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21 dezembro 2009

A música é a musa de todos nós

Podemos ter uma ideia do caráter de um povo, de um momento histórico e de um ser humano pela música que ele pratica e ouve. A música não só revela os sentimentos e emoções íntimas do ser humano, mas também os gera e os transforma.

Neste sentido torna-se valioso o conhecimento do material utilizado pelos músicos e compositores, mesmo que não o manipulemos como músicos; pois certamente somos mais influenciados pelas sonoridades que nos cercam do que gostaríamos de admitir.

A música pode nos levar a possibilidades de experiências jamais tentadas. Em todas as culturas antigas do mundo, a música existiu em função do ritual, do serviço a alguma divindade, da expansão da consciência e das mais profundas experiências humanas. Os ritos e cultos xamanísticos, os rituais da África ou da América do Sul, do Extremo Oriente, trabalham com um conhecimento - que podemos chamar de inconsciente - de uma força primordial, ou lei, desencadeada através de manifestações sonoras e rítmicas.

Esse conhecimento, por si só, já seria interessante para nós ocidentais ou ocidentalizados. Poderíamos, e isso só cabe a nós, não só deixar essa energia agir de forma mágica, mas também experimentá-la conscientemente, tornando-a mais presente, a nosso dispor e com isso tornando-nos seres mais perfeitos, íntegros. Em suma, mais seres humanos.

Nas civilizações da antiguidade, o som organizado inteligentemente representava a mais elevada de todas as artes, e a música, a mais importante das ciências, o caminho mais poderoso à iluminação religiosa e a base de um governo estável e harmonioso. A música vigorosamente agia sobre o caráter do homem.

Hoje, nós modernos ou pós-modernos, pós-tudo, ex-tudo (como diz Augusto de Campos), não estudamos, não mudamos, emudecemos e o pior: ficamos surdos.

quando não ouvimos

a própria voz

desafinamos.

Não consideramos mais o som audível um reflexo terreno de uma atividade vibratória, que se dá além do mundo físico, mais fundamental e mais próximo do âmago das coisas.

Inaudível ao ouvido humano, essa atividade vibratória cósmica é a origem e a base de tudo que foi e continua a ser gerado no universo.

Além da música, a expressão do discurso era considerada um reflexo no mundo da matéria dos tons cósmicos. Esses tons cósmicos eram chamados pelos egípcios de «o verbo» ou «o verbo dos deuses»; pelos gregos de «a música das esferas».

As palavras, ouvidas por este diapasão, possuem um poder encantatório imenso. Já disse Louis F. Céline que o trabalho com as palavras pode matar um homem. Se pode matá-lo pode também salvá-lo, digo. Os arranjos são infinitos, aprendamos a escolher.

No princípio, então, sempre esteve o som, o verbo, a palavra, o ritmo, o logos. Como na música, assim na vida, já ouvimos. Diga-me qual a palavra e te direi quem és.

Os poetas, a meu ver, têm a função de recuperar este poder encantatório das palavras, tão corroídas pelos clichês. A função do músico, por outro lado, é colocar ordem no caos. Os ruídos são muitos e a afinação e a harmonia (esta deusa/ artesã que cria as formas mortais) parecem ser as buscas mais adequadas para o momento histórico que vivemos, depois de termos sido estilhaçados por duas guerras mundiais, duas bombas atômicas e experiências estéticas que reverberaram o caos e a desordem.

De partes bem ajustadas assenhora-se o sábio do Todo.

Os ouvidos não têm pálpebras.

Conta-se que Villa-Lobos, quando questionado sobre como conseguia compor com tantos ruídos externos (janela aberta aos sons da urbe ensandecida), respondeu com simplicidade: «meu filho, o ouvido externo não tem nada a ver com o ouvido interno».

É nosso ouvido interno que urge ser aprimorado e utilizado para a reconstrução do mundo e de uma vida mais plena. Tarefa difícil, mas necessária. Precisaremos de cardumes de bons músicos e poetas.