03 setembro 2007

Sinal verde




tantos anos se arrastaram
já não me lembro de minha infância
será que a tive, ou foi um sonho?

tudo se resume a uma noite
noite de escolha e enfrentamento
ali, me fiz na solidão azul
do nascimento

“se não quer ir ao culto
que fique aí, sozinho!”

fiquei ali, e ainda estou...
em casa escura e sobressaltada
por sombras e faróis relampejando
abandonado de deuses e de afetos

não dormi, como não durmo agora
não fugi, como nem posso embora
ali, a vontade de meu eu se impôs
minha porção de dor se amarelou

permaneci na infinitude do possível
e assim abraço o totem
de vida que sutil me resta

na contingente luz verde que se revela
aceito humilde e resignado
o gentil açoite da morte que me espera.




Ilustração: Majane Silveira

02 setembro 2007















um ser
atônito feito um deus
absorto

em meu rosto
gotas de um mar
morto


Ilustração de Majane Silveira

01 setembro 2007

A viagem do menino


















o menino sempre soube o que é bom
desde semente fez o que devia fazer
descendo bem serelepe em sua bike
ouvindo aquele big som do Skank

o menino foi feito pra isso, é seu dom
azeitar a infância pra encontrar com ela
não precisou procurar muito, não
quase a atropela de tanta alegria

pena que ela seja tão confusa
fez-se demente no afã de crescer
não está pra brincadeira moleque
é tão séria que o menino acha graça

o que será que ela quis dizer, parafusa
sai pedalando e abanando os ombros
a vida é boa pra quem sabe assoviar
ela ainda vai querer sentar na sua garupa


[Ilustração de Majane Silveira]

Gonfotérios na Paulista

quando os helicópteros tomarem os céus
de assalto e não houver espaço para mais arranha-céus
arranharem a nervura dos pés de Júpiter

sairei pela Paulista nu e mijarei na vitrine de todas
as lojas de roupas masculinas

quando Hollywood invadir a tela
de meu micro e não houver mais tempo para que o ouvido
escute o soar das libélulas em cópula

me tornarei um vírus paraguaio e sedento a infectar
jovens virgens e sardentas

quando tudo que criamos der em nada
e meus sonhos mais malucos couberem num grão de chip Made in India

vestirei minha máscara de gonfotério e sairei
por aí a procurar alfaces cultivados em bacias d’água

tudo isso farei ao som de um mantra tão exótico
que a solidão dos seres vibrará em uníssono supersônico
e arrasará o que ainda restar de escombros e sonidos