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26 janeiro 2009

Carlito Azevedo à queima-roupa


[foto: Marília Garcia]



1) O que é poesia para você?

Algo tão generoso que às vezes até se dá ao trabalho de aparecer uma ou duas vezes num bom livro de poemas.

Desde a invenção do cinema ela também tem gostado de dar as suas caras na grande tela, principalmente em filmes de René Clair, Jean Vigo, ou naquele, belíssimo, de Jean Cocteau em que Orfeu, antes de dar o primeiro passo inferno abaixo, em busca de Eurídice, pronuncia as palavras mágicas: “O espelho deveria refletir um pouco mais antes de nos devolver a nossa face”.

Hokusai, que sabia do que ela era feita, às vezes a colocava numa onda, num galo, numas mulheres atravessando uma ponte.

Minha mais recente visão dessa metamórfica criatura foi aqui, em letras e sons:

http://www.palabravirtual.com/index.php?ir=ver_voz1.php&wid=381&p=Ernesto%20Cardenal&t=Como%20latas%20de%20cerveza%20vacías


2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?

Sapos de verdade em jardins imaginários, como queria Marianne Moore.


3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?

Em primeiro lugar vou avisando que é uma escolha prospectiva, e não retrospectiva. Em vez de falar do que é uma referência para o que eu fiz, vou falar do que é uma referência para o que eu quero fazer. Ah, e em vez de "explicar" a minha escolha prefiro "ilustrar" a minha escolha, por isso, cada poeta será acompanhado por um poema de sua autoria. Lembrei agora de uma menina japonesa que vi na exposição de Miró, anos atrás, e que diante do namorado que pedia que ela lhe "explicasse" Miró pois ele, ao fim da exposição, não tinha entendido nada, respondeu apenas que se ele já tinha visto os quadros e não entendia nada, não adiantava explicar, porque o que ele ia entender era a explicação e não os quadros.


A) Susana Thénon, a notável poeta argentina nascida em 1935, e falecida ao 56 anos. Utilizo aqui a ótima tradução feita por Angélica Freitas e publicada na "Modo de usar & co" digital.


– onde é a saída?
– desculpe?
– perguntei onde é a saída
– não
não há saída
– mas como se eu entrei?
– claro
lembro de você
e além disso a vejo
mas saída
saída não há
viu?
– mas não pode ser
vou sair por onde entrei
– não
já está muito tarde
desde as dez a entrada está proibida
e além disso o que você quer? que me façam uma lavagem
cerebral
por deixar uma pessoa sair
pela entrada?
– escute
deve haver uma maneira de chegar à rua
– já perguntou em informações?
– sim
mas me mandaram vir aqui
– pois é
e eu estou dizendo que não há saída
– onde é o telefone?
– vai ligar para quem?
– para a polícia
– aqui é a polícia
– mas você está louco? aqui é uma sala de
concertos
– isso até certa hora
depois é a polícia
– e o que vai acontecer comigo?
– depende do delegado de plantão
se for o Loiácono
pode te deixar barato
e em menos de alguns dias você está fora
– mas isso é uma loucura
onde estão as outras pessoas
– setor de detidos
primeiro subsolo
– por que
estão fazendo
isso?
– vamos tia
não me diga que nunca foi a um concerto


*

B) Frank O'Hara, o incrível poeta norte-americano, morto tão jovem (aqui em tradução da poeta Luiza Franco Moreira que saiu na Inimigo Rumor 9):


Uma Coca-cola com Você

é ainda melhor que uma viagem a San Sebastian, Irun, Hendaye, Biarritz, Bayonne
ou que ficar enjoado na Travessera de Gracia em Barcelona
em parte porque nessa camisa laranja você parece um São Sebastião melhor e mais feliz
em parte porque eu gosto tanto de você, em parte porque você gosta tanto de iogurte
em parte por causa das tulipas laranja fluorescente contra a casca branca das árvores
em parte pelo segredo que nos vem ao sorriso perto de gente e de estatuária
é difícil quando estou com você acreditar que exista alguma coisa tão parada
tão solene tão desagradável e definitiva como estatuária quando bem na frente delas
na luz quente de Nova York às quatro da tarde nós estamos indo e vindo
de um lado para o outro como a árvore respirando pelos olhos de seus nós
e a exposição de retratos parece não ter nenhum rosto, só tinta
de repente você se surpreende que alguém tenha se dado ao trabalho de pintá-los
olho
pra você e prefiro de longe olhar para você do que para todos os retratos do mundo
exceto talvez às vezes o Cavaleiro Polonês que de qualquer maneira está no Frick
aonde graças a Deus você nunca foi de modo que eu posso ir junto com você a primeira vez
e isso de você se mover tão bonito mais ou menos dá conta do Futurismo
assim como em casa nunca penso no Nu Descendo a Escada ou
num ensaio em algum desenho de Leonardo ou Michelangelo que costumava me deslumbrar
e o que adianta aos Impressionistas tanta pesquisa
quando eles nunca encontraram a pessoa certa para ficar perto de uma árvore quando o sol baixava
ou por sinal Marino Marini que não escolheu o cavaleiro tão bem quanto o cavalo
acho que eles todos deixaram de ter uma experiência maravilhosa
que eu não vou desperdiçar por isso estou te contando


*
C) Bertolt Brecht (poema da antologia organizada e traduzida por Paulo César Sousa e publicada pela editora 34).

A DESPEDIDA

Nós nos abraçamos.
Eu toco em tecido rico
Você em tecido pobre.
O abraço é ligeiro
Você vai para um almoço
Atrás de mim estão os carrascos.
Falamos do tempo e de nossa
Permanente amizade. Todo o resto
Seria amargo demais




Carlito Azevedo nasceu no Rio de Janeiro (Ilha do Governador) em 1961. Publicou 4 livros de poemas: "Collapsus linguae", 1991; "As banhistas", 1993; "Sob a noite física", 1996; "Sublunar", 2001. Atualmente prepara, para lançamento em 2010, o livro "As aventuras do anjo boxeador". Edita desde 1997 a revista de poesia INIMIGO RUMOR, cuja longa duração (atualmente se encontra no número 20) se encerrará em abril deste ano com o lançamento de seu último número. E-mail: carlitoazevedo@hotmail.com