Meu filho de onze anos
adora manipular ampulhetas.
Observa atentamente o relógio
de areia
como quem assiste à dissolução
de um império.
Ele é o senhor do tempo
e nem imagina o quanto
me faz barganhar
com Tânatos.
Meu filho de onze anos
adora manipular ampulhetas.
Observa atentamente o relógio
de areia
como quem assiste à dissolução
de um império.
Ele é o senhor do tempo
e nem imagina o quanto
me faz barganhar
com Tânatos.
O olhar de Jimmu
delineia
um panorama.
Libélulas ligadas
pela cauda.
Ah, Akitsushima, Akitsushima...
Os jardins do Imperador
são meus
sonhos anotados em uma lauda.
Acima de tudo
- impassível –
o Monte Fuji.
Jimmu foi o primeiro Imperador do Japão. A casa imperial do Japão baseia-se nos descendentes diretos de Jimmu.
Akitsushima é um dos nomes antigos
do Japão e significa “Ilha das libélulas”.
Seus olhos
– na fluídica noite
da ausência –
me assombram.
Peixes centelham
em ardentia
de cardumes.
Células flageladas
– calcinadas –
com o desprezo.
[Foto by Felipe Cretella]
A função da arte
é resgatar com o siso
de suas formas
as pistas
de um anjo.
A legião de daimones
dentro de mim
abre um sorriso
de arcanjos
decaídos.
Preenchendo com o ser
o vazio do eu.
Com palavras,
o vazio da página.
Com o silêncio,
o falatório do mundo.
[Imagem: Lao Tsé Riding an Ox, de Chen
Hongshou]
não sei se me interessei pelo
jovem Marx
por ele se interessar pelos explorados
se me interessei pelos
explorados por me interessar
pelo jovem Marx
quando penso agora no jovem Marx
penso nos explorados e quando
penso nos explorados
penso no jovem Marx como me
parece
que vou me ocupar com os
excluídos
por um bom tempo parece-me que
não
vou deixar de me interessar
também pelo velho Marx
por um bom tempo
nunca saberei se me interesso pelos
deixados à margem
ou se me interesso por um jovem
já velho Marx que se interessava
pelos deixados à margem já que não
me lembro
se percebi primeiro os explorados
se percebi primeiro o
velho-jovem Marx
ou se eu próprio me vi no espelho
se eu próprio fui sempre um
excluído
se eu próprio sou e estou à margem.
[Imagem: Tela-mural Manifestación (1934), do
pintor argentino Antonio Berni]
há
tantas plantas
que não
geram flores
e são
belas
como
elas só.
tantas
palavras
se erguem suspensas
sentinelas
do ato
que as comprove.
tantos
seres
colocados
à margem
tornando-se improváveis
rizomas de lótus.
sem
linguagem nada se mostra
ao ser.
ao
calar-se, Wittgenstein falou
com a
eloquência rara
dos
tagarelas
e das
paisagens sem vento.
o
silêncio só é possível
na
morte.
mesmo
assim ele ulula
cão sem
dono
entregue
à própria sorte.
A
melhor coisa do futebol
não
é o gol.
Nem
o gole que você toma
antes,
durante ou depois.
Não
é o seu time
com
aquele hino sem tino.
Nem
o meu
e
suas estrelas sem brilho.
A
melhor coisa do futebol
poderia
ser a torcida,
seus
cantos e urros.
Não
fossem as organizadas
com
seus hooligans
dando
patadas feito burros.
E
os jogadores com seus ritos,
seus
pulinhos e cabelos
esquisitos?
Só
perdem para os juízes
e
seus horríveis modelitos.
Também
não é o goleiro
em
seu lance rasteiro
à
procura da redonda,
sua
eterna Gioconda.
A
melhor coisa do futebol
é
o drible, o olé.
É
nele que reside o pois é,
a poiésis, a techné.
Melhor
que isso tudo
só
Ele, em caixa alta.
Melhor
que a perfeição,
que
a magia do ludo.
O
ser talhado em ébano,
envolto
em glória,
gingando
pelos gramados
de
minha memória.
Não
ouso dizer seu nome,
seu
Nascimento,
seu
pedigree.
Apenas
o trago guardado,
estampado
nos álbuns.
Nas
coleções
que
nunca concluí.
Tudo é
escrita,
mesmo a
palavra
não dita.
Tudo é fábula,
mesmo o
enredo
sem
fadas.
Viver é
lavra
em uma
ficção
inaudita.
Boi,
catamênio,
chica, chico, conjunção,
costume, embaraço, escorrência, fluxo,
incômodo, lua, menarquia,
menorreia, mênstruo,
mês, paquete, pingadeira,
sangue, veículo,
visita,
volta da lua.
Quando
ela se viu grávida,
as regras já estavam sem sinonímia.
Geometrias
rasuradas
nos gramados
da memória.
Uma
coruja sobre
um ângulo reto.
O gol vazio e quieto.
A busca
principia
e se
finda no coração.
Na longa
jornada
dia a
dia se oficia.
No limite,
nos brinda
com a
iluminação.
O ser na
aurora do dia.
A dança
das imagens entre as palavras.
A viagem
de volta ao desconhecido.
Aquilo
que concerne ao cerne do ser.
A
linguagem dos pássaros sem voz.
A
hesitação sem a redenção do êxito.
O
enunciado do ser travestido em vocábulos.
A ordem
do ente na desordem dos seres.
Emoção
recuperada no deserto da história.
A ação e
o efeito de fingir-se sendo.
Parcas
arrependidas uivando pela vida.
Desígnio
de deuses esquecidos.
A pureza
selvagem do espúrio.
Tudo o
que se perde com a conceituação.
Névoa no
campo-santo.
Os que
se despedem
dos que
partem
quanto
tempo ainda
viverão?
[lendo o
Diálogo entre um Venerável e um Homem Não Iluminado do buda Nichiren
Daishonin, séc. 13]