14 janeiro 2022
20 agosto 2021
CONFRARIA DA PALAVRA
O próximo convidado da CONFRARIA DA PALAVRA é o romancista, contista, antologista e poeta
NELSON DE OLIVEIRA, ou LUIZ BRAS,
ou VALÉRIO OLIVEIRA, como você preferir.
Nelson cursou artes plásticas na Universidade Mackenzie e
foi diretor de arte em diversas editoras. Em 1989, depois de uma oficina
literária com João Silvério Trevisan, escreve o livro de contos Fábulas,
premiado com o Casa de las Américas, que se desdobra no Brasil em quatro
títulos: Os Saltitantes Seres da Lua, 1997; Naquela Época Tínhamos um Gato,
1998; Treze, 1999 e Algum Lugar em Parte Alguma, 2005.
Em 2001, organiza a famosa antologia Geração
90: Manuscritos de Computador que reuniu os principais prosadores brasileiros
do final do século 20 e, em 2003, Os trangressores.
Com o pseudônimo Luiz
Bras, é escritor infantojuvenil e pós-cyberpunk, navegando entre a ficção
científica e a ficção literária; e, como Valério
Oliveira, é poeta.
Além da produção literária, é professor de oficinas de
escrita criativa.
Link: https://www.youtube.com/watch?v=JbYQhsduGC4
16 junho 2021
DE TOCAIA
meu espírito é uma pintura
de um tempo sem início.
voa fora da asa sem restrições
pelo espaço-tempo
da eternidade.
é chama que inspira
o coração renitente dos seres.
aguarda o tempo-agora
tocaiando o amadurecer
das horas.
22 janeiro 2021
CRÍTICA DA RAZÃO IMPURA
o
pensamento move
o mundo.
leva pela
mão
a minha
e a tua alma
impune.
evita
que ela fique
confinada
ao corpo
e ao planeta
que definham.
no instante
em que
imaginas,
pareces
eterno.
ao
entrares em ação,
vês que és um simples
mortal.
do velho
mouro
te
esqueces inconteste.
o mundo ainda
ruge
e não
basta que apenas
o
interpretes.
urge que o possas
transformá-lo
e com pressa.
Imagem:
o velho mouro (Karl Marx) ainda jovem.
16 janeiro 2021
PATRIMÔNIO
o desastre parece não ter fim.
o fatídico dos dias se espraia
e não se consuma.
vivemos no país do sol
em calendário de contenda
com a noite.
a esperança se esfuma
em seu perfil de âncora
como um carvão a perfilar
os seus cristais de bruma.
uma oração ressoa
entre a hora do boi e a do
tigre.*
garatujas
de
futuros impossíveis.
esboços
de tempos vindouros.
a ação
como se o sonho
se impusesse
duradouro
e a fé
cintilasse
como um tesouro.
*Período entre 1 hora e 5 horas,
considerado no budismo como um intervalo crucial em que, de acordo com uma
antiga crença chinesa, a vida se move do ciclo negativo (yin) para o
ciclo positivo (yang), do sono para o despertar, ou da morte para a
vida.
07 janeiro 2021
ALVEJAR
balas desviam
lábeis
perdidas
e adestradas
a eleger
hábeis
certeiras
alvos
que sestram
em peles
que não
são
alvas.
07 dezembro 2020
TROPEL
manipular
os mitos deixando
que eles
nos refaçam impermanentes
na conflagração
de formas
e tramas.
lidar
com o inconsciente informe
dos
seres que se camuflam
nos
sonhos.
enfrentar
a surda batalha
com as
palavras que copulam
com o
silêncio.
recuperar
aquele Egito
de uma
imaginação em chamas
ou o mar
da cor de vinho
ofertado
por Homero.
videntes dentro da neblina.
aquele
que faz chorar os cavalos
de
Aquiles.
o poeta
é um historiador
do
tropel de sonhos incontidos.
03 dezembro 2020
ESPECULAR
voltar a
ler o que parece
ser
chuva e desejos
oblíquos.
traduzir
o poema da vida
com a linguagem diáfana
do ser.
ações
do espírito a refletir
semelhanças
de uma poética original.
com o
reflexo e seu acentos
de luz e
sombra
apreender o que nasce
do
espelho.
escritura invertida do ser
na luz especular
que volta a ser
pelo ser
capturada.
[Pintura Chuva Oblíqua, de Gonçalo Ivo, 2001]
26 novembro 2020
TULIPAS
as
palavras não deixam na mão
a casta
dos que amam.
assim
como parece ser em vão
dar um
basta ao sofrimento
que nos imanta.
o
aprendizado do amor
aperfeiçoa
a razão
e começamos
a inventar
saídas
para a desordem
dos dias.
a
recriar tulipas
nos jardins
abandonados
da
imaginação.
19 novembro 2020
INSIGHT
a luz toca
os sentidos
antes que possamos
percebê-la.
antes da escrita do poema
a poesia nos apalpa
com seus dedos de aurora.
um arco-íris
se ergue
luminoso
na atmosfera
do espírito.
um poema se oferece
teimoso
como um anjo decaído.
[Ilustração de Milton Mastabi]
17 novembro 2020
PINTURA RUPESTRE
o
discurso da vida deve ser inscrito
como um
poema.
o povo é sempre o grande artífice
de uma
grande arte.
poeta
é quem restaura a consciência
do povo
pela linguagem.
o poema gesta
verdades que o coração
é capaz
de tocar.
a
imaginação nos acrescenta mais
do que a
verdade nos impõe.
o real
que vale a pena ser cantado
é aquele
que foi absorvido pelo sonho.
escrever
é sempre fugir do eu-lugar.
debaixo
da pele do silêncio e das palavras
se
instaura o abismo do poético.
criar é
educar o ser para a linguagem.
na complexidade
das coisas simples
pode-se
ouvir o rumor de uma Lei
e o
pensamento de um deus
absorto.
16 novembro 2020
AFIRMATIVO
sim, negritude é uma
manifestação cultural
e política mobilizadora.
os argumentos que livram o negro
das armadilhas
do discurso colonial tornam-se novas
formas
de idealização do negro.
escritor negro, literatura negra,
literatura afro-brasileira podem
aprisionar, mas o debate é salutar.
o critério para definir o que é negro deve ser cultural.
a perspectiva mais ampla sobre essas questões deveria
ser a dos negros.
a cultura é uma teia de
significados tecidos
ao redor de nós mesmos.
urge captar a densidade
simbólica
das coisas.
miscigenação cultural pode
provocar mudanças
em determinadas etnias.
o oponente não é o brasileiro
branco
e sim o brasileiro racista.
identidade nacional coesa é papinho
de redação de
vestibular.
afrodescendente é o resgate de uma
descendência
diluída nas
miscigenações.
o branqueamento produz escrituras esquecidas
das desigualdades.
além da mimese das formas
europeias,
sob a melodia das flautas pan
subsiste os ritmos africanos
sufocados.
somos um país de mestiços
e isso não quer dizer que
antecipamos
um mundo sem raças.
temos que ser afirmativos.
os signos devem ser postos novamente
em movimento.
Machado, Castro Alves e Cruz e
Souza
sempre foram negros.
somos todos exilados de nós
mesmos.
somos todos negros cravados
de escravidão.
sim, homens e mulheres brancos
já falaram
demais.
10 novembro 2020
ARGILA, de Thiago de Mello
“Em 1942, Thiago de Mello
embarcou num navio com destino ao Rio de Janeiro. Com apenas 16 anos, já no
curso de Medicina, obtinha boas notas e, ao mesmo tempo, dedicava-se a sua
vocação literária. Conheceu Carlos Drummond de Andrade, que o recebeu com
estima e percebeu, em seus primeiros textos, uma força que só poderia ser
conquistada por alguém de forte vocação literária. Mello, aconselhado por
Drummond, apresentou seus textos a Álvaro Lins, na época diretor de redação do
jornal. Seus poemas foram publicados no jornal Correio da Manhã.
Na década de 50, o suplemento
literário do jornal Correio da Manhã era um dos principais meios de
divulgação da produção literária nacional, tendo obra de autores consagrados e
jovens estreantes como Thiago de Mello.
Em pouco tempo, conquistou a
amizade de Manuel Bandeira, José Lins do Rego e de outros autores de renome. Na
época, Thiago de Mello fundou com Geir Campos a editora Hipocampo. Através da
atividade de editoração, paralela ao de jornalismo, Mello e o seu parceiro
conseguiram, além da experiência no trato da obra literária, a produção de seus
primeiros livros e o aprofundamento das relações no mercado editorial. Isso
envolvia o contato com escritores contemporâneos, editores, artistas e críticos
literários, algo fundamental para o capital literário de um escritor em início
de carreira.”
[Trecho da Dissertação de
Mestrado apresentada por Pollyanna Furtado Lima à Banca Examinadora do
Mestrado em Letras - Estudos Literários do PPGL]
Poema publicado no jornal
Correio da Manhã.
ARGILA
Thiago de Mello
Artesãos negligentes esqueceram
em nós leves resquícios de imatéria:
mas esta frágil parte, que se esquiva
da terrena prisão e tenta o voo
num arremedo de pássaro cego,
e que sem asas corta um outro espaço
tingido pelas cores dos enigmas,
logo retorna ao ver o seu impulso
anular-se ante a face do mistério.
Nestes regressos, triste se agasalha
entre os desvãos da argila e nos convence
de que estamos grotescamente fixos
no chão; berço, morada, e nosso além.
[Imagem: Thiago de Mello e Pablo Neruda no Chile]
06 novembro 2020
FILHOS DA TERRA
Meus irmãos
estão mortos
sendo mortos
e eu
continuo a chorá-los na solidão
de nosso isolamento.
Nossos
amados foram mortos
continuam a ser mortos
com aquele
toque fatal
de soberba e estupidez.
O desaparecimento
de milhares
em tal agonia
mergulha nossa vida
no cotidiano
da desgraça.
Nossos irmãos são mortos
e seu
sangue mancha os campos
já devastados
da Terra.
Ainda assim, continuamos aqui
vivendo, curtindo, fazendo memes
como se
vivia quando estavam
sentados no trono da vida
e nossos prados seguiam
iluminados pelo Sol.
Morreram
todos e continuam
com suas
mãos estendidas
e os
olhos a refletir
o desprezo, o ódio e a escuridão
iminente.
Morreram
em silêncio,
pois os ouvidos de todos
continuam fechados
para os apelos
e tantos gritos desolados.
Morreram
porque são pacíficos
e se acostumaram a morrer
de fome, de soco ou de bala
na terra
onde sempre
jorrou
o ouro,
o melaço
e a água límpida
e ácida da vida.
[Carcaça de um macaco-prego
morto em área queimada no Pantanal. Foto by Lalo de Almeida]