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06 março 2009
Luis Serguilha à queima-roupa
[Foto: Jackeline Walendy]
1) O que é poesia para você?
Não aceito qualquer definição de poesia, qualquer técnica na reformulação/conceptualização poética, por isso há que expulsar “o que é a poesia”, os seus sistemas explicativos-teoréticos-interpretativos e expandir/germinar a correnteza da heterogeneidade:____________ QUANDO HÁ POESIA?_____________________
__________(HÁ a substância energética-obscura do mundo)_____________________
Há POESIA quando regressamos ao centro iluminador do desmesurado, à devastação-criação, ao labirinto, à transmigração de signos buscadores da autenticidade secreta, das fecundações hipnóticas, da essência-do-mundo.
Há POESIA quando existe o lugar dramático, a sedução da vertigem, o ritmo do abismo, a energia encantatória-transmutadora, a esfinge e a perscrutação das danças do universo.
Contra todas as doutrinas o Poeta ergue e faz irromper a metamorfose da substância do cosmos, as vozes genésicas do mundo-outro porque no seu corpo há o grito-eco antiquíssimo, indomável, emancipatório que se projecta na busca da unidade perdida-original, no vazio, no não-lugar, no exílio, nas moradas flamejantes como a libertação mais profunda/interior dos cânticos do coração-do-mundo.
Há poesia quando as aberturas cristalográficas das palavras constróem os hinos astrais da transformação da vida, na infinitude hieroglífica: a poesia acontece na força eléctrica-germinativa, nas múltiplas travessias dos ecossistemas, na espontaneidade das vozes, nos espelhos das profundezas da existência______e o poeta resiste como os soldados de Siracusa recitando os versos de Homero para sobreviverem.
Há poesia quando as explosões rítmicas descobrem os cânticos da fertilidade da terra, a incandescência do nada , a materialidade/espiritualidade do ser, o desassossego primitivo da nossa constituição, a interrogação antropofágica, o tempo e o espaço na absoluta renovação imagética, as epifanias infinitas da linguagem. Então há que defrontar olhos-nos-olhos os críticos, académicos, blogueiros que departamentalizam, standartizam , delimitam, classificam estupidamente os poetas e a poesia: porque QUANDO HÁ POESIA a pulsionalidade libertadora reconcilia o relâmpago idiomático-astrológico-polimórfico-polinizador-indecifrável-eruptivo onde surge o recolhimento uterino-febril-nutritivo da palavra até à louca desocultação do mundo.
QUANDO Há POESIA a indeterminação, a ambivalência da realidade humana expandem a ritmicidade dos seus icebergues numa luta entre o consciente e o inconsciente:________ a linguagem primitiva da presença e da ausência forma-se, regenera-se na transformação simultânea , na navegação crepuscular, nas constelações irrepetíveis.
QUANDO Há POESIA a ebulição perceptiva religa a luz da geografia ontológica aos fluxos da heterogeneidade, às fractalizações da reconquista das origens:________o poeta transgride todos os limites ao refazer o vazio , ao imergir no insondável, ao magnetizar-se nos engolfamentos abíssicos do deserto como um instante obscuro e ardente a reactualizar as revelações pré-babélicas, a integridade alucinante do ser, a fulguração enigmática.
NÃO ACEITO DEFINIÇÕES DA POESIA, porque o impulso da matéria poética procura o ilimitado, alimenta-se do informulável , da composição imaginária-radical-interrogativa , da revelação do relâmpago da existência absoluta, do magnetismo da estranheza, da regressão incomensurável do ser à anterioridade da palavra, ao território genesíaco.
Há POESIA quando a liberdade criadora se abre ao mundo, à originalidade, à transgressão instauradora da independência selvática____aqui o poeta tenta denvendar a esfinge, o segredo do universo através das viagens utópicas, do desejo da visão-própria, da eclosão do corpo-resistente que acolhe a disseminação dos sentidos, as alucinantes sensorialidades, o cântico transmissor do livro da NATUREZA.
Há POESIA na transmigração alquímica da luz-sombra, do firmamento-terra, da matéria (in)orgánica-mutante.
QUANDO Há POESIA o silencio anuncia a sua força das efusões puramente iniciáticas sacralizando as atmosferas do inexplicável , do indizível, do não sentido. O SILÊNCIO da invenção profunda destrói a tentativa da DEFINIÇÃO-DA-POESIA, da significabilidade, da tradução , da exegese , porque a sua incubação obscura transforma o poema numa coexistência incontaminada e selvagem.
QUANDO Há POESIA a exteriorização dos caminhos racionalizadores-totalizadores-delimitadores é dizimada pelo desabrochamento do relâmpago da correspondência entre a linguagem, o silêncio, o desconhecido, o (in)visível, a germinalidade da raiz da vida, o abismo-do-devir .
QUANDO Há POESIA a energia , a violência pulsional do deserto, a regressão ao magma primordial propicia-nos a subjectividade infinita , a transgressão dos limites até à vida absoluta, à obscuridade.
Quando HÁ POESIA o sol-abre-se-na-pedra(HÚMUS-ÊXTASE) e leva-nos para lá do verbo até aos espelhamentos-intercepções das outras artes(cinematográficas, pictóricas, escultóricas,musicais, DA DANÇA( como um Corpo em incandescência e espontâneo a recriar as expansões cosmogónicas-mágicas entre as visões de Merce Cunningham, Olga Roriz, Pina baush, Bill T Jones, Pilobolus Dance Theatre, as telas de Pollock, Rothko, o flamenco de Manuel de Falla, os cantares de Giacometti, o trompete de Miles Davis, as (re)montagens de Buñuel-Rosselini-Fellini, as liberdades perceptivas de Elida Tessler, Dione Veiga Vieira, Cutileiro, a revelação do sublime-informulável dos poetas “exilados de Florença”.........) ___________________________quando há poesia__________________________________________________
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
A cosmovisão dos poetas projecta-se rizomaticamente através do grito iniciático_____________este grito de desnudamentos emancipatórios-lunares prismatiza-se na intemporalidade ininterpretável, na essência-integridade do ser.
Reiniciamos continuamente “no fazer poético” como uma cavalgadura da incerteza-orgiástica-fundente ressuscitadora do delírio jazzístico, dos múltiplos reflexos do mundo. O mistério da linguagem e do silêncio projecta em nós a urgência de regressarmos ao inicio selvagem, à pulsação do estonteamento, à inflorescência das alteridades-ipseidades, à polifonia vibratória, ao magma primordial. Todos desejamos a purificação pristina-instintiva das palavras porque caminhamos como “iniciantes”
(nomadismo mitológico-afectivo) na impulsão da parábola, na faiscação/unificação da interioridade/exterioridade________
A interrogação absoluta-tectónica “no inicio do fazer poético” reconcilia-nos nas línguas edénicas: galáxia silenciosa propulsora do nosso desejo sobre-infra a erotização-reencarnação-transmigração-recriação da linguagem cósmica, do Livro da Natureza
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Procuro os poetas que reunificam os cânticos translatórios dos homens, do verbo, do firmamento e da mãe-natureza....
( constituindo o UNO)
Procuro os poetas-devoradores-de-fogo e da substância energética construtora do ritmo do mundo.
Procuro os poetas meteóricos-petrológicos-isossísticos-piroclásticos(do desconhecido)
Procuro os poetas da linguagem da plenitude corporal, da profundidade da matéria.
Procuro os poetas que resistem à barbárie(como diz Eduardo Lourenço “uma só rosa no meio do inferno é o paraíso inteiro”)
Procuro os poetas das imersões do nada, da centelha-obscuridade, da expansão instintiva-imaginal, das transumâncias aborígenes, das visageidades, do transcendentalismo, dos simulacros, “da liberdade livre”. Nesta correnteza relampagueante estou a reler as obras de Oliverio Girondo, Dylan Thomas, Vicente Aleixandre, Arthur Rimbaud, René Char e “sem pontos fixos no espaço” descubro a “actual” poesia brasileira_________ __________outros serão recolhidos porque na poesia a ausência transforma-se em presença e a presença instaura a ausência____fulguração/atracção da aventura do ser-estar-no-mundo_______
Luis Serguilha nasceu em Vila Nova de Famalicão, Portugal. Poeta e ensaísta, suas obras são: O périplo do cacho (1998), O outro (1999), Lorosa´e - Boca de Sândalo (2001), O externo tatuado da visão (2002), O murmúrio livre do pássaro (2003), Embarcações (2004), A singradura do capinador (2005), Hangares do Vendaval (2007), As processionárias (2008), Roberto Piva e Francisco dos Santos: na sacralidade do deserto, na autofagia idiomática-pictórica, no êxtase místico e na violenta condição humana (2008), estes últimos em edições brasileiras. Recebeu em 2000 o Prêmio de Literatura Poeta Júlio Brandão. Participou em vários encontros internacionais de literatura e possui textos publicados em diversas revistas de literatura no Brasil, Espanha e em Portugal, além de outros trabalhos traduzidos em língua espanhola e catalão. Email: lf.serguilha@hotmail.com
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