13 novembro 2015

Literatura e Formação do Brasil



O Sesc Pinheiros organiza esta série de diálogos sobre a formação do Brasil, da identidade brasileira e da cultura do ponto de vista da Literatura e dos escritores. Me pediram pra mediar o diálogo destas duas figuras tão diferentes e tão sedutoras (cada um a seu modo). Cristovão Tezza é uma simpatia, bem-humorado e muito bem informado. O Marcelo Rubens Paiva, que eu não conhecia pessoalmente, foi uma bela surpresa. Irônico, questionador e educado. O papo poderia seguir tranquilamente em uma mesa de bar, ou na sala de casa.

O Sesc, na figura do brother André Dias - idealizador e instigador do belo projeto -, me pediu também que eu introduzisse o tema com um texto. Compartilho, então, com quem se interessar o texto que li na abertura:

"Dizem que a Literatura no Brasil nasceu a partir dos primeiros escritos de viajantes e missionários europeus que documentavam as informações sobre a terra recém-colonizada. Podemos dizer que o próprio Brasil e os brasileiros foram forjados por esses escritos testemunhais. Sempre pelo olhar do colonizador.

Embora esses primeiros escritos não possam ser considerados como Literatura de fato, por estarem demasiadamente presos à crônica histórica, são compreendidos como o ponto de partida para a formação de nossa identidade literária e cultural.

Sabemos, também, que há várias visões e narrativas sobre o que seria e o que poderia vir a ser o Brasil, o brasileiro e a sua cultura em formação.

Para um escritor, tudo não passa de narrativas.

Será interessante ouvir o que escritores pensam sobre essas narrativas; narrativas que não foram forjadas só pelos historiadores, mas também pelos próprios escritores no afã de entender o que seria este país que abraça povo tão exuberante e contraditório.

Alguns de nossos escritores se rebelaram contra o argumento de que nós seríamos a projeção de uma utopia europeia; aquela Visão do Paraíso descrita por Sérgio Buarque de Hollanda. Outros construíram seu olhar narrativo buscando formatar esta utopia projetada pelos europeus. Outros ainda diziam: “Não há o que desculpar. Todas as colonizações são más, mas esta resultou em algo extraordinário que chamamos Brasil.”

O filósofo Paul Ricoeur compara o homem contemporâneo e o historiador com o sonhador e o narrador do sonho.

O contemporâneo é o sonhador; seu vivido é como o sonho. Ele vive e convive com a noite, entre eventos desconexos e desarticulados. Vive o mistério de um espetáculo desconhecido que é a sua própria vida e ele a sua própria expressão.

O historiador é o sonhador no dia seguinte: um narrador do seu sonho. Acordado, ele tentará se lembrar do que sonhou e fará uma narrativa do sonho. A narrativa não é o sonho ou a sua vivência exatamente, mas sim, um esforço de organização e atribuição de sentido.

Os escritores, eu acrescentaria para complicar, são uma soma de tudo isso: além de sonharem e serem exímios em narrativas sonhadas ou vividas, narram o que ninguém ousou sonhar ou viver. Inventam e, às vezes, suas invenções são mais reais do que o rei.

Eles seguem observando, idealizando e gerando novas e extraordinárias narrativas. Não necessariamente nesta ordem:

José de Alencar e sua lenda fundadora da nacionalidade: a imagem majestosa do ameríndio Peri.

Euclides da Cunha e sua construção da figura do sertanejo (aquele que é, antes de tudo, um forte).

Gilberto Freire e sua visualização de um novo mundo nos trópicos: segundo ele, a mais bem-sucedida experiência da colonização portuguesa.

Mário de Andrade, suas pesquisas etnográficas e sua identificação do brasileiro essencial: Macunaíma, o sonso sabido, o herói irresponsável, o consequente-inconsequente, aquele sedutor que não sustenta nenhum projeto.

Sergio Buarque de Hollanda e sua busca pela alma da terra brasileira nas raízes da lusitanidade; as relações patrimoniais escoradas no favor e revelando o verdadeiro caráter do “homem cordial” brasileiro. E concluindo que o futuro só poderá ser construído com o rompimento com parte do passado aprisionador.

Caio Prado interpretando de forma materialista os ciclos econômicos do Brasil.

Antonio Candido que, enquanto a elite se empenhava em formar uma nação, se empenha com a sua Formação da Literatura Brasileira, sua identificação de momentos decisivos.

Alfredo Bosi e sua dialética da colonização. Percebendo e iluminando-nos a respeito das relações entre as palavras ‘colônia’, ‘culto’ e ‘cultura’ (colo-cultus-cultura), ou seja, que na raiz do nome ‘colônia’ e do verbo ‘colonizar’ está o verbo latino ‘colo’, de cujas formas participais derivam os termos ‘culto’ e ‘cultura’.

Roberto Schwarz e a identificação de nossas ideias fora do lugar, onde tenta elucidar como se deu a leitura de uma sociedade na qual as ideias liberais foram solapadas pela realidade de um país escravocrata e socialmente atrasado, em que o favor era a moeda corrente.


E, por falar em país escravocrata, não podemos esquecer do escritor modelo e copiado, idealizador da Academia Brasileira de Letras, seu primeiro presidente, o negro enrustido Machado de Assis. Pai, em alguma medida, de todos nós.”

13 agosto 2015

Diálogos Críticos

Há muito tempo que projeto esses diálogos. Uma oportunidade de conversar com calma com algumas pessoas-pensantes que admiro sobre temas diversos (reais ou imaginários) e que, imagino, nos acrescentarão muito. Bom começar com o Hansen. Suas aulas na Letras da USP foram as mais concorridas e das mais intrigantes que já assisti. Com certeza, o papo será muito bom.

O lance todo será transmitido pelo canal da Casa das Rosas no Youtube e com possibilidades de recebermos perguntas do Brasil todo via twitter. Imperdível.




26 junho 2015

PATOS MANDARINS




    Marido e mulher, duas asas
    que garantem o voo do pássaro.
    Dois camarões fidelíssimos
    jurando compartilhar o mesmo buraco 
    enquanto vivos, jamais se separar.

    Cunham palavras para nomear
    o que talvez seja mais amplo e misterioso
    que o universo.

    Fiquemos com a mais bonita e perigosa: ‘Amor’.

    Por muitos e muitos anos
    compartilham camas e travesseiros,
    divertem-se sob mantas com delicados bordados
    de patos mandarins,
    festejam muitos aniversários,
    saúdam variados pores-do-sol,
    fotografam flores e bebês.

    No entanto, a travessia pós-vida 
    é inevitável. 
    Jamais poderá ser compartilhada.
    Nesse percurso solitário,

    o que poderia confortá-los?



    Obs.: Os patos mandarins são símbolos da felicidade conjugal. Acredita-se que o casal de patos se mantém fiel durante toda a vida. Citado por Nichiren Daishonin em seu escrito “As Catorze Calúnias”.

21 junho 2015

Trecho do romance "Áurea" (inédito)


A Teoria do Caos, embora inicialmente não tivesse essa intenção, parece servir às mais estapafúrdias conclusões. Inclusive para mostrar a inexistência do acaso. Poderia o bater de asas de uma borboleta no Brasil desencadear um tornado em São Francisco? Pequenas mudanças em variáveis de um determinado acontecimento, percebeu-se, poderiam produzir efeitos desproporcionais. O que tornaria legítima a seguinte questão: o que a burocracia militar americana teria a ver com a maior capital gay do planeta? O tema daria uma ótima tese com cálculos holísticos avançados. Durante a Segunda Guerra Mundial, todo militar americano que fosse suspeito de homossexualidade teria que passar por uma avaliação feita por uma junta militar em São Francisco. Conta-se que, entre 1941 e 1945, passaram por lá e foram mal avaliados para o exercício da profissão, quase 10 mil militares gays e lésbicas. No final das contas, os reprovados acabavam por ficar na cidade. Os militares e sua homofobia, mesmo sem o querer, contribuíram para criar a base da maior colônia gay do planeta. Poderíamos chamar a esse caso específico não de manifestação do Efeito Borboleta e sim do Efeito Arco-Íris, o que mudaria toda a terminologia pseudocientífica da teoria. Álvaro riu de seu próprio raciocínio. No fundo, nenhuma teoria científica conseguiria suprir o buraco negro em seu peito. Porém, ele perseverava, não sem uma boa pitada de banzo.

18 junho 2015

2015 promete...


Retomanos o site/revista Musa Rara, iniciamos colaboração com resenhas críticas no jornal Rascunho e vários outros projetos estão se concretizando. Um deles será supimpa. Começa em setembro na CASA DAS ROSAS. Dê uma conferida, em primeira mão.


DIÁLOGOS CRÍTICOS


O que torna algo uma obra de arte? O que é a literatura? Para que serve a arte? A crítica literária é importante? Como ela se realiza? O que é cultura relevante? Como distinguir Natureza de Ideologia? Como lidar com a indústria cultural sem ser devorado por ela? Ler traz alguma contribuição benéfica para o ser humano? A cibercultura veio destruir a cultura como a conhecemos? Homo Sapiens ou Homo Ludens? O que é mais importante: o bem, o belo ou o benefício?


Dialogar talvez seja a forma suprema de conhecimento. Desde Sócrates é assim. Convidamos algumas de nossas melhores cabeças para nos ajudar a refletir sobre essas e tantas outras questões pertinentes ao homem contemporâneo. Venha participar conosco, ao vivo ou com suas questões pela internet.


25/9/2015 – Sexta-Feira, às 19h30

Convidado de estreia:

João Adolfo Hansen é doutor em literatura brasileira pela USP e, atualmente, professor titular da mesma instituição. Tem 13 livros publicados e dezenas de artigos em periódicos especializados, assim como capítulos de livros. Já orientou 24 dissertações de mestrado, 17 teses de doutorado e inúmeros trabalhos de iniciação científica. Recebeu o Prêmio Jabuti na categoria Ensaio (1990) e o Grande Prêmio da Crítica da APCA (2014). Sua área de atuação são os Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa.

Mediador e provocador:

Edson Cruz é escritor e editor do portal MUSA RARA (www.musarara.com.br). Graduado em Letras pela USP, publicou três livros de poesia, uma adaptação em prosa do clássico indiano Mahâbhârata e um livro de depoimentos sobre o que seria a Poesia. Seu poemário mais recente, Ilhéu (Editora Patuá), foi semifinalista do Prêmio Portugal Telecom 2014. 


Se você quer saber quem é o Hansen, veja este papo que tive com ele alguns anos atrás:


                                                                Conversa com João Adolfo Hansen