04 julho 2012
21 junho 2012
RICARDO CORONA, na Casa das Rosas
1) O que é poesia para você?
Tenho pensado na poesia como um lugar (ou não-lugar) de sentidos incessantes, palimpsestos do sensível na frincha da significação, um lugar em que a poesia resiste independentemente do “poético”, do “poema” e do “poeta”. Poesia furtada da literatura, não figurada, mas que assume o seu sentido de ‘poesia’ como um sentido sempre por fazer. Esse lugar é antes da própria poesia, sem sê-lo propriamente poesia, mas distendido em todas as artes. Um lugar de tartamudez e prenhe de silêncios, na fresta da língua: ali, aqui...
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Bashô disse algo sobre isso (veio-me isso, aceito e cito de memória): procure o que os mais velhos não encontraram.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Hoje (também no sentido de “agora”) uma resposta para essa pergunta:
1) Arturo Carrera (poeta argentino), por causa do seu escrito con un nictógrafo, poema-livro que se compõe na escuridão para o leitor e deseja oferecer-lhe instantes luminosos, iniciando-se com uma entrega: “el escriba ha desaparecido”. Desorbitado, no lugar em que a linguagem está para todos, lugar vazio, no qual também estão as palavras, talvez distraídas, talvez atentas, mas na sua condição ante todos nós, na inadequação permanente entre significado e significante, no embaraço quando se quer atribuir significado ao desconhecido, conforme Lévi-Strauss: “o universo significou bem antes que se começasse saber o que ele significava...”.
2) Édouard Glissant, poeta, antropólogo e filósofo antilhano, autor de um livro-conferência bastante intrigante chamado Introdução a uma poética da diversidade (o único com tradução brasileira, feita por Enilce Albergaria Rocha) e, principalmente, Poétique de la Relation. Glissant, autor que discutimos muito esse ano em aulas instigantes com o professor e tradutor Maurício Mendonça Cardozo. Glissant põe em jogo muitas questões, mas o que mais repercutiu no meu trabalho poético, talvez pelo livro que escrevo no momento, foram suas idéias em relação ao épico. Ajudaram-me a concluir que pode ser possível escrever um épico hoje, mas não um épico no seu formato clássico, cujo movimento, segundo Glissant, movimento auto-afirmativo de culturas e línguas que apreendeu (cooptou) e, portanto, centralizou nesta forma quase todas as expressões e gêneros da antiguidade. Pode-se com isso perceber esta formação “atávica” das culturas, ao lado de procedimentos que levaram ao aniquilamento das línguas, por exemplo. E hoje, em meio à multiplicidade, à diversidade de expressões e formas, fora o que isso tenha de simulacro, de mentira, de ninho de nadas, e por isso, só por isso, tem que ser dito com cautela o que disse em relação ao épico, pois faz parte da formação histórica das culturas, mas, enfim, quero dizer que hoje não faz mais sentido um épico clássico, a feitura de um épico clássico, e abandonemo-lo à legitimidade histórica. Um épico contemporâneo, no meu entender, só pode ser de força centrífuga, num movimento para o fora, para o depois dos gêneros e da unidade, um épico fractal, feito de múltiplas implosões descentralizadoras – talvez eu o chamasse épico por amor ao épico clássico.
3) Raul Bopp, certamente um precursor da etnopoesia no mundo, lançou mão de procedimentos que merecem estudo mais cuidadoso, verdadeiras filigranas da fala. Bopp era um mestre na seqüência de imagens, espécie de orquestração imagética que propicia o clima ideal para o ouvido pensante, tanto na oralidade imagética de “Cobranorato” quanto na genialidade dos jogos sonoros em poemas de menor fôlego. Basta ver/ouvir “Caboclo”: (...) “O escuro apaga as árvores / Fogo desanimou na cozinha / Mia um gatinho magro no terreiro: M-i-s-é-r-i-a” (...). A sugestão da onomatopéia (“miau”) da voz do gato, mas não inscrita, revela a cena cabocla miserável. É a semântica do som. E som é para ouvir.
Dia 24/06, domingo, das 16h às 18h:
RICARDO CORONA
Ricardo Corona atua
nos seguintes campos: poesia contemporânea brasileira e
hispano-americana, estudos de relação entre as áreas artísticas
(performance, poesia sonora, artes visuais), tradução, linguagem e
cultura. É autor dos livros ¿Ahn? (Madri, Poetas de Cabra, 2012), Ahn?
(Jaraguá do Sul, Editora da Casa, 2012), Curare (Iluminuras, 2011 –
Premio Petrobras), Amphibia (Portugal, Cosmorama, 2009), Corpo sutil
(2005), Tortografia, com Eliana Borges (2003) e Cinemaginário (1999),
publicados pela Editora Iluminuras. Na área de poesia sonora, gravou o
CD Ladrão de fogo (2001, Medusa) e o livro-disco Sonorizador
(Iluminuras, 2007). Organizou a antologia bilíngue (português-inglês) de
poesia Outras praias / Other Shores (Iluminuras, 1997). Com Joca Wolff,
traduziu o livro-dobrável aA Momento de simetria (Medusa, 2005) e a
coletânea Máscara âmbar (Lumme, 2008), de Arturo Carrera (com posfácio
de Raúl Antelo) e, esparsamente, publicou traduções de Henry Michaux,
Gary Snyder e William Carlos Williams. Com Mario Cámara, Daniel Link,
Reinaldo Laddaga, Romina Freschi, Nora Domínguez, entre outros
estudiosos da literatura hispano-americana, participa do livro La poesía
de Arturo Carrera – Antología de la obra y la crítica, organizado por
Nancy Fernández e Juan Duchesne Winter (Instituto Internacional de
Literatura Iberoamericana/Universidade de Pittsburgh, 2010). Tem ensaios
e poemas publicados nas revistas Poiésis (Brasil), Tsé-tsé (Argentina),
Rattapallax (USA), Caligramme (França), Separata (México) e nos jornais
Suplemento Literário de Minas Gerais (Brasil) e caderno Mais! (Folha de
S. Paulo). Com Eliana Borges criou as revistas de poesia e arte Medusa
(1998-2000) e Oroboro (2004-2006) e com Joana Corona o jornal Vagau
(2011). Desde 1996, apresenta trabalhos performativos que envolvem
música eletroacústica, artes visuais e poesia sonora, dos quais,
destacam-se Carretel curare (2011) e as parcerias com Eliana Borges,
Tsantsa (2011), Alfabeto móvel (2010), Nomos (2009), Tambaka (2008) e
Jolifanto (2007).
23 maio 2012
O que é a Poesia?
O QUE É A POESIA?
A poesia é de longe a linguagem de
maior potência de significação – “a mais condensada forma de expressão verbal”,
no dizer de Pound –, e não é de espantar a variedade de leituras, de
idiossincrasias, de práticas que permeiam a poética contemporânea e, evidente,
a sua recepção. Tão diversas como o são os próprios seres e seus interesses.
O
poeta e editor Edson Cruz instigou a
possibilidade dessa reflexão e constatação convidando poetas de várias
linhagens e calibres a refletirem sobre o fazer poético e as referências
fundamentais para o trabalho de cada um deles.
O
resultado transformou-se em livro que será o mote para os diálogos que a Casa das
Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e
Literatura tem o prazer de oferecer (todo o último domingo do mês) a
partir de maio.
A cada encontro, um grande poeta em atividade
falará sobre sua visão de poesia, sobre suas influências, sobre a recepção de
seu trabalho e o mercado editorial, além de responder a questões do mediador e
do público presente.
PROGRAMAÇÃO
Dia 27/05, domingo, das 16h às 18h:
AUGUSTO DE CAMPOS
Augusto de Campos nasceu
em 1931. É poeta, advogado, tradutor, crítico e publicitário. Estreou em
fevereiro de 1949 na Revista de Novíssimos e logo depois publica nas páginas da
Revista Brasileira de Poesia, ligada ao clube de Poesia de São Paulo,
da geração de 1945. Em 1951 edita por conta própria o livro O Rei Menos o
Reino. No ano seguinte funda o Grupo Noigandres, com seu irmão Haroldo e o
poeta Décio Pignatari . Participando do lançamento da revista Noigandres,
publica no primeiro número os poemas “Ad Augustum per augusta” e o “Sol por
natural”. Iniciou em 1953 a série “Poetamenos”, que seria publicada em 1955, no
n.2 da revista Noigandres. Começa a publicar seus primeiros artigos
teóricos em 1955, já em outubro cunhava para a nova poesia que surgia o termo
poesia concreta. Em novembro vê seu “Poetamenos” ser oralizado pelo grupo Ars
Nova, ao mesmo tempo que realizou conferência sobre as correspondências
estéticas entre as novas artes que surgiam. Em 1956 inicia correspondência com
e.e.cummings. Finaliza com Haroldo de Campos a tradução de 17 cantares de Pound
e entrega para publicação 10 poemas de e.e.cummings. No final do ano ajuda a
organizar a I Exposição Nacional de Arte Concreta, em São Paulo e em fevereiro
do ano seguinte no Rio. Publica Noigandres n.3. Em 57 lança, como
articulista do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, textos que seriam base
do Plano Piloto para Poesia Concreta, lançado pelo grupo em 1958. Publica nesse
ano Noigandres n.4. Em 1959 entra em contato com a poesia de
Sousândrade, Em 1906 participa da realização da página Invenção no Correio
Paulistano. Publica a tradução de cummings e de Ezra Pound. Publica em invenção
estudos sobre Sousândrade. Nos anos 60 transfere sua atenção para a cultura de
massa, em especial a música popular, publicando o Balanço da Bossa, em 1968. Em
1995 lançou com seu filho, o músico Cid Campos, o CD “poesia é risco”
(Polygram). A performance criada a partir do CD, em parceria com Walter
Silveira, já foi apresentada em diversos eventos, no Brasil e no Exterior. Nos
últimos anos, Augusto de Campos vem se dedicando à feitura de poemas
“verbovocovisuais” em mídia digital. Trabalhando com um computador Macintosh e
programas de multimídia, desenvolve poemas novos, bem como releituras de obras
anteriores, com recursos de som, animação e interatividade. Em 1996, participa
da exposição Utopia como poeta do mês. Atualmente desenvolve um trabalho de
poesia utilizando-se da linguagem do computador, exibindo-os via internet. Vive
e trabalha em São Paulo.
Dia 24/06, domingo, das 16h às 18h:
RICARDO CORONA
Ricardo Corona
atua nos seguintes campos: poesia contemporânea brasileira e hispano-americana,
estudos de relação entre as áreas artísticas (performance, poesia sonora, artes
visuais), tradução, linguagem e cultura. É autor dos livros ¿Ahn? (Madri,
Poetas de Cabra, 2012), Ahn? (Jaraguá do Sul, Editora da Casa, 2012), Curare
(Iluminuras, 2011 – Premio Petrobras), Amphibia (Portugal, Cosmorama, 2009),
Corpo sutil (2005), Tortografia, com Eliana Borges (2003) e Cinemaginário
(1999), publicados pela Editora Iluminuras. Na área de poesia sonora, gravou o
CD Ladrão de fogo (2001, Medusa) e o livro-disco Sonorizador (Iluminuras,
2007). Organizou a antologia bilíngue (português-inglês) de poesia Outras
praias / Other Shores (Iluminuras, 1997). Com Joca Wolff, traduziu o
livro-dobrável aA Momento de simetria (Medusa, 2005) e a coletânea Máscara
âmbar (Lumme, 2008), de Arturo Carrera (com posfácio de Raúl Antelo) e,
esparsamente, publicou traduções de Henri Michaux, Gary Snyder e William Carlos
Williams. Com Mario Cámara, Daniel Link, Reinaldo Laddaga, Romina Freschi, Nora
Domínguez, entre outros estudiosos da literatura hispano-americana, participa
do livro La poesía de Arturo Carrera – Antología de la obra y la crítica,
organizado por Nancy Fernández e Juan Duchesne Winter (Instituto Internacional
de Literatura Iberoamericana/Universidade de Pittsburgh, 2010). Tem ensaios e
poemas publicados nas revistas Poiésis (Brasil), Tsé-tsé (Argentina),
Rattapallax (USA), Caligramme (França), Separata (México) e nos jornais
Suplemento Literário de Minas Gerais (Brasil) e caderno Mais! (Folha de S.
Paulo). Com Eliana Borges criou as revistas de poesia e arte Medusa (1998-2000)
e Oroboro (2004-2006) e com Joana Corona o jornal Vagau (2011). Desde 1996,
apresenta trabalhos performativos que envolvem música eletroacústica, artes
visuais e poesia sonora, dos quais, destacam-se Carretel curare (2011) e as
parcerias com Eliana Borges, Tsantsa (2011), Alfabeto móvel (2010), Nomos
(2009), Tambaka (2008) e Jolifanto (2007).
Dia 29/07, domingo, das 16h às 18h:
AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA
Affonso Romano de Sant’Anna: Um dia dizendo seus poemas no Festival Internacional de Poesia Pela
Paz, na Coréia (2005), ou fazendo uma série de leituras de poemas no Chile, por
ocasião do centenário de Neruda ( 2004), ou na Irlanda, no Festival Gerald
Hopkins(1996), ou na Casa de Bertold Brecht, em Berlim(1994), outro dia no
Encontro de Poetas de Língua Latina(1987), no México, ou presente num encontro
de escritores latino-americanos em Israel(1986), ou participando o
International Writing Program, em Iowa(1968), Affonso Romano de Sant’Anna tem
reunido através de sua vida e obra, a ação à palavra . Nos anos 90 foi
escolhido pela revista “Imprensa” um dos dez jornalistas que mais influenciam a
opinião pública. Em 1973 organizou na PUC/RJ a EXPOESIA, que congregou 600
poetas desafiando a ditadura e abrindo espaço para a poesia marginal; foi assim
quando em 1963, no início de sua vida literária, tornou-se um dos
organizadores da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, em Belo Horizonte. Com
esse mesmo espírito de aglutinar e promover seus pares criou, em1991, a revista
“Poesia Sempre” que divulgou nossa poesia no exterior e foi lançada tanto na
Dinamarca, quanto em Paris, tanto em São Francisco quanto New York, incluindo
também as principais capitais latino-americanas. Atento à inserção da poesia no
cotidiano, produz poemas para rádio, televisão e jornais. Tendo vários poemas
musicados (Fagner, Martinho da Vila), foi por essa e outras razões convidado a
desfilar na Comissão de Frente da Mangueira na homenagem a Carlos Drummond de
Andrade, em 1987. Apresentou-se falando seus poemas, em concerto, ao lado
do violonista Turíbio Santos. Tem também quatro CDs de poemas: um gravado por
Tônia Carrero, outro comparticipação especial de Paulo Autran, outro na sua voz
editado pelo Instituto Moreira Salles e o mais recente outro pela Luzdacidade,
com a participação de atrizes e escritoras. Seu CD de crônicas, tem
participação especial de Paulo Autran. Escreveu dezenas de livros de ensaios e
crônicas. Como cronista, aliás, substituiu Carlos Drummond de Andrade no
“Jornal do Brasil” (1984).
Curador e Mediador:
EDSON CRUZ (Ilhéus, BA) é poeta e editor do site de
Literatura e Adjacências, MUSA RARA (www.musarara.com.br).
E-mail: sonartes@gmail.com Blogue: http://sambaquis.blogspot.com
Casa das Rosas Espaço Haroldo de Campos
de Poesia e Literatura
Av. Paulista, 37 - Bela Vista
CEP.: 01311-902 - São Paulo - Brasil
(11) 3285.6986 / 3288.9447
contato.cr@poiesis.org.br
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18 maio 2012
29 fevereiro 2012
09 fevereiro 2012
Cidade Poema - Poesia na Cidade
A poesia vai à escola, ao cinema e ao shopping. Ainda frequenta livrarias, mas também se apresenta em restaurantes e laboratórios, passeia de ônibus, anda de elevador, se olha no espelho.
Lançado em abril de 2009, o Cidade Poema chega ao seu terceiro ano unindo a poesia às demais artes no objetivo de colocar a literatura na vitrine, em iniciativas que vão de outdoors a pequenos imãs de geladeira, de minimetragens poéticos a bolachas de chope, de performances teatrais a adesivos ilustrados.
Projeto capitaneado pela amiga gaúcha, Laís Chaffe.
51 91 21 77 07
51 3407 8223
09 dezembro 2011
Rumo ao Sol
Em janeiro irei ao Japão. Com certeza, captarei os efeitos que a poesia escrita com os pés pode deixar em seres tão delicados e reverentes à estética como os japoneses. Não há tsunami que os façam perder a compostura. Espero que não sejam os espanhóis, e muito menos um argentino, que nos façam perder a nossa.
25 novembro 2011
17 novembro 2011
Adrienne Myrtes lança livro na Balada
Leia um capítulo do livro:
II
A
xilocaína não serve para digestivo. Cheguei a essa conclusão após meu quase
suicídio. Compreendi que ao tentar me esquivar da dor eu tentava mastigar a
vida, ter dentes, sei lá. Coisa pra doido esquecer, não pensar, não especular.
Porque de especulação em especulação posso dar de cara com minhas tripas, meus
motivos subliminares e não sei se agüento, se quero ter olhos para me ver. Sou
hipermetrope e gosto disso.
Irene
diz que nos salvamos pela dor, que ela nos mantém vivos. Quando pergunto de que
poderíamos ser salvos ela sentencia: De nossa estupidez. Irene diz muitas
coisas, nem sempre escuto, o vento fala mais alto e eu me distraio. Talvez
Irene esteja certa, talvez a vida seja essa sucessão de cortes e recortes que
sonhamos e que sangram. Talvez só exista verdade no sangue e na respiração.
Talvez a vida seja uma engrenagem com vontade própria. Talvez eu seja um idiota
cem por cento. Existe ainda a possibilidade de que minha idiotice também faça
parte dessa engrenagem e como tal eu esteja enquadrado, inserido à revelia.
Na
verdade gostaria de ser salvo pela distância. Ficar afastado da vida, receber
uma suspensão. Não estar com algumas pessoas, não precisar contar histórias,
enredar fatos, encantar palavras para dar explicações. Explicações que não
tenho nem para mim.
Não
há justificativa para o desejo de morrer, ou mesmo para a incerteza de que
tenha sido ele o que moveu minha mão direita sobre o pulso esquerdo. Com a
lâmina. Não. Tenho certeza de que era a morte minha meta, não poderia ser
diferente. Cortar o pulso não é coisa que se faça assim, por impulso. A lâmina
na mão e o gesto nervoso tateando o pensamento. E a xilocaína? Acovardamento
frente à morte? Acanhamento diante da vida? Porque a dor só é possível aos
vivos. Não tenho certeza de que era a meta, minha morte. E Irene? Sorte. Irene
é meu demônio particular, tem força pra me proteger. Da minha estupidez. Irene
é minha dor de dente.
Não
sei, meu raciocínio é um cachorro correndo atrás do rabo, em eterna
desconfiança. Tenho preguiça de pensar, às vezes. Ou apenas penso que tenho, porque
a maior parte do tempo penso e repenso. Dispenso comentários, sei que estou
sendo contraditório e redundante, se é que é possível ser as duas coisas ao
mesmo tempo.
Estou refém,
cativo na cama, converso com meu travesseiro, enfronho-me em minha dor.
Pode ser que eu esteja ficando louco ou
pode ser que essa seja a sanidade possível para mim. Para a vida como ela se
instala, porque minha vida é uma senhora gorda e preguiçosa espalhada no sofá
da sala, sem a menor intenção de ir embora. A vida é a possibilidade que tenho
no momento, o que me resta. Por isso o que tenho a fazer é me levantar da cama
e começar o meu dia.
O dia caminha
sem mim, não precisa de mim.
Eu adoraria não
precisar de ninguém. Do amor de ninguém. Para não ter que me sentir assim, um
fraco e sem Raul. Raul é meu ponto fraco, meu calcanhar. Mas não sou forte nem
belo, não sou Aquiles. Luis é um nome sem rosto, um personagem que ignora seu
papel. Não sou ninguém, sou um ator. Para os gregos e romanos, o papel do ator
era um rolo de madeira em torno do qual se enrolava um pergaminho contendo o
texto a ser dito e as instruções de sua interpretação.
Estou
atrasadíssimo no grego e no latim.
Sou os
personagens que tenho deixado de encenar, as possibilidades misturadas nas
coxias. Raul deve ter razão. Razões que não encontro agora, entre os lençóis,
onde procuro me dissolver. Entregar-me à liquidez de não saber o que fazer de
mim e do resto de desejo que balbucia em meu ouvido. Raul. Provavelmente tem
razão. Eu bem posso estar misturando as histórias, mas não. O que encenamos no
palco foi ação teatral, sei disso, mas a reação que ele acorda em meus músculos
é meu corpo quem me conta, não um script. Quero escrever uma história na pele dele,
com suor e sêmen.
Suor.
Não sei se estou
com febre ou se vivo em delírio.
Irene
precisa voltar para me ajudar a acordar. Não quero me levantar, não quero tirar
o pijama, menos ainda vestir uma roupa, não quero me preocupar com comida, não
quero procurar um novo trabalho, não quero encontrar diretores, autores, outros
atores, não quero a vida de volta. Não quero essa prática da qual a vida nos
incumbe porque ela me pesa. Dá trabalho. Quero rolar na cama até Irene chegar e
tomar conta de mim.
Ela achará um
jeito de me fazer continuar.
by Andrea del Fuego
ADRIENNE MYRTES nasceu no Recife/Pernambuco
e vive em São Paulo desde 2001. É também artista plástica. Publicou o livro de
contos: A Mulher e o Cavalo e outros contos (Editora Alaúde, EraOdito
Editora, 2006), a novela juvenil: A Linda
História de Linda em Olinda (Editora Escala educacional, 2007) este último
em parceria com o escritor Marcelino Freire e participou, das antologias Os
Cem Menores Contos Brasileiros do Século (Ateliê Editorial, 2004) e 35 Segredos
para Chegar a Lugar Nenhum – Literatura de Baixo-Ajuda (Bertrand Brasil,
2007) entre outras. Eis o Mundo de Fora
é seu primeiro romance e foi contemplado com o Prêmio Petrobras edição
2008/2009.
03 novembro 2011
QUAL SERÁ A TESTEIRA DA HOME?
Amigos,
temos 3 possibilidades de testeira para a home do site MUSA RARA.
qual vc prefere? clique na imagem para ampliar e dê seu voto.
temos 3 possibilidades de testeira para a home do site MUSA RARA.
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18 outubro 2011
ORATIO
[para Ana Lucia Vasconcelos]
carpe diem
carpe diem
a vida é
curta
as carpas riem
o azul do dia
zune
o céu refletido
nas águas
léu
15 outubro 2011
Mês dos Mestres
[José Arrabal e Anasor prestigiando um aluno]
[Texto publicado por JOSÉ ARRABAL na revista “DIRECIONAL EDUCADOR/OUT.-2011]
Dentre todas as profissões, entendo que três são as fundamentais.
Fundamental é ser Médico, ao tratar da saúde da vida.
Fundamental é ser Orientador Religioso, ao cuidar do encontro com Deus.
Fundamental é ser Professor, ao ensinar a viver.
As demais profissões, com suas evidentes importâncias, são devedoras dessas três que considero fundamentais.
Ainda que homem de variados ofícios, em minha trajetória profissional sinto-me sempre Professor. Leciono desde os dezessete anos de idade, quando pela primeira vez entrei em sala de aula para alfabetizar adultos carentes num curso gratuito de Supletivo. Creio, entretanto, que também ensino ao exercer minhas atividades de Jornalista. E há em mim claro propósito de educar, ensinar a viver, nas ocasiões em que sou Escritor às voltas com ensaios, prosa de ficção ou poesia.
Este é o mês do Mestre. No quinze de outubro comemoramos o Dia do Professor. Vastas, intensas e agradecidas são as recordações afetivas que trago de meus Mestres.
Sem jamais esquecer, lembro com evidência da ocasião em que mamãe levou-me ao encontro daquela que iria me alfabetizar, bem no limiar dos anos cinqüenta do século passado.
Em silêncio ouvi a conversa das duas, de minha mãe e da Mestra. Desta, logo me agradaram o sorriso, mais seu nome rápido e amplo – Zoé - que depois soube por meu pai ser, em grego, Vida.
(Estranho acaso das significações: em meus seis primeiros meses de existência, tive por mãe-de-leite uma senhora libanesa de vastos seios chamada Málake, que, em árabe, quer dizer Liberdade. Aos seis anos, vi-me entregue à Vida, em sua sala de aula no Grupo Escolar Monteiro da Silva, na cidade capixaba onde nasci, Mimoso do Sul. Vida & Liberdade que em mim se associam de modo essencial.).
A Professora, ao ensinar, não nos trouxe o B-A-BÁ. Com firme intuição de moderna educadora, em sala de aula lia histórias para nós. Lia com vivo sorriso, voz clara, gostosa encenação. Era um bocado divertido ouvir suas histórias.
Se nos percebia mais atraídos por alguma palavra do enredo da história lida, escrevia no quadro negro e em muitos modos de escrever - com letra de forma, manuscrita, maiúscula e minúscula – essa palavra, nos despertando a atenção para esses seus desenhos caligrafados na lousa.
Daí passávamos a repetir com a Professora a tal palavra, a princípio em voz baixa, num sussurro que progressivamente se elevava e nos levava à voz alta, quando, sob regência da Mestra, retornávamos ao sussurro de início. Então fazíamos do verbo registrado verso musicado com melodia parodiada de alguma canção bem conhecida de todos nós.
Assim brincávamos com as palavras em sala de aula.
Lembro bem, quando de uma das histórias ressaltou-se a palavra Caracol, que foi para a lousa toda encaracolada.
Claro que nos encaracolamos na sala, numa andança coletiva a princípio vagarosa até corrermos repetindo de múltiplos modos caracol-caracol-caracol.
Passados três meses de aulas, eis que num sábado, um pouco antes da hora do almoço, de olho em páginas de jornal que cobriam o piso recentemente encerado da sala de minha casa de infância, intrigado, interroguei a meu pai:
- O que é epóca? – pronunciei assim, com a tônica na segunda sílaba.
- Epóca? – estranhou papai.
- Sim, Epóca... Aqui! – apontei a palavra registrada no jornal.
- Época ! Época ! – corrigiu papai e, feliz, levantou-me do chão, seguro por suas mãos para o melhor abraço de minha vida. – Ele já sabe ler! Ele já sabe ler! – e logo levou a notícia a mamãe, com tamanho entusiasmo que a bem da verdade livrou-me da vergonha de ter lido errado, certo de que não era mau reconhecer e corrigir um erro.
Ao almoçar, honraram-me com o melhor pedaço de frango e bem maior fatia de pudim na sobremesa.
Na segunda-feira, papai e mamãe deram-me de presente uma caixa com um tabuleiro e muitas peças de madeira, meu jogo de palavras cruzadas que tenho comigo até hoje junto de outras lembranças de infância, relíquias preciosas de minha história pessoal, evidentes testemunhas de que viver é bom e aprender também, com liberdade e prazer.
Palavras cruzadas que levei para a escola já no dia seguinte e com elas vivenciamos feliz farra, através de brincadeiras sugeridas por Dona Zoé, o que mais nos encaminhou à arte de escrever.
Entendo que assim cresceu em mim o gosto por ler e escrever, no seio do prazer de recordar histórias da vida vivida. Bons sabores que sempre me encaminham, agradecido, a homenagear os Mestres que tive no decorrer de minha formação cultural, grato igualmente a todos os que me ensinaram algum lance de dados para o aprimoramento da vida.
Verdade é que, se aprendemos a viver com nossos cinco sentidos, sempre há o que aprender com alguém mais, além dos Professores nas salas de aula. Para tanto basta termos nossos sentidos receptivos, livres de preconceitos excludentes.
Outubro é o mês do Mestre.
Mês de todos, se vivemos associados por valores fraternos e solidários.
Decerto bem melhor será a vida, ao nos cumprimentarmos uns aos outros deste modo, desde a manhã:
- Bom dia, Professor!
SP/SP
José Arrabal é professor universitário, jornalista, escritor. Entre suas obras, sobressaem “O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira: Teatro” (Editora Brasiliense), “Sherlocks on the Rocks nas Diretas Já”, “A Sociedade de Todos os Povos” (Editora Manole) “A Princesa Raga-Si”, “O Livro das Origens”, “Lendas Brasileiras, Vol 1/Vol. 2”, “Cacuí O Curumim Encantado”, “As Aventuras de El Cid Campeador”, “Romeu e Julieta”. “Da Vinci das Crianças (Editora Paulinas), “A Ira do Curupira” (Editora Mercuryo Jovem), “O Noviço”, “Demeter A Senhora dos Trigais” (Editora FTD), “Stalin” (Editora Moderna), “Histórias do Japão”, “O Lobisomem da Paulista” (Editora Peirópolis) e “Anos 70 – Ainda Sob a Tempestade” (Aeroplano Editora). [MÊS DO MESTRES - JOSÉ ARRABAL – Texto publicado na revista “DIRECIONAL EDUCADOR/OUT.-2011 josearrabal@uol.com.br
13 outubro 2011
Sambaqui no Hoje em Dia/BH
Qual foi o norte de seu livro? Poderia fazer uma pequena sinopse?
O livro foi se fazendo, no corpo a corpo com a palavra e com o amadurecimento de minhas vivências e questionamentos atuais. Apesar de gostar do ser humano, vejo suas (e minhas) ações no mundo com muito estranhamento. Depois da seleção feita, percebi que o tema da morte e da epifania perpassa o livro como uma névoa bem sólida. O poeta e compositor Antonio Cicero soube captar e pontuar bem o lance do livro quando diz, na apresentação, que “o autor de Sambaqui tornou-se capaz de reconhecer e aceitar, olho no olho, a estranheza que de fato se abate sobre tudo o que é humano. Nesse reconhecimento e nessa aceitação, Sambaqui atinge seus mais admiráveis momentos, em diversos poemas de estranha, concisa e tensa beleza.”
Eu ainda acredito no ser humano. Estou no time daqueles que creem (talvez ingenuamente) que, depois de Auschiwtz e dos milhões que morrem de fome na África, a poesia ainda precisa ser praticada e ainda é de extrema importância e eficácia para recuperarmos nossa humanidade perdida. Para o que mais serviria a linguagem?
As poesias são de lavra recente? Ou há poemas antigos que se mesclam a novos?
Meu livro anterior de poemas é de 2007. De lá pra cá, escrevi muito e amadureci sobremaneira minha escrita. Estive sempre dialogando, além da tradição, com grandes poetas ainda vivos., devido ao meu trabalho como editor do site Capitu e depois do Cronópios. Foi uma pós-graduação em literatura e poesia.
Há sempre um poema ou outro que pescamos na memória ou na gaveta de guardados e o retrabalhamos até que ele efetivamente faça o clique da caixinha se fechando, como já disse João Cabral de Melo Neto.
Como percebe a recepção da poesia no mundo atual, tão conturbado?
A recepção da poesia atualmente quase não acontece. Isso é uma questão de mercado, e você sabe que a poesia é um inutensílio, indispensável, mas ainda assim um inutensílio. Ela não tem valor de mercado.
Infelizmente, a crítica ou está morta ou dedicada apenas aos mortos. E pra arrematar o desastre, o jornalismo cultural vigente está mais preocupado com o que está rolando nos reality shows por aí, ou com aquele autor americano que ganha anualmente mais de 80 milhões de dólares em direitos autorais.
Se não fosse a web, talvez, não estivéssemos mais falando de poesia contemporânea.
No evento haverá recitação?
Não. Será um lançamento nos moldes antigos, sem performances nem desmaios na fila de espera.
[Diálogo com a jornalista Patrícia Cassese do jornal Hoje em Dia - Belo Horizonte]
06 outubro 2011
21 setembro 2011
cardume
seus olhos
na fluídica noite
da ausência
me assombram.
peixes centelham
em ardentia
de cardume.
células flageladas
calcinadas
em desprezo.
[foto: Felipe Cretella]
[poema: Edson Cruz]
10 setembro 2011
04 setembro 2011
Flashes na Martins Fontes
Sábado foi um dia corrido. Eram três horas e eu ainda estava na Vila Madalena, atrasadíssimo. Quando cheguei esbaforido, e sem almoçar, o grande Torrano já estava lá, sentado, me esperando. Figura. Ainda bem que o Gercio Tanjoni e o Leo Gonçalves também atrasaram. Havíamos marcado antes para azeitarmos apresentações mútuas e captações de imagens.
Ao final, deu tudo certo: amigos começaram a chegar. Gente que não via há muito tempo. Gente que não esperava que viesse. Surpresas e algumas ausências. Vinho argentino rolando e eu tomando água, pois estava com o estômago vazio.
As primeiras imagens que me chegaram foram estas. Depois, posto uma seleta. Gracias a todos...
[Jaa Torrano e sua Valquíria foram os primeiros a chegar. A tarde pressupunha uma teogonia.]
[Augusto de Campos diz que fazer poesia não é fácil e pede para eu autografar na página do poema que ele assinaria embaixo. Minha dedicatória foi maior do que o poema. Emoção.]
[Tom Mitsuo foi o mais irreverente da tarde]
[Edson Cruz, Gercio Tanjoni e Leo Gonçalves, parceiros na captação do evento]
Fotos: by Elizete Lee
Ao final, deu tudo certo: amigos começaram a chegar. Gente que não via há muito tempo. Gente que não esperava que viesse. Surpresas e algumas ausências. Vinho argentino rolando e eu tomando água, pois estava com o estômago vazio.
As primeiras imagens que me chegaram foram estas. Depois, posto uma seleta. Gracias a todos...
[Jaa Torrano e sua Valquíria foram os primeiros a chegar. A tarde pressupunha uma teogonia.]
[Augusto de Campos diz que fazer poesia não é fácil e pede para eu autografar na página do poema que ele assinaria embaixo. Minha dedicatória foi maior do que o poema. Emoção.]
[Tom Mitsuo foi o mais irreverente da tarde]
[Edson Cruz, Gercio Tanjoni e Leo Gonçalves, parceiros na captação do evento]
Fotos: by Elizete Lee
31 agosto 2011
30 agosto 2011
Palavra Inquieta - Melancolia
[gravado por Leo Gonçalves, para o programa Palavra Inquieta]
A criação de Homero.
A eloquência ágrafa
de Sócrates.
Os desenhos de Leonardo.
As suítes sublimes de Bach.
Os píncaros de Beethoven
e seus quartetos de cordas.
O spleen e seus poetas visionários.
A viagem babélica de Joyce.
Os múltiplos sentires de Pessoa.
O Grande Sertão de Guimarães.
O último filme de von Trier.
Não significam nada.
Neste instante
uma criança esquálida
morre de fome
aqui,
ou em algum canto ali
de nossa ressequida
África.
25 agosto 2011
O valor da crítica - Debate
O Itaú Cultural realizou o III Seminário Internacional Rumos Jornalismo Cultural - pRINCÍPIOS iNCONSTANTES (p//i). Nesta mesa, o tema é a crise da crítica em um cenário de produção intensa e novos processos de validação derivados dos meios digitais. Participam Luís Antônio Giron (Revista Época), Fabio Malini (Ufes) e Stuart Stubbs (Loud and Quiet). A mediação é de Jeder Janotti (Ufal).
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