28 março 2011
MIÚDOS
Dona Aranha
Hoje eu tropecei pela primeira vez na dona aranha. É assim que meu pai a chama. Ele é muito respeitoso com as aranhas. Diz que elas são damas do reino animal e que algumas se tornam viúvas negras e alegres. Não entendi direito, mas rimos um bocado. Meu pai sempre me enche de pipoca pra que eu assista o filme do homem-aranha com ele. Eu tenho medo de aranha, pai, digo, mas ele não me ouve. Repara no uniforme dele, insiste.
Realmente, a roupa do homem-aranha é bem bacana. Meu amiguinho José já foi com ela para a escolinha. Não queriam deixar ele entrar, pois só nas segundas-feiras é que podemos levar brinquedos. Levar brinquedos, mas não vir vestido de brinquedo. O José não entendeu, chorou, esperneou e acabou conseguindo, ficou o dia todo sendo o próprio homem-aranha. Se bem que no meio da tarde ele já estava todo molhado. Acho que ser o homem-aranha deve ser muito cansativo.
Mas a aranha que eu esbarrei é menina e tem muitas perninhas. Eu pensava que elas tinham muitas perninhas pra piscar a gente mais vezes. Meu pai fez uma careta e disse “ah, picar, você quer dizer... mas não é bem assim”. As perninhas eram para se segurar e correr mais rápido. Assim como as baratas. Arrgh. Não vamos falar delas agora não, pai. Que nojo! Mamãe, o papai está falando de baratas!
Ufa, meu pai mudou de assunto. Ele está dizendo que todos os miúdos têm algo muito precioso que é a vida. Hum... Miúdos é como ele chama tudo que é pequeno: bebês, plantinha, bichinhos e até eu que já não sou mais um bebê. Aliás, minha mãe perguntou outro dia se eu gostaria de ter um miudinho. Ela queria dizer um irmãozinho. Ah, seria bom mais um miúdo nesta casa.
Mas papai, a dona aranha tem outra coisa mais preciosa? Não sabe? É que eu acabei de esmagar aquele algo muito precioso da dona aranha. E todas as suas perninhas. Foi sem querer, papai! Ah, sem querer também é causa negativa? Que coisa chata.
[Primeiro conto de meu projeto de livro infantojuvenil, MIÚDOS.]
22 março 2011
BANZO
carrego em meu lombo
várias máculas onomásticas
sou Zé, filho de Edward
um desterro sem quilombo
e sobre o nome
a Cruz
sou nenhum
mulato negro índio
ninguém tingido d’água
salgada vindo
mesmo depois de liberto
sapatos a luzir
— inédita condição —
um ilhéu
que o destino não quis
soteropolitano
um grapiúna no sul-
maravilha quase
impecável
sem marcas
cicatrizes
não ungido
sem excesso
de melanina
algo assim próximo à matéria
alva que se tinge o mundo
visão última
dos que erram o alvo
e encontram
a morte
[foto: Pierre Verger]
16 março 2011
...O Portal do Dragão - Uma versão...
quando o torpor do sono vem
e o ser apaziguado fica
algo enfim desperta e bem
com o sonido d’água precipita
e feito sonho dentro de um sonho
a imagem de um peixe nos habita
salta pra fora num dançar bisonho
alçando-se ao topo da queda entrevista
(mas não é tão simples para uma carpa
transformar-se em um dragão)
assim como as carpas buscam
o portal do dragão
assim como os poetas anseiam
enxergar na escuridão
assim como o plebeu almeja
algum dia ser barão
todos o seres ensejam
alcançar a iluminação
(mas não é tão simples para uma carpa
transformar-se em um dragão)
parece fácil como tocar harpa
como tatuar o sim na água do não
mas um canto grave como bordão
repete sempre o mesmo refrão
não desanimem, persistam
superem o limite do ego falastrão
pois ninguém escapa da morte
nem mesmo o grande dragão.
[Poema inspirado na parábola budista de mesmo nome. Confira.]
02 março 2011
Módulo Poema - Terracota
Ontem, foi o último encontro do curso Prática de Criação Literária-Módulo Poema, lá no espaço da Terracota Editora. Para finalizar o curso com chave de ouro, convidei dois poetas batutas e bem-falantes. Deram um show de erudição, humor e consciência poética. Valeu, Glauco Mattoso e Luiz Roberto Guedes.
[fotos: Claudio Brites]
Glauco Mattoso, Edson Cruz e Luiz Roberto Guedes
Edição do Jornal Dobrábil, de Glauco Mattoso
[fotos: Claudio Brites]
Assinar:
Postagens (Atom)