27 novembro 2009

Gustavo Felicíssimo à queima-roupa



O que é poesia para você?

O conceito de poesia é muito amplo, o que se transformou em um problema para a grande arte. Parodiando Pessoa eu poderia dizer que há poesia bastante no pôr-do-sol em Itapuã da mesma forma que em um assassinato. Agora, transformar essas matérias em um poema é que são elas.

O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?

Eu acredito, como Mário de Andrade, que o poeta é um ser fatalizado. Ou seja: nasce-se poeta. E por mais que se leia, caso o leitor não seja um poeta, jamais chegará a sê-lo. No máximo ele poderá ser um grande leitor e, se insistir, um poeta irregular, como a maioria, aliás. Ao poeta, aquele que diz a si mesmo e acredita não poder viver sem poesia, como sugere Rilke, cabe ler de maneira atenta os grandes artesãos do verso de todos os tempos, escolas e nacionalidades. Também ao poeta se pede estudo e dedicação, conhecimento formal, inclusive de versificação. Isso vale, também, àqueles que se dizem vanguardistas ou iconoclastas, pois não se pode desconstruir o que não se sabe construir. Aos admiradores do modernismo paulista eu diria que o verso é livre, mas nunca fora frouxo.

Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que estas escolhas?

Os poetas que mais gosto e admiro são: o pernambucano Alberto da Cunha Melo, sobre o qual já produzi vários ensaios, alguns deles publicados pelo Cronópios. Toda a sua obra é importante para mim, mas se tiver que escolher algum poema dele eu escolheria “Casa Vazia”, onde ele diz: Poema nenhum, nunca mais,/ será um acontecimento:/ escrevemos cada vez mais/ para um mundo cada vez menos. Que porrada, hein! Outro poeta de minha admiração é o baiano Ildásio Tavares. Ildásio, além de excelente poeta, possui uma obra vastíssima e é um grande mestre. Muitos poetas aqui da Bahia marcham nos finais de semana para sua casa a fim de se instrumentalizarem. O “home” sabe muito e eu tenho o privilégio da sua amizade. Também escrevi sobre sua obra e de sua lavra eu destaco o poema “Canto do Homem Cotidiano”, do qual trago aqui um excerto: (...) Por isso eu canto a luta sem memória/ Desse homem que perde, e não se ufana/ De no rosário de derrotas várias/ E de omissões, e condições precárias/ Poder contar com uma só vitória/ Que não se exprime nas mentiras tantas/ Espirradas sem medo das gargantas/ Mas sim no que ele vence sem saber/ E não se orgulha, campeão na história/ Da eterna luta de sobreviver. E o que dizer de Bruno Tolentino? Um fora de série total. Um poeta que, como os grandes, sempre primou pela eufonia. Seu poema que mais me agrada é “Nihil Obstat”, que corre assim:

É preciso que a música aparente
no vaso harmonizado pelo oleiro
seja perfeitamente consistente
com o gesto interior, seu companheiro

e fazedor. O vaso encerra o cheiro
e os ritmos da terra e da semente
porque antes de ser forma foi primeiro
humildade de barro paciente.

Deus, que concebe o cântaro e o separa
da argila lentamente, foi fazendo
do meu aprendizado o Seu compêndio

de opacidades cada vez mais claras,
e com silêncios sempre mais esplêndidos

foi limando, aguçando o que escutara.


Como sou chegado à exegese, também leio alguns críticos, pelos mais variados motivos. Um livro fundamental para se prevenir contra a falta de valores que se alastra pela nossa poesia é “Gênios”, de Harold Bloom. Outro texto imperdível é ”A Arte de Escrever”, do Schopenhauer. A L&PM o lançou em versão de bolso. Também presto muita atenção no que diz Affonso Romano de Sant’Anna em seu blog: http://www.affonsoromano.com.br/. Acho que é o bastante.


Gustavo Felicíssimo é poeta, ensaísta e pesquisador. Trabalha com preparação de textos para editoras e poetas. Fundou em Salvador, juntamente com outros poetas, o tablóide literário SOPA, do qual foi seu editor. Edita o blog Sopa de Poesia: www.sopadepoesia.blogspot.com