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23 dezembro 2009

De onde vem o Papai Noel



Uma vez, na França, na cidade de Dijon, em 1951, tentaram acabar com o mito do Papai Noel. As autoridades eclesiásticas acharam que o velhinho estava muito comercial. Convocaram 250 crianças para enforcá-lo em praça pública. O resultado foi, ao contrário, uma verdadeira rebelião. A população ressuscitou Noel entronizando-o no imaginário popular. O antropólogo Lévi-Strauss chegou até a escrever um ensaio sobre esse episódio. Se um dos maiores pensadores do nosso tempo se deteve a analisar isto, é sinal que a figura de Noel deve ter alguma importância.

Há duas origens do mito do Papai Noel. A mais conhecida a gente sabe: está ligada a São Nicolau, um santo de origem grega, que salvou marinheiros na tempestade, libertou moças prisioneiras e ficou famoso por ressuscitar crianças. Sua imagem de bom velhinho vem daí. A célebre obra “A lenda dourada”, que conta a vidas dos primeiros santos da igreja, dedica-lhe várias páginas.

Mas há uma outra origem dessa figura, que antecede ao cristianismo e que escapou ao próprio Lévi-Strauss. E aí o Papai Noel não é nada bonzinho. O mito do velhinho que, em pleno inverno europeu, gratifica as crianças trazendo presentes em um saco às costas é, na verdade, a forma como o imaginário cristão resolveu reformular um mito arcaico que era o avesso do Papai Noel.

Trata-se de um personagem que tinha também o nome de Nicolas. Ele vinha `a frente de uma horda de mascarados estalando seu chicote, fazendo soar os sinos dependurados em sua roupa e, assim, iam assaltando povoados e obrigando os moradores a celebrarem com eles suas orgias. Traziam consigo também sacos para o sequestro de crianças. Isto ocorria exatamente no solstício de inverno, época que a igreja, posteriormente, escolheu para fixar o nascimento de Cristo.

Há na memória, tanto dos povos nórdicos quanto dos franceses, belgas e alemães, referências à essa horda de cavaleiros perversos. Na região de Lorraine, existe a figura do Pai com Chicote que, ambiguamente, remete tanto ao bárbaro que vinha chicoteando seus cavalos, quanto ao Papai Noel que vem docemente “chicoteando” suas renas. Coincidentemente, na biografia de São Nicolau o chicote também aparece, mas de forma invertida, pois ele que é martirizado com um chicote. Na Alemanha, a figura do “Klaubauf” - um velho com um saco para recolher crianças - remete ambiguamente para a mesma lenda. E, na Inglaterra, esse vestígio da figura pré-cristã de Nicolau, aparece no nome do diabo que é chamado de “velho Nick”.

É fascinante como o imaginário acomoda nossos temores e expectativas elaborando personagens que podem ter até suas qualidade trocadas. Assim como na tradição cristã se construía igrejas com nomes de santos, onde antes havia um templo a Apolo, Minerva etc., também as lendas de outra época passaram por um tratamento ideológico.

Ainda bem que Papai Noel se transformou em algo bom. Já chega sermos vitimados o ano inteiro por uma série variada de saqueadores que não vêm de fora, mas que vivem no mesmo país que a gente.


[Crônica de Natal enviada por Affonso Romano de Sant'Anna]

22 dezembro 2009

Rubem Fonseca e o Papai Noel

Amigos,

como vocês devem saber, Rubem Fonseca mudou de editora e acaba de lançar pela Agir, O Seminarista.

A assessora de imprensa da Agir me perguntou se eu queria receber o livro para uma possível resenha no Cronópios. Sem entrar em detalhes, nem atualizá-la sobre o embróglio cronopiano, falei que gostaria de receber o livro sim.

Estou na página 99 e lá pela 76 o romance pareceu desandar. Até então estava adorando. Escrita direta, seca, sem firulas e muitas citações em latim. Sigo a leitura torcendo pra que a metade final do livro me surpreenda.

No entanto, como é véspera de Natal, o começo do livro me pareceu espetacular. Vejam só:

“Sou conhecido como o Especialista, contratado para serviços específicos. O Despachante diz quem é o freguês, me dá as coordenadas e eu faço o serviço. Antes de entrar no que interessa – Kirsten, Ziff, D.S., Sangue de Boi – eu vou contar como foram alguns dos meus serviços.

O último foi na véspera do Natal. O Despachante deu-me um endereço e disse onde encontrar o freguês, que estava dando uma festa para um monte de gente. Bastava chegar com um embrulho de papel colorido que eu entrava na casa. O Despachante era um cara magro e alto, muito branco, louro, e estava sempre de terno preto, camisa branca, gravata e óculos escuros. Ele me pagava bem.

‘O freguês está vestido de Papai Noel e tem uma berruga no rosto ao lado direito do nariz.'

Sempre odiei, desde criança, esses papais-noéis fazendo Ô! Ô! Ô! Sei que o ódio é um surto de insanidade, como disse Horácio, Ira furor brevis est, mas ninguém está livre dele. Vesti uma roupa alinhada, peguei uma caixa vazia e fiz um enorme embrulho de presente. Coloquei sob a camisa a minha Beretta com silenciador e toquei a campainha da casa do freguês.

Por sorte minha quem abriu a porta foi o Papai Noel. ‘Entra, entra’, ele disse, ‘feliz Natal!’

‘Faz Ô! Ô! Ô! pra mim’, pedi, enquanto constatava a berruga ao lado do nariz.

‘Ô! Ô! Ô!’, ele fez. Dei um tiro na sua cabeça. Sempre dou um tiro na cabeça. Com esses coletes novos à prova de bala, aquela técnica de atirar no terceiro botão da camisa para furar o coração pode não funcionar.”

Animador, não?