lá em casa
o menino
Jesus
com os
meninos
tinha
caso
com as
meninas
engatinhava
o menino
Jesus
lá em
casa.
lá em casa
o menino
Jesus
com os
meninos
tinha
caso
com as
meninas
engatinhava
o menino
Jesus
lá em
casa.
A biblioteca do pai de Borges
foi o fato capital de sua vida.
Ele nunca saiu dela, disse.
Em minha casa nunca tive livros.
O fato capital de minha vida
é não ter tido pai.
Minha mãe foi minha biblioteca.
Ensinou-me tudo.
Nunca saí dela.
Era analfabeta e deveria
ter se chamado Alexandria.
[Imagem: Biblioteca Nacional da República Tcheca]
Um ilhéu
fazendo a travessia.
Acima dele o céu.
Abaixo, a maresia.
Entre os fios de seu enleio,
a vida fugidia.
[O menino grapiúna by Casa de Jorge
Amado]
Sucesso na vida.
Um plano de carreira.
Aposentadoria planejada.
Lápide no cemitério.
Não tenho nada disso.
Sou um caso sem critério.
Meu currículo não Lattes,
mas morde.
Minha poesia não explode,
mas contamina.
Contra a morte precoce
não conheço melhor vacina.
há manhãs quando
nem o cheiro do
café
o jornal aberto
sobre a mesa
o sorriso franco
da amada
o chamado doce
de meu filho
o latido amigo
do cachorro
o frescor florido
da jabuticabeira
o canto verde
das maritacas
o azul-celeste
de janeiro
suprem o corpo
oco da vida
o sumo
desperdiçado
a dádiva
imerecida.
retocar
a canção
chegar
até
a
imperfeição
de mero José
a impossível João.
[da série “Cabeças”, acrílica
sobre tela colada em compensado, by Alex Flemming]
enquanto
o sol gira
e queima a aba
da
constelação Alcione
— não aquela do pistão
em riste
a outra que contamina
a tudo e triste
com fótons
pó de minas
energias sutis
nós — os chamados
humanos
entre escombros
seguimos
a
acumular mortes
e
assombros.
[Criança
morta, de Cândido Portinari]
há um
rio que nos separa
dos
outros, rio
lethos de esquecimento
oclusões,
duplos
o mundo é outro
segundo
a dualidade
do ser
a margem que nos divide
é a pele
que nos irmana
quem vislumbra o tu
é
nutriente
da relação
aquele que comunga
o isso não
é
está só.
a hora já não é mais nossa agora
uma nuvem lá fora encobre o sol
que outrora ardera sem espanto.
em todo canto não se ouve cantos
só o gemer dolorido e sem descanso
de um povo a arder de febre e
pranto.
carro
engolindo
a pista
paradoxo
de Zenão
torres
ficando
para
trás
um motor
em combustão
faísca
iluminando
a
infância
um
ursinho bem bobão
[litografia Dia e Noite de Maurits Cornelis Escher]
aqui em
meu samba
cabem
todos os restos
recanto
de desterros
chão de
joão-ninguém
repositório
de erros.
todos os
ossos
sem nome
todos os
nomes
sem boca
todas as
bocas
à
míngua.
o que
fazer
com as
palavras?
depositá-las
assim
vomitá-las
como se
vomita
uma
língua.
nenhum
mulato negro índio
nem esta
nódoa nativa, mula
das
índias ocidentais
nada com
a cor de piche
melhorada
em pixels
neca de
pepitas douradas
nenhures
nonada
zero em
exercer exercitar se excitar
nulo
deste aguadouro viscoso
seiva
preciosa de vida escoada
à
conta-gotas
chega
deste papo besunto
arranjo
de flores tardias
aulas,
estórias, assuntos
demagogia
a luz dos dias
chega de
aulas de história
e a realidade
feliz que não chega
chega
evoé, seja
bem-vindo de volta
velho
mouro.
seu corpo
encontrado boiando
inchado de Jonas
baleia sem contorno.
o que já foi meu
um dia
hoje é alimento
da poesia.
quando
os homens
e
mulheres se abatem
todo o
universo
se esbate
em
misteriosa simbiose
melancolia
jaz
soberana
sobre as
lápides.