09 dezembro 2011

Rumo ao Sol

Em janeiro irei ao Japão. Com certeza, captarei os efeitos que a poesia escrita com os pés pode deixar em seres tão delicados e reverentes à estética como os japoneses. Não há tsunami que os façam perder a compostura. Espero que não sejam os espanhóis, e muito menos um argentino, que nos façam perder a nossa.




25 novembro 2011


  
NOSTALGIA

como voltar a um lar
que nem sequer existiu
fazer o movimento pendular
recuperar a mãe
que me pariu?





17 novembro 2011

Adrienne Myrtes lança livro na Balada

















Leia um capítulo do livro:


II

           
            A xilocaína não serve para digestivo. Cheguei a essa conclusão após meu quase suicídio. Compreendi que ao tentar me esquivar da dor eu tentava mastigar a vida, ter dentes, sei lá. Coisa pra doido esquecer, não pensar, não especular. Porque de especulação em especulação posso dar de cara com minhas tripas, meus motivos subliminares e não sei se agüento, se quero ter olhos para me ver. Sou hipermetrope e gosto disso.
            Irene diz que nos salvamos pela dor, que ela nos mantém vivos. Quando pergunto de que poderíamos ser salvos ela sentencia: De nossa estupidez. Irene diz muitas coisas, nem sempre escuto, o vento fala mais alto e eu me distraio. Talvez Irene esteja certa, talvez a vida seja essa sucessão de cortes e recortes que sonhamos e que sangram. Talvez só exista verdade no sangue e na respiração. Talvez a vida seja uma engrenagem com vontade própria. Talvez eu seja um idiota cem por cento. Existe ainda a possibilidade de que minha idiotice também faça parte dessa engrenagem e como tal eu esteja enquadrado, inserido à revelia.
            Na verdade gostaria de ser salvo pela distância. Ficar afastado da vida, receber uma suspensão. Não estar com algumas pessoas, não precisar contar histórias, enredar fatos, encantar palavras para dar explicações. Explicações que não tenho nem para mim.
            Não há justificativa para o desejo de morrer, ou mesmo para a incerteza de que tenha sido ele o que moveu minha mão direita sobre o pulso esquerdo. Com a lâmina. Não. Tenho certeza de que era a morte minha meta, não poderia ser diferente. Cortar o pulso não é coisa que se faça assim, por impulso. A lâmina na mão e o gesto nervoso tateando o pensamento. E a xilocaína? Acovardamento frente à morte? Acanhamento diante da vida? Porque a dor só é possível aos vivos. Não tenho certeza de que era a meta, minha morte. E Irene? Sorte. Irene é meu demônio particular, tem força pra me proteger. Da minha estupidez. Irene é minha dor de dente.
            Não sei, meu raciocínio é um cachorro correndo atrás do rabo, em eterna desconfiança. Tenho preguiça de pensar, às vezes. Ou apenas penso que tenho, porque a maior parte do tempo penso e repenso. Dispenso comentários, sei que estou sendo contraditório e redundante, se é que é possível ser as duas coisas ao mesmo tempo.
Estou refém, cativo na cama, converso com meu travesseiro, enfronho-me em minha dor.
 Pode ser que eu esteja ficando louco ou pode ser que essa seja a sanidade possível para mim. Para a vida como ela se instala, porque minha vida é uma senhora gorda e preguiçosa espalhada no sofá da sala, sem a menor intenção de ir embora. A vida é a possibilidade que tenho no momento, o que me resta. Por isso o que tenho a fazer é me levantar da cama e começar o meu dia.
O dia caminha sem mim, não precisa de mim.
Eu adoraria não precisar de ninguém. Do amor de ninguém. Para não ter que me sentir assim, um fraco e sem Raul. Raul é meu ponto fraco, meu calcanhar. Mas não sou forte nem belo, não sou Aquiles. Luis é um nome sem rosto, um personagem que ignora seu papel. Não sou ninguém, sou um ator. Para os gregos e romanos, o papel do ator era um rolo de madeira em torno do qual se enrolava um pergaminho contendo o texto a ser dito e as instruções de sua interpretação.
Estou atrasadíssimo no grego e no latim.
Sou os personagens que tenho deixado de encenar, as possibilidades misturadas nas coxias. Raul deve ter razão. Razões que não encontro agora, entre os lençóis, onde procuro me dissolver. Entregar-me à liquidez de não saber o que fazer de mim e do resto de desejo que balbucia em meu ouvido. Raul. Provavelmente tem razão. Eu bem posso estar misturando as histórias, mas não. O que encenamos no palco foi ação teatral, sei disso, mas a reação que ele acorda em meus músculos é meu corpo quem me conta, não um script. Quero escrever uma história na pele dele, com suor e sêmen.
            Suor.
Não sei se estou com febre ou se vivo em delírio.
            Irene precisa voltar para me ajudar a acordar. Não quero me levantar, não quero tirar o pijama, menos ainda vestir uma roupa, não quero me preocupar com comida, não quero procurar um novo trabalho, não quero encontrar diretores, autores, outros atores, não quero a vida de volta. Não quero essa prática da qual a vida nos incumbe porque ela me pesa. Dá trabalho. Quero rolar na cama até Irene chegar e tomar conta de mim.
Ela achará um jeito de me fazer continuar.




                                                   by Andrea del Fuego

ADRIENNE MYRTES nasceu no Recife/Pernambuco e vive em São Paulo desde 2001. É também artista plástica. Publicou o livro de contos: A Mulher e o Cavalo e outros contos (Editora Alaúde, EraOdito Editora, 2006), a novela juvenil: A Linda História de Linda em Olinda (Editora Escala educacional, 2007) este último em parceria com o escritor Marcelino Freire e participou, das antologias Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século (Ateliê Editorial, 2004) e 35 Segredos para Chegar a Lugar Nenhum – Literatura de Baixo-Ajuda (Bertrand Brasil, 2007) entre outras. Eis o Mundo de Fora é seu primeiro romance e foi contemplado com o Prêmio Petrobras edição 2008/2009.

03 novembro 2011

QUAL SERÁ A TESTEIRA DA HOME?

Amigos,
temos 3 possibilidades de testeira para a home do site MUSA RARA.
qual vc prefere? clique na imagem para ampliar e dê seu voto.
















18 outubro 2011

ORATIO

[para Ana Lucia Vasconcelos]


carpe diem
a vida é 
curta

as carpas riem
o azul do dia
zune

o céu refletido
nas águas
léu


15 outubro 2011

Mês dos Mestres

















[José Arrabal e Anasor prestigiando um aluno]


[Texto publicado por JOSÉ ARRABAL na revista “DIRECIONAL EDUCADOR/OUT.-2011]


Dentre todas as profissões, entendo que três são as fundamentais.

Fundamental é ser Médico, ao tratar da saúde da vida.

Fundamental é ser Orientador Religioso, ao cuidar do encontro com Deus.

Fundamental é ser Professor, ao ensinar a viver.

As demais profissões, com suas evidentes importâncias, são devedoras dessas três que considero fundamentais.

Ainda que homem de variados ofícios, em minha trajetória profissional sinto-me sempre Professor. Leciono desde os dezessete anos de idade, quando pela primeira vez entrei em sala de aula para alfabetizar adultos carentes num curso gratuito de Supletivo. Creio, entretanto, que também ensino ao exercer minhas atividades de Jornalista. E há em mim claro propósito de educar, ensinar a viver, nas ocasiões em que sou Escritor às voltas com ensaios, prosa de ficção ou poesia.

Este é o mês do Mestre. No quinze de outubro comemoramos o Dia do Professor. Vastas, intensas e agradecidas são as recordações afetivas que trago de meus Mestres.

Sem jamais esquecer, lembro com evidência da ocasião em que mamãe levou-me ao encontro daquela que iria me alfabetizar, bem no limiar dos anos cinqüenta do século passado.

Em silêncio ouvi a conversa das duas, de minha mãe e da Mestra. Desta, logo me agradaram o sorriso, mais seu nome rápido e amplo – Zoé - que depois soube por meu pai ser, em grego, Vida.

(Estranho acaso das significações: em meus seis primeiros meses de existência, tive por mãe-de-leite uma senhora libanesa de vastos seios chamada Málake, que, em árabe, quer dizer Liberdade. Aos seis anos, vi-me entregue à Vida, em sua sala de aula no Grupo Escolar Monteiro da Silva, na cidade capixaba onde nasci, Mimoso do Sul. Vida & Liberdade que em mim se associam de modo essencial.).

A Professora, ao ensinar, não nos trouxe o B-A-BÁ. Com firme intuição de moderna educadora, em sala de aula lia histórias para nós. Lia com vivo sorriso, voz clara, gostosa encenação. Era um bocado divertido ouvir suas histórias.

Se nos percebia mais atraídos por alguma palavra do enredo da história lida, escrevia no quadro negro e em muitos modos de escrever - com letra de forma, manuscrita, maiúscula e minúscula – essa palavra, nos despertando a atenção para esses seus desenhos caligrafados na lousa.

Daí passávamos a repetir com a Professora a tal palavra, a princípio em voz baixa, num sussurro que progressivamente se elevava e nos levava à voz alta, quando, sob regência da Mestra, retornávamos ao sussurro de início. Então fazíamos do verbo registrado verso musicado com melodia parodiada de alguma canção bem conhecida de todos nós.

Assim brincávamos com as palavras em sala de aula.

Lembro bem, quando de uma das histórias ressaltou-se a palavra Caracol, que foi para a lousa toda encaracolada.

Claro que nos encaracolamos na sala, numa andança coletiva a princípio vagarosa até corrermos repetindo de múltiplos modos caracol-caracol-caracol.

Passados três meses de aulas, eis que num sábado, um pouco antes da hora do almoço, de olho em páginas de jornal que cobriam o piso recentemente encerado da sala de minha casa de infância, intrigado, interroguei a meu pai:

- O que é epóca? – pronunciei assim, com a tônica na segunda sílaba.

- Epóca? – estranhou papai.

- Sim, Epóca... Aqui! – apontei a palavra registrada no jornal.

- Época ! Época ! – corrigiu papai e, feliz, levantou-me do chão, seguro por suas mãos para o melhor abraço de minha vida. – Ele já sabe ler! Ele já sabe ler! – e logo levou a notícia a mamãe, com tamanho entusiasmo que a bem da verdade livrou-me da vergonha de ter lido errado, certo de que não era mau reconhecer e corrigir um erro.

Ao almoçar, honraram-me com o melhor pedaço de frango e bem maior fatia de pudim na sobremesa.

Na segunda-feira, papai e mamãe deram-me de presente uma caixa com um tabuleiro e muitas peças de madeira, meu jogo de palavras cruzadas que tenho comigo até hoje junto de outras lembranças de infância, relíquias preciosas de minha história pessoal, evidentes testemunhas de que viver é bom e aprender também, com liberdade e prazer.

Palavras cruzadas que levei para a escola já no dia seguinte e com elas vivenciamos feliz farra, através de brincadeiras sugeridas por Dona Zoé, o que mais nos encaminhou à arte de escrever.

Entendo que assim cresceu em mim o gosto por ler e escrever, no seio do prazer de recordar histórias da vida vivida. Bons sabores que sempre me encaminham, agradecido, a homenagear os Mestres que tive no decorrer de minha formação cultural, grato igualmente a todos os que me ensinaram algum lance de dados para o aprimoramento da vida.

Verdade é que, se aprendemos a viver com nossos cinco sentidos, sempre há o que aprender com alguém mais, além dos Professores nas salas de aula. Para tanto basta termos nossos sentidos receptivos, livres de preconceitos excludentes.

Outubro é o mês do Mestre.

Mês de todos, se vivemos associados por valores fraternos e solidários.

Decerto bem melhor será a vida, ao nos cumprimentarmos uns aos outros deste modo, desde a manhã:

- Bom dia, Professor!

SP/SP


José Arrabal é professor universitário, jornalista, escritor. Entre suas obras, sobressaem “O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira: Teatro” (Editora Brasiliense), “Sherlocks on the Rocks nas Diretas Já”, “A Sociedade de Todos os Povos” (Editora Manole) “A Princesa Raga-Si”, “O Livro das Origens”, “Lendas Brasileiras, Vol 1/Vol. 2”, “Cacuí O Curumim Encantado”, “As Aventuras de El Cid Campeador”, “Romeu e Julieta”. “Da Vinci das Crianças (Editora Paulinas), “A Ira do Curupira” (Editora Mercuryo Jovem), “O Noviço”, “Demeter A Senhora dos Trigais” (Editora FTD), “Stalin” (Editora Moderna), “Histórias do Japão”, “O Lobisomem da Paulista” (Editora Peirópolis) e “Anos 70 – Ainda Sob a Tempestade” (Aeroplano Editora). [MÊS DO MESTRES - JOSÉ ARRABAL – Texto publicado na revista “DIRECIONAL EDUCADOR/OUT.-2011 josearrabal@uol.com.br

13 outubro 2011

Sambaqui no Hoje em Dia/BH



















Qual foi o norte de seu livro? Poderia fazer uma pequena sinopse?

O livro foi se fazendo, no corpo a corpo com a palavra e com o amadurecimento de minhas vivências e questionamentos atuais. Apesar de gostar do ser humano, vejo suas (e minhas) ações no mundo com muito estranhamento. Depois da seleção feita, percebi que o tema da morte e da epifania perpassa o livro como uma névoa bem sólida. O poeta e compositor Antonio Cicero soube captar e pontuar bem o lance do livro quando diz, na apresentação, que “o autor de Sambaqui tornou-se capaz de reconhecer e aceitar, olho no olho, a estranheza que de fato se abate sobre tudo o que é humano. Nesse reconhecimento e nessa aceitação, Sambaqui atinge seus mais admiráveis momentos, em diversos poemas de estranha, concisa e tensa beleza.”
Eu ainda acredito no ser humano. Estou no time daqueles que creem (talvez ingenuamente) que, depois de Auschiwtz e dos milhões que morrem de fome na África, a poesia ainda precisa ser praticada e ainda é de extrema importância e eficácia para recuperarmos nossa humanidade perdida. Para o que mais serviria a linguagem?

As poesias são de lavra recente? Ou há poemas antigos que se mesclam a novos?

Meu livro anterior de poemas é de 2007. De lá pra cá, escrevi muito e amadureci sobremaneira minha escrita. Estive sempre dialogando, além da tradição, com grandes poetas ainda vivos., devido ao meu trabalho como editor do site Capitu e depois do Cronópios. Foi uma pós-graduação em literatura e poesia.
Há sempre um poema ou outro que pescamos na memória ou na gaveta de guardados e o retrabalhamos até que ele efetivamente faça o clique da caixinha se fechando, como já disse João Cabral de Melo Neto.

Como percebe a recepção da poesia no mundo atual, tão conturbado?

A recepção da poesia atualmente quase não acontece. Isso é uma questão de mercado, e você sabe que a poesia é um inutensílio, indispensável, mas ainda assim um inutensílio. Ela não tem valor de mercado.
Infelizmente, a crítica ou está morta ou dedicada apenas aos mortos. E pra arrematar o desastre, o jornalismo cultural vigente está mais preocupado com o que está rolando nos reality shows por aí, ou com aquele autor americano que ganha anualmente mais de 80 milhões de dólares em direitos autorais.
Se não fosse a web, talvez, não estivéssemos mais falando de poesia contemporânea.

No evento haverá recitação?

Não. Será um lançamento nos moldes antigos, sem performances nem desmaios na fila de espera.


[Diálogo com a jornalista Patrícia Cassese do jornal Hoje em Dia - Belo Horizonte]


21 setembro 2011


            cardume


seus olhos
na fluídica noite
da ausência
me assombram.

peixes centelham
em ardentia
de cardume.

células flageladas
calcinadas
em desprezo.



[poema: Edson Cruz]