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28 janeiro 2009

Ricardo Aleixo à queima-roupa



1) O que é poesia para você?

O contrário do que é “ensinado” em boa parte das escolinhas de letras. O contrário do que pode ser encontrado nas prateleiras das livrarias. O contrário do que escrevem 99% dos atuais cantautores de MPB. O contrário do que se lê na maioria das nove ou dezessete revistas ditas de literatura que circulam por aí. O contrário do que mofa nas estantes das bibliotecas públicas e centros culturais. O contrário do conformismo generalizado – que, com os blogues, só fez conquistar maior visibilidade. O contrário disso que publicamos, o mais das vezes, por simples vaidade, e que só mesmo nossos amigos e familiares fingem ler com algum interesse.

2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?

Quem sou eu para dizer o que alguém deve fazer, na vida ou na poesia? Digo só o que eu mesmo faço desde que me meti pela primeira vez neste estranho mundo que é o da invenção, via linguagem, de outras formas de realidade: continuo a me ver como um iniciante, depois de 30 anos de tentativas. Foi a maneira que encontrei para impor limites ao ego e, ao mesmo tempo, para manter acesa a chama do desejo de ser poeta. Persigo esse sonho lendo (vendo e ouvindo) e relendo (revendo e reouvindo) a poesia de outros que me dão a impressão de que também não se considera(va)m prontos como poetas. E lendo, vendo, ouvindo os que sequer se definem – ou são definidos – como poetas. Outro exercício que me imponho é manter distância dos mandarins do poder literário, sejam eles editores, críticos ou meros coleguinhas de ofício que se consideram com “autoridade” suficiente para definir quem é e quem não é poeta.

3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?

Deixo de lado os textos, mas, em compensação, te dou 5 poetas e os motivos que me fazem escolhê-los: Augusto de Campos, Clementina de Jesus, John Cage, Milton Santos, Jean Luc Godard. Augusto porque explode com as noções correntes de poesia. E porque funda – e tensiona – todo um modo de “ouver” a poesia de outros contextos e épocas. Clementina, com seus impressionantes graves e seus não menos impactantes agudos, sua respiração quase sempre fora do tempo e a liberdade folgazã de atacar as notas iniciais sem qualquer respeito pela tonalidade em que a música se encontra, é nosso exemplo mais realizado de “poesia sonora”. Cage: como defini-lo? Milton Santos: a ideia de que a escassez material é o motor da vida do pobre, porque induz ao deslocamento, e daí à solidariedade, é importantíssima para a concepção de poesia que eu pratico e defendo. Godard: é quem nos ensina a usar a matéria sonora como elemento estruturante – e não como “ilustração” – no projeto audiovisual.



Ricardo Aleixo é poeta, artista visual e sonoro, compositor, performador, ensaísta e editor geral da revista “RODA - Arte e Cultura do Atlântico Negro”. Publicou, entre outros, os livros "Trívio" e "Máquina Zero". Como solista ou integrante da Cia. SeráQuê? e do Combo de Artes Afins Bananeira-ciência, já se apresentou na Argentina, na Alemanha, em Portugal, na França e nos EUA. Desde julho de 2007 concentra suas atividades de criação e pesquisa no LIRA (Laboratório Interartes Ricardo Aleixo), onde também oferece oficinas, cursos e aulas particulares nas áreas em que atua. É professor de Design Sonoro na universidade Fumec. Desenvolve atualmente o projeto do livro/DVD "Modelos vivos", produzido com recursos da Bolsa Petrobras Cultural.