esquece

quem é vivo sempre aparece

(in Palavra mágica, Ricardo Silvestrin, Massao Ohno,1994)


2

não quero mais de um poeta
que a sua letra
palavra presa na página
borboleta
nem quero saber da sua vida
da verdade que nunca foi dita
mesmo por ele
que tudo que viveu duvida
não revirem a sua cova
o seu arquivo
é no seu livro que o poeta está enterrado
vivo

(in Palavra mágica, Ricardo Silvestrin, Massao Ohno,1994)

3

.ninguém precisa defender o mortO
.ele se vira sozinho na covA
.o corpo que é só pÓ
.vive no corpo do textO
.palavras vindas do aléM
.escritas ainda em vida
.assombram os vivoS
.que atacam o caixão a golpes de textos crípticoS

.ninguém precisa amar o morto agorA
.por culpa ao ódio contidO
.odeie até a eternidadE
.ódio é de quem vivE
.e mesmo mortO
.ele continua odiando vocêS

(in O Menos Vendido, Ricardo Silvestrin, Nankin, 2006)

Grande abraço.


Ricardo Silvestrin é autor de O menos vendido, ex-Peri,mental, Palavra mágica, Quase eu, Bashô um santo em mim e Viagem dos olhos, além dos infantis O baú do Gogó, Pequenas observações sobre a vida em outros planetas, É tudo invenção e Mmmmonstro!. Integra o grupo musical os poETs. É editor da ameopoema. Assina uma coluna no Segundo Caderno do jornal Zero Hora. Site: www.ricardosilvestrin.com.br

10 setembro 2007

Feitiço



algo assim tão
inatural
que chega a ser
outra natureza

algo sim não
mais factício
por demais tal
coisa feita

que de tão artifício
vira arte
vira livro
vira ofício

09 setembro 2007

Sambaqui



em meu samba sarnambi
cabem todos os restos:
é meu recanto de desterras
chão de joão-ninguém
depositório de meus erros

todos os ossos
sem nome
todos os nomes
sem boca
todas as bocas
à míngua.

o que fazer então
com as palavras?
depositá-las aqui
vomitá-las
como se vomita
uma língua.

08 setembro 2007

A vasta nuvem



há muitas espécies de flores
árvores, ervas em série e tamanhos
no planeta inundam todas as cores

por mais que haja perdas e ganhos
o abraço do céu se ergue no mundo
e a chuva deságua por sobre os rebanhos

por mais que te chames Raimundo
comungas da mesma aflição
enquanto alguns param, outros estão no gerúndio

às vezes tu dizes o sim, outras preferes o não
mas como tudo é tão vário
bebemos da mesma água e clarão

talvez seja mesmo tão raro
encontrar rimas em tamanha profusão
ou quem sabe seja mesmo a única solução.



Ilustração de Jesús Torrealba

06 setembro 2007

Insígnia



habito
este mundo

ave do paraíso
sem pernas

rascunho
que não pousa

nunca


Ilustração: Majane Silveira

05 setembro 2007

Miragem



feito intrépido pintor
a perseguir a essência
de tua visagem busco-te
fêmea magistral
nas sinuosas curvas
do tempo perco-me
e reencontro-me
para passar mais uma
miragem a sussurrar no vento
ancestral Amor, Amor, Amor...

04 setembro 2007

Linguagem



outeiro criado de acúmulos
tegumentos enrijecidos
essências exteriorizadas

depósito antiqüíssimo de
coisas que não deterioram

plástico cheio de esperma
restos que não evaporam
interiores de madrepérola

coisas não transformadas em
objetos de adorno

palavras não específicas
lamelibrânquios lâmina
branca de sentidos

forno onde se calcina
a cal da memória

fábrica de desmundos
mijos de civilizações
sambaquis

tudo que o tempo não
esquece nem se envaidece

kjokkenmodding



Ilustração: Majane Silveira