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01 março 2010

Rio sob chuva


[Victor Paes, Tavinho Paes, Antonio Cicero, André Vallias, Márcio-André, Luis Serguilha, Karla Melo e Edson Cruz]

Na tarde de quinta, dia 25, fui para o aeroporto de Congonhas com antecedência mineira tomar o voo que me levaria ao Rio de Janeiro. Às 17h30, aconteceria o lançamento, na Livraria Travessa da rua Ouvidor, do livro “O que é poesia?”.

Confesso que não estava muito animado, pois, ainda em São Paulo soube que o aeroporto Santos Dumont estava fechado e alguns voos haviam sido redirecionados para o Galeão. Se isso acontecesse, não conseguiria chegar a tempo do evento. Além do mais, o horário me soava meio esquisito (impensável para um lançamento aqui em São Paulo) e, para complicar, havia a chuva (dizem que os cariocas não saem de casa quando está chovendo).

Por sorte, o aeroporto foi liberado e, quase no horário previsto, o avião taxiou sobre a cidade dita maravilhosa sob nuvens impedindo-me de apreciar o que dizem ser uma das mais belas paisagens aéreas do mundo. Paisagem que preciso contemplar antes de 2012, pois a julgar pelo filme catástrofe que está rolando por aí, ou pelas previsões do calendário da vez, o Maia, ou pelas observações de James Lovelock em seu novo livro, parece que não vai durar muito.

A trinca de confrades do vento, Márcio-André, Victor Paes e Ronaldo Ferrito estavam umidamente me aguardando. Já foram reforçando meu temor e predisposição sobre os cariocas. Chuva não combina com carioca nas ruas.

A divulgação do evento foi mais do que “profissa” e generosa. Deu no jornal, no rádio. Saiu resenha. Um belo contraste com o desprezo gelado da mídia paulistana para o lançamento feito na Casa das Rosas. Afinal, tanto como em São Paulo, no Rio conseguiríamos reunir uma turma de poetas bacanas de várias gerações e tendências: Affonso Romano de Sant’Anna, Antonio Cícero, André Vallias, Márcio-André, Victor Paes, Tavinho Paes e o português Luis Serguilha.

O poeta Affonso Romano não pode comparecer pois teve compromissos em Nova York. Escapou da chuva, mas topou com muita neve. Mandou um pequeno texto provocador que li na abertura do evento e que norteou muitas das questões e comentários na Livraria da Travessa. Confiram.


O QUE (NÃO) É POESIA
Affonso Romano de Sant’Anna

O poeta Edson Cruz organizou o livro de depoimentos: O QUE É POESIA. É um livro generoso. Ouviu 46 poetas brasileiros e alguns estrangeiros. O volume foi lançado primeiro na Casa das Rosas (SP) com direito a debates, poemas, música. Foi lançado esta semana na Livraria Travessa (Rio). Eu deveria estar lá, mas tive que ir a NY. Pensei em pedir que lessem apenas um poema meu que trata do tema. Depois pensei: poderia fazer um curto depoimento sobre certas questões que marcam a poesia brasileira hoje. Afinal, há mais de 50 anos que estou na estrada e vi coisas de que nem Deus mais dúvida.

Naquele livro, minha definição de poesia é, talvez, a menor de todas: " Poesia é o espanto transverberado". Na Casa das Rosas sugeri que se fizesse outro volume igual/contrário/complementar: O QUE (NÃO) É POESIA. Aprende-se também virando as questões pelo avesso.

Então, acrescento agora algumas questões que me parecem atuais. Cada uma delas merecia o capítulo de um livro e horas de discussão.

1. Quanto mais a poesia se distanciou do público mais começou a conversar (solipsisticamente) consigo mesma. E o contrário é verdadeiro: mais os poetas se fecharam em seus solilóquios de "autistas", mais se afastaram do público.

2. As vanguardas, em geral, praticaram a "estratégia da exclusão": ou seja, a história da poesia contém eu e três amigos, o resto é lixo. A "estratégia de exclusão" é uma política de poder e com ela a poesia brasileira se empobreceu. É posição dos que acham que eliminando o outro vai sobrar espaço para si. É tão danosa quanto uma estratégia de inclusão indiscriminada.

3. A aproximação entre música popular e poesia erudita é um fenômeno que mereceu teses e livros (meu inclusive). Mas nem toda letra de música é poesia. E acresce que se praticou uma poesia contaminada pela "letra de música" que, sem música, é precária.

4. Considerando uma certa produção em voga observa-se que se perdeu um "métier" do tratamento do verso enquanto unidade rítmica e formal. A indiferenciação entre prosa e poesia é um equívoco.

5. O poema curto, engraçado, tipo jogo de palavras, pode ser uma praga. Mário de Andrade lamentava "o poema piada feito para dar risada". Não é que não se pode/deve fazer poema com humor, mas transformar isto de novo em "moda" é um renovado equívoco.

6. No Brasil criou-se a falácia que o poeta tem que saber várias línguas e ser tradutor de outros poetas. Alguns poetas imigraram para a poesia alheia abandonando a sua possível poesia.

7. Poesia brasileira não é só Drummond e Cabral, que, aliás, se hostilizavam. Cabral dizia que Drummond "desbocou" depois de "Brejo das Almas". O que é uma tolice.

8. Há que reativar a obra de poetas esquecidos, detonados na guerra entre os grupos e gerações. É necessário reinventar a crítica de poesia no Brasil e prestar mais atenção em poetas fora do eixo Rio/São Paulo.

9. Enfim, somos meia dúzia de gatos pingados. Por que ficar se estraçalhando em praça pública? Avareza (formal) não conduz necessariamente à poesia. Às vezes, ela surge do seu oposto, da generosidade.