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09 setembro 2010

Mecanismos Precários






















Mecanismos precários é uma coletânea de dezessete poderosos contos sobre a turbulenta existência na metrópole. São narrativas intensas e vigorosas, que contemplam os muitos lados da vida em sociedade: a poesia e a violência, a fraternidade e o medo, o humor e o amor etc.
Do realista ao alegórico, passando pelo subjetivista e pelo nonsense, uma ampla gama de registros literários sustenta essa reunião de vozes narrativas.
Participam do livro alguns dos melhores ficcionistas brasileiros da nova geração (Edson Cruz, Marcelino Freire, Nelson de Oliveira, Luís Marra e Marcelo Maluf) ao lado de jovens promessas não menos talentosas.

Autores: Ábia da Silva Gomes, Alexandre Heredia, Claudio Brites, Edson Cruz, Eduardo Sigrist, Laura Fuentes, Marcelino Freire, Marcos Roma, Nelson de Oliveira, Nelson Lourenço, Patricia Cytrynowicz, Ricardo Delfin, Tiago Araújo, Valéria Piassa Polizzi, Deborah Panachão, Luís Marra e Marcelo Maluf.


Prefácio:

Contos cortantes e perfurantes

A pintura mais famosa de Pablo Picasso retrata uma cidadezinha basca — Guernica y Luno — bombardeada pelos nazistas a pedido dos nacionalistas espanhóis, durante a Guerra Civil.
A grande tela em preto e branco, em estilo primitivista e cubista, mostra corpos mutilados e incendiados, de pessoas e animais. Terrível.
Dizem que um oficial nazista, horrorizado com a feiúra da tela, perguntou ao pintor: “Foi você quem fez isso?”
Picasso respondeu: “Não. Foram vocês.”
Toda a arte e toda a literatura modernas tratam da feiúra do mundo. Essa é sua forma de protesto: denunciar as injustiças e a crueldade, mostrando-as.
Os contos reunidos nesta antologia, fiéis a esse princípio, incomodam, inquietam. Podem até chocar. Mas não culpem os autores por isso. Culpem a própria sociedade.
Mecanismo (substantivo: “combinação de peças que fazem funcionar uma estrutura orgânica ou mecânica”) precário (adjetivo: “que está em más condições e não cumpre a contento seus propósitos”) é tudo o que funciona mal na sociedade. Tudo o que corta e fura, provocando angústia e dor.
Mecanismos precários somos todos nós: tesouras na própria carne.
A função da literatura é revelar isso, por meio do mergulho estético. E assim nos salvar de nós mesmos.

Os organizadores

03 outubro 2009

Como deixei de ser Deus

A gente diz o que a língua permite. E ela permite pouco quando o ser bebe do absoluto. O que diria Deus se percebesse que já não o era mais? O que diria um mortal comum se compreendesse que ainda é Deus? O que dizer quando um escritor nos revela como deixou de ser Deus? Espanto. As palavras atrapalham-nos, pois quando a alma fala já não é ela quem diz. A língua é sempre fascista se queremos nomear o mundo. A visão absoluta é a cegueira. O exagero é a expressão do moderno. O gêneros foram estilhaçados. Graças a Deus. Ou melhor, graças a escritores que deixaram de ser Deus. Schlegel já provou que só se apreende o todo no fragmento. “A minha ambição é dizer em dez frases o que qualquer outro diz em um livro — o que qualquer outro ‘não’ diz em um livro.’, escreve Pedro Maciel. E consegue. Seu livro pode ser lido de olhos fechados e torna-nos um autor amplificado. Nietzsche dizia que seus aforismos eram a pura filosofia. Filosofia à golpes de martelo. Pedro Maciel tece sua escritura numericamente estilhaçada e diz que é um “romance”. Esses caras vieram para nos confundir. E conseguem. São deuses caídos. Ou serão anjos?



Trechos do livro:

21
(...): não me importo com as coisas perdidas mas com o tempo perdido. O vento nunca devolveu o meu tempo.

28
: pelo amor de Deus se vai ao inferno. Deus é um bom Diabo.

35
O espírito permanece no tempo e não no espaço. Jamais tive outro cárcere além do meu corpo.

37
O pensamento está sempre além do corpo. A linguagem é a máscara do pensamento.

40
(...): ele reparava atentamente em todo relâmpago que mergulhava no lago; fazia questão de medir a extensão dos raios para desvendar com quantos espelhos se esclarece uma noite. A hora dele não é deste tempo. Ontem ele deu um perdido no passado e correu para se adiantar mas não parou lá adiante como se fosse um antes. Continuou percorrendo, correndo, vivendo e morrendo todo dia. Todo dia é uma memória.

43
(...): se não há sonho, há muitas realidades a serem realizadas. O pesadelo é um oráculo.

48
Ele pôs fim à própria vida por uma questão de princípios. Se, na hora da morte de um homem, toda a compaixão dos outros homens se juntasse para impedi-lo de partir, esse homem não morreria.

86
Eu vivo às cegas. Minha sombra olha por mim.

121
Ontem visitei a cidade em que nasci; ninguém me reconheceu. Deus não se revela ‘no’ mundo.

2041
Não dê ouvidos aos adivinhos. (...) não há um mundo a descobrir.



Como deixei de ser Deus, Ed. Topbooks será lançado em São Paulo, no dia 20 de outubro, terça-feira, Livraria da Vila, Jardins. Al. Lorena, 1731, Jardins – 3062.1063. Nos vemos por lá.