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04 fevereiro 2009

Sérgio Medeiros à queima-roupa




1) O que é poesia para você?

A poesia que eu faço é a descrição de algo, animado ou inanimado, sem acréscimo de comentários. Ela nasce, pois, da observação, como sucede, acredito, no hokku (ou haiku). Como sucede também na poesia de Ponge, um dos meus favoritos. Tenho um apreço especial pelos vegetais e pelos inumanos em geral: insetos, monstros, fantasmas, robôs, etc. Lembro que, para Kafka, observar um objeto é uma forma leiga de oração. Ele praticava isso, e eu também pratico. Então, a poesia para mim é uma oração leiga, mas é também outra coisa. A poesia é sempre "outra coisa", daí sua vitalidade. Segundo Jean-Luc Nancy, teórico francês, a poesia é por essência mais do que a própria poesia, e também outra coisa. A poesia não coincide com ela mesma, e é essa "impropriedade essencial" que a faz exatamente poética.

2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?

Eu só comecei a escrever com regularidade quando descobri um "método". E, no meu caso, essa descoberta aconteceu tardiamente, na idade madura, por assim dizer. O meu método consiste em tomar notas, em caderninhos, daquilo que vejo ao meu redor. Faço isso, diariamente, desde 2001, quando publiquei meu primeiro livro, Mais ou menos do que dois. Tenho hoje dezenas de cadernos recheados de pequenas descrições, que chamo "descritos". À moda oriental, reúno esses descritos e crio um poema longo, descritivo, ou os publico sozinhos, de forma independente. Então, levando em conta a minha experiência, penso que o iniciante deve buscar um método, e o método, uma vez encontrado, significa a possibilidade de escrever poemas com uma marca pessoal inconfundível. Não é o "eu" que importa, inicialmente, mas o método, o procedimento, que é, também, um ritual, além de ser uma disciplina, é claro.

3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?

Poetas fundamentais para mim são, nessa ordem, Mallarmé, Cage e Augusto de Campos. Quando leio Mallarmé, percebo na obra dele tudo o que fazemos hoje e o que faremos amanhã. Ele se antecipou ao novo século e, de certa forma, criou o hipertexto, ao misturar palavra, imagem, voz etc. Cage, por sua vez, dialogou com o oriente, sobretudo com o zen, atitude que me é cara. Eu sigo os passos dele. Gosto imensamente da maneira como ele usa formas poéticas básicas ou elementares, como o mesóstico, para criar poemas surpreendentes e inovadores. Também é um grande leitor de poesia, suas performances são as mais estimulantes que conheço. Finalmente, Augusto de Campos é autor de um poema, "Código", que é o meu talismã. Nesse poema, que é uma mola, afundamos no código, mas, ao mesmo tempo, sabemos que, graças a esse gesto, seremos arremessados para o alto, para uma nova época, para o novo poema. Acho que Augusto faz, ele mesmo, "o novo poema", embora eu não siga a sua regra e até chegue, às vezes, a ler bastante criticamente sua produção. É claro, "o novo poema", seja de quem for, sempre será polêmico. Mas eu o admiro muitísismo. Então, para encerrar, citarei três textos fundamentais: "Um lance de dados", de Mallarmé, os diversos mesósticos, de Cage, e "Código", de Augusto de Campos. Se me permitirem um acréscimo, citarei ainda o "Popol Vuh", poema maia repleto de metamorfoses que eu leio com imenso prazer e proveito. Minha poesia, acredito, é muito influenciada pelos mitos indígenas ameríndios, que são ricos bestiários que questionam as fronteiras lineares e contínuas entre humanos e inumanos. Esse é um dos meus temas.



Sérgio Medeiros nasceu em Bela Vista (MS). É tradutor, tendo vertido para o português, entre outros, o poema maia Popol Vuh (Iluminuras, SP), indicado ao Jabuti, na categoria melhor tradução, e a crônica histórica A Retirada da Laguna (Companhia das Letras, SP), do Visconde de Taunay, texto escrito originalmente em francês. Publicou três livros de poesia: Mais ou menos do que dois (Iluminuras, SP), Alongamento (Ateliê, Cotia/SP) e Totem e Sacrifício (Jakembó, Assunção/Paraguai). Seus poemas já foram traduzidos para o espanhol e o inglês. Seu novo livro de poesia, O Sexo Vegetal, será publicado em 2009, pela editora Letras Contemporâneas, Florianópolis. No momento, finaliza um novo trabalho, Os pós-inumanos, ainda sem previsão de lançamento. Ensina literatura na UFSC e co-edita o site de arte e cultura www.centopeia.net . Colabora na "Folha" e no "Estadão" e no "Cronópios", entre outros. E-mail: panambi@matrix.com.br