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27 maio 2010

Conversas sobre Literatura



O poeta Glauco Mattoso é uma das pessoas mais interessantes, gentis e assustadoras que conheci. Ele diz que está recluso e calado feito um monge. Pós-tudo, agora ficou mudo. Saudades.


Edson Cruz: Prêmio Nobel ou Prêmio Núbil? Qual a sua necessidade?



Glauco Mattoso: Nenhuma das duas. O único pacotão que ainda espero do Papai Noel (ou Papai Nobel) é a bota usada dele embrulhada pra presente.

EC: Tua veia escatológica é genética ou uma opção estrategicamente estética?



GM: Genético é só o glaucoma que me cegou. A veia eu escolho na hora de picar. A veia dos outros, bem entendido.

EC: Como é aquela estória de você colar anúncio de massagem nos pés, nos telefones públicos?

GM: Isso foi quando escrevi um romance podólatra. Tive que provar na prática (isto é, com a língua) a sola dos outros pra poder falar melhor sobre minha própria tara.

EC: Pra você o que é (e quem está fazendo) poesia de invenção, hoje? Ainda faz sentido este tipo de busca?



GM: Poesia que não inventa só requenta, não aquenta nem arrefenta. Todo bom poeta faz poesia de invenção, isto é, cria recriando, e sempre há um ou outro bom poeta. O próprio Tião é um deles.

EC: Qual a importância da memória pra você?



GM: Para um cego a memória é tudo, mas pra mim vale mais porque lembro das curras que sofri na infância, dos outros moleques, na hora em que bato punheta.

EC: Você compactua da opinião, veiculada por Alexei Bueno em entrevista ao Rascunho, de que "nos anos da ditadura militar o concretismo se consolidou como o último estado oficial da poesia brasileira"?



GM: Quem repudia o concretismo tem lá seus motivos. Antes do Alexei outros tiveram outros motivos (dor de cotovelo, principalmente), mas no caso do Alexei sei que se refere mais aos apóstolos fundamentalistas que aos profetas fundadores, e não lhe tiro as razões, pois também já fui vítima de anátemas.

EC: O rótulo de antropofágico, oswaldiano, bocagiano, doidão e outros, incomoda ou lisonjeia?

GM: Nenhum rótulo me incomoda, sequer o de "o Ministério da Saúde adverte..." ou o de "mantenha longe do alcance das crianças".

EC: Parece-me que fala-se mais da prosa do que da poesia hoje em dia. O que você acha da nova geração da poesia brasileira?



GM: Acho que ela é tataravó da geração 2020, que por sua vez será tataravó da geração 2050, se pensarmos cada geração literária virando uma década. Quem fica é o indivíduo, não o grupo. Prefiro ser um poeta inclassificável (ou desclassificado) que um poeta marginal.


Glauco Mattoso (paulistano de 1951) é um dos mais radicais representantes da ficção erótica e da poesia fescenina em língua portuguesa, descendente direto de Gregório, Bocage e, em prosa, de Sade e Masoch. Na década de 1980, celebrizou-se entre a "marginália" literária como autor do fanzine anarco-poético "Jornal Dobrabil" e do romance fetichista "Manual do podólatra amador" (reeditados, vinte anos depois, respectivamente pela Iluminuras e pela Casa do Psicólogo); após perder a visão, já na década de 1990, publicou mais de vinte volumes de poesia (entre os quais a antologia "Poesia digesta: 1974-2004", pela Landy), além do romance paródico "A planta da donzela" (editado pela Lamparina), que revisita "A pata da gazela" de Alencar. Adepto fervoroso da glosa decimal e do soneto clássico, destaca-se também como lexicógrafo no bilíngüe "Dicionarinho do palavrão" (pela Record) e como esticólogo numa "Teoria do soneto" e num tratado de versificação, "O sexo do verso: machismo e feminismo na regra da poesia", a sair em livro. Colaborador nas mídias impressa e virtual, assina colunas na revista "Caros Amigos" e no portal "Cronópios", entre outros veículos. Como letrista, tem sido musicado por nomes singulares do porte de Arnaldo Antunes, Itamar Assumpção, Falcão, Ayrton Mugnaini e outros experimentalistas independentes ou irreverentes. Seus livros mais recentes vêm saindo pela Dix Editorial (da Annablume), na série "Mattosiana", entre os quais uma história do rock e uma pesquisa do cancioneiro popular brasileiro, tudo em forma de soneto. Eis os endereços e contatos: www.annablume.com.br

http://glaucomattoso.sites.uol.com.br E-mail: glaucomattoso@uol.com.br

23 maio 2009

Glauco Mattoso à queima-roupa



1. O que é poesia para você?

Já dei várias respostas a essa pergunta, mas acho que a melhor foi aquela que usei numa oficina que ministrei na Casa das Rosas: a poesia é uma metralhadora na mão dum palhaço. Seu poder de fogo pode ser apenas intencional, e seu efeito apenas hilário, mas o franco-atirador, ao expor-se em sua ridícula revolta, no mínimo consegue provocar alguma reação, ainda que meramente divertindo o público, e alguma reflexão sobre o papel patético dos idealistas e visionários, que, no fundo, somos todos nós.

2. O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?

Depende justamente da concepção poética que ele adotou. No meu caso, trata-se de vomitar algo visceral, de me expor, me devassar e desabafar uma biografia excêntrica para me identificar com outros excêntricos e tirar, dessa diversidade de individualidades, o traço de humanidade que nos une, isto é, o sofrimento e a revolta contra as opressões e repressões. Uma das "missões" do poeta - mas não a única - é ser porta-voz dos perseguidos, injustiçados, excluídos, rejeitados e humilhados, ainda que tais angústias sejam meramente sentimentais ou emocionais - frustrações amorosas, por exemplo. Voltando à questão do iniciante, eu recomendaria três coisas: primeiro, muita leitura, poesia de várias épocas e estilos, para estabelecer preferências e simpatias; segundo, fidelidade à própria biografia, nada de fingir demais, ainda que o poeta seja um fingidor, como dizia Pessoa; terceiro, estudar versificação, mesmo que o cara não pretenda fazer poesia rimada nem metrificada. Assim, ele estará minimamente instrumentado para o "ofício".

3. Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?

Isso é sempre muito pessoal e intransferível, mas vamos lá. Gregório de Matos, por ser pioneiro na nossa história e por ter praticado duas coisas que utilizo: os jogos verbais barrocos (antíteses, paradoxos, paronomásias, paródias, trocadilhos) e sátira desbocada (inclusive enveredando pelo fescenino); Bocage, por duas características que adotei: apuro formal do soneto e deboche obsceno; Bandeira, por uma única e fundamental razão: provar que é perfeitamente possível praticar todas as modalidades poéticas, desde o verso mais ritmado e rimado até o experimentalismo mais iconoclasta e anárquico, sem perder de vista o lado humano, confessional e emocional. Quanto aos textos referenciais, sugiro, primeiro, "Os Lusíadas", não para ler de cabo a rabo, mas para passear nele, viajar no ritmo, ir se acostumando a discorrer, raciocinar metrificando, pensar em decassílabo; segundo, "Eu", de Augusto dos Anjos, para, ao contrário dos "Lusíadas", percorrer, num único e curto livrinho, toda a obra duma vida, o que nos dá noção de que o poder de síntese pode ser essencial e suficiente; terceiro, "Poesia completa e prosa", a obra reunida do Manuel Bandeira, que tenho em papel-bíblia mas que existe em diferentes edições, incluindo o "Itinerário de Pasárgada", roteiro autobiográfico-intelectual, e a "Apresentação da poesia brasileira", que, embora incompleta e parcial, dá uma visão panorâmica.


Glauco Mattoso (paulistano de 1951) é um dos mais radicais representantes da ficção erótica e da poesia fescenina em língua portuguesa, descendente direto de Gregório, Bocage e, em prosa, de Sade e Masoch. Na década de 1980, celebrizou-se entre a "marginália" literária como autor do fanzine anarco-poético "Jornal Dobrabil" e do romance fetichista "Manual do podólatra amador" (reeditados, vinte anos depois, respectivamente pela Iluminuras e pela Casa do Psicólogo); após perder a visão, já na década de 1990, publicou mais de vinte volumes de poesia (entre os quais a antologia "Poesia digesta: 1974-2004", pela Landy), além do romance paródico "A planta da donzela" (editado pela Lamparina), que revisita "A pata da gazela" de Alencar. Adepto fervoroso da glosa decimal e do soneto clássico, destaca-se também como lexicógrafo no bilíngüe "Dicionarinho do palavrão" (pela Record) e como esticólogo numa "Teoria do soneto" e num tratado de versificação, "O sexo do verso: machismo e feminismo na regra da poesia", a sair em livro. Colaborador nas mídias impressa e virtual, assina colunas na revista "Caros Amigos" e no portal "Cronópios", entre outros veículos. Como letrista, tem sido musicado por nomes singulares do porte de Arnaldo Antunes, Itamar Assumpção, Falcão, Ayrton Mugnaini e outros experimentalistas independentes ou irreverentes. Seus livros mais recentes vêm saindo pela Dix Editorial (da Annablume), na série "Mattosiana", entre os quais uma história do rock e uma pesquisa do cancioneiro popular brasileiro, tudo em forma de soneto. Eis os endereços e contatos:
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E-mail: glaucomattoso@uol.com.br