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09 dezembro 2010

Poesia grapiúna agora









Uma segunda edição pode ser comparada à releitura de um livro. Reler é coisa de quem gostou da primeira leitura ou, no mínimo, ato de quem ficou intrigado ou mexido com o que leu imediatamente. A segunda edição de um livro de poemas é acontecimento incomum, infelizmente, em nossos dias – e em verdade sempre o foi, mas tem sido cada vez mais incomum, a ponto da primeira edição já ser, ela mesma, uma raridade. Se tal acontece, é porque um milagre chegou perto de acontecer, se não aconteceu, de fato. Mas atentemos para o que afirmou Horácio: “saepe stilum vertas, iterum quae digna sint legi scripturu, neque te ut miretur turba labores, contentus paucis lectoribus”1 .

Eu, dentro de meu mundo supostamente cosmopolita, metropolitano e bastante, me sabia pouco, muito pouco, em matéria de poesia grapiúna. Sosígenes Costa, Telmo Padilha, Ildásio Tavares, Florisvaldo Mattos, Adelmo Oliveira, Cyro de Mattos, Jorge Medauar – que em verdade sempre me impressionou mais escrevendo contos – e um ou outro poema avulso de nomes que já não me ocorrem mais. Devo a um paulista de Marília o reencontro com a poesia de meu estado, o poeta e ensaísta Gustavo Felicíssimo, que vem fazendo um trabalho irreprochável e decisivo na fixação de poetas grapiúnas, dentro da história da literatura baiana e brasileira.

Diálogos revela um contato com duas alteridades: a conversa entre poetas bastante diversos entre si; a conversa entre poetas grapiúnas e o mundo, a água ou terra que cerca essa ilha ou rio. No livro ora publicado há a poesia de linguagem coloquial, que lembra muito a obra de um Robert Frost (Edson Cruz, Heitor Brasileiro), há sonetos de grande ousadia mórfica (Piligra), haicais sem qualquer ranço de outro país ou tradição (Mither Amorim), poemas que vêm da influência oitentista brasileira do puzzle, certa pulsação das regras, com seus versos sinuosos e intimistas (Noélia Estrela, Rita Santana, Daniela Galdino), um memorialismo consistente que nos faz pensar em Miguel Torga – o poeta – e alguns outros poetas portugueses do século XX (George Pellegrini), e ainda poemas que são uma mistura de linhas e destinos (os poemas de André Rosa, os de Fabrício Brandão e os do caçula da coletânea, Geraldo Lavigne, nascido em 1986, mas que “disputa” de igual para igual com os demais escolhidos). Poesia é tradução, sempre. É a busca incessante pela palavra mais adequada àquilo que se sente e que se tornou idéia, pensamento, meditação. Afirmo, sem medo algum de passar por precipitado ou leitor desatento, que os poetas aqui reunidos chegaram o mais próximo possível de si mesmos. Mais próximo do que chegaram e talvez houvéssemos perdido a escrita de cada um deles, uma vez que certamente não conseguiriam mais voltar ao mundo dos fenômenos.

A diversidade, penso eu, é uma das mais louváveis características da antologia organizada por Felicíssimo, que tem a maturidade e a inteligência de encontrar qualidade – o belo – em todo e qualquer tipo ou gênero de poesia, sem discriminações, escolas, corporativismo. Se pensarmos na origem do termo “antologia” – do grego anthos: flor; logos: de legein, colher, juntar. Daí se segue a idéia de buquê de variado perfume. Nos períodos clássico e bizantino da literatura grega, produziu-se imensa antologia de poemas curtos, de diversos autores, a Antologia Grega –, teremos entendido bem o livro que pode ser descerrado pelo leitor a qualquer instante, com todos os seus perfumes diversos.

Eu, que sou e pretendo ser, sempre, parcial – uma vez que sou pessoa e indivíduo –, não desejo esconder minhas inclinações: me identifico e sou levado facilmente pela poesia de extrema sofisticação e sutileza, realizada pelo poeta, já bem localizado em nossa mídia, Marcus Vinícius Rodrigues, diversas vezes premiado. E ainda pela poesia de Edson Cruz, cheia de sagacidade e epifanias que se desdobram para além dos pequenos poemas que costuma realizar.

Espero uma terceira edição do Diálogos de Gustavo Felicíssimo e dos poetas grapiúnas de hoje. Uma antologia é um convite para o livro solo de um poeta; é o aperitivo para uma comida mais substanciosa e “pesada”.

Para amanhã, peço uma nova antologia. Sempre.

1 – “Revolve muitas vezes o estilo, se desejas que aquilo que hás de escrever seja digno de ser lido duas vezes e não sofras porque a turba te admira, sê satisfeito com poucos leitores”, em tradução de Mary Kimiko Murashima.


Henrique Wagner é poeta e crítico de arte.

Blog do Lçto: http://livrodialogos.blogspot.com/