23 março 2010

O futuro da língua e a Internet


[Meu filho, Tom Mitsuo, consulta seus emails]

Não há dúvidas de que vivenciamos um momento único. Para o bem e para o mal. Novas necessidades, novas atitudes e novos fazeres geram novos conceitos, novas palavras, novas relações com a língua falada e escrita e, no limite, devem mudar nossa maneira de encarar o mundo e a vida.

O filósofo Pierre Lévy cunhou a palavra-conceito cibercultura que já contaminou nossa maneira de pensar, falar, criar e de nos relacionar. No centro deste conceito está, a meu ver, a não linearidade proposta pelos hipertextos, a comunicação flexível e de mão dupla onde não há mais uma hierarquização visível do produtor de sentidos e nem um topos delimitado.

Transitamos da galáxia de Gutemberg para a galáxia da Internet, com todos os seus agregados e desdobramentos possíveis. E a lingua já está em contaminação. O futuro da língua portuguesa depende, então, de uma presença mais concreta e consciente neste universo da tecnologia da informação.

Até o chamado “letramento”, considerado como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, está se readequando e, não há dúvidas, com consequências para a sociedade e para a língua que irmana tal sociedade.

Não há como fechar os olhos ou simplesmente dizer que se escreve mal e rapidamente na Internet. Que o inglês está contaminando a escrita utilizada na web. Que se come a grafia das palavras entre os mais jovens, etc. A preguiça e o conservadorismo têm que ser deixados de lado.

Nunca se escreveu e se leu tanto quanto nestas últimas décadas. Tantos emails trocados. Tantos blogues criados e abandonados e mais tantos sendo criados neste exato instante. Internet mais acessível. Computadores sendo vendidos a prazo pelas Casas Bahia. E, me parece, que nunca se produziu tantos textos literários, ou pretensamente literários. Ou, pelo menos, nunca se tornou tão visível a produção dos mesmos.

Não é necessário ser um especialista em linguística, nem concordar com as ideias do linguista americano Steven Fischer, para perceber que a língua é viva e dinâmica e se transforma com ou sem o nosso olhar diacrônico.

Segundo Fischer, em mais ou menos 300 anos, nosso querido português brasileiro se transformará em uma espécie de portunhol. Talvez o “portunhol selvagem” já apregoado e bem utilizado pelo nosso “poeta de fronteiras”, Douglas Diegues.

Mas o futuro é incerto. Certo, apenas, é o presente. E o que fazemos dele. Há pouco tempo, ninguém apostaria na influência mundial da Internet. E mesmo atualmente, com a mundialização, ou globalização, quem preveria a emergência de regionalismos e nacionalismos incentivados pela própria Internet?

Temos - nós escritores, editores, professores e amantes da língua – que correr. No mês passado, a gigante editorial americana Simon & Schuster ditou novas regras para seus escritores. E quais são elas? Abrir um blogue. Criar uma página no Facebook. Gerar conteúdo em redes sociais literárias. Enfim, interagir. Sair dos escritórios empoeirados ou da redoma criativa.

A língua exige o mesmo de nós. Que interfiramos no processo. Que escrevamos bem em nossos emails. Que atualizemos constantemente nossos sites e blogues e chats e hot-sites e demais sítios que pudermos. Que escrevamos muitos caracteres, sim. Nada de se curvar à rapidez, às poucas palavras, ao pensamento de que o outro não lerá um texto mais denso. Usemos o Skype. Criemos Podcasts. Deixemos nossa voz reverberar no ciberespaço. Cravemos nossa bandeira lusófona lá.

E no sétimo dia, Deus observando sua criação regozijou-se. No oitavo, o Google chegou e apoderou-se de tudo.


[Texto base de minha participação na Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial, dias 27 e 28/03, em Brasília]

3 comentários:

  1. Que boa leitura, Edson... além de uma imensa reflexão, mexe e remexe com nosso fluit linguístico.

    Um abraço carinhoso e sucesso em Brasília.

    Carmen Silvia Presotto

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  2. ups, fluir linguístico!!!

    Abraços,

    Carmen.

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  3. MUITO BOM Edson!
    Este é um tema que muito tem me angustiado. Quando vejo os textos que meus filhos digitam na internet ...
    Discuto de maneira ferrenha.
    Escrevi até uma crônica sobre o assunto (um desabafo).
    Devemos nos situar nesse novo universo. Somos uma geração de transição, temos que cumprir nosso papel.
    Uma coisa é ouvir um mineiro conversando, utilizando de todo o regionalismo que enriqueceu, ao longo dos séculos, a língua portuguesa. Outra, são essas palavras intercortadas, essas interjeições, esses rabiscos sem sentido...
    Boa conferência!

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