O Sesc Pinheiros
organiza esta série de diálogos sobre a formação do Brasil, da identidade
brasileira e da cultura do ponto de vista da Literatura e dos escritores. Me
pediram pra mediar o diálogo destas duas figuras tão diferentes e tão sedutoras
(cada um a seu modo). Cristovão Tezza é
uma simpatia, bem-humorado e muito bem informado. O Marcelo Rubens Paiva, que eu não conhecia pessoalmente, foi uma
bela surpresa. Irônico, questionador e educado. O papo poderia seguir
tranquilamente em uma mesa de bar, ou na sala de casa.
O Sesc, na figura do brother André Dias - idealizador e
instigador do belo projeto -, me pediu também que eu introduzisse o tema com um
texto. Compartilho, então, com quem se interessar o texto que li na abertura:
"Dizem que a Literatura no Brasil nasceu a partir dos
primeiros escritos de viajantes e missionários europeus que documentavam as
informações sobre a terra recém-colonizada. Podemos dizer que o próprio Brasil
e os brasileiros foram forjados por esses escritos testemunhais. Sempre pelo
olhar do colonizador.
Embora esses primeiros escritos não possam ser considerados
como Literatura de fato, por estarem demasiadamente presos à crônica histórica,
são compreendidos como o ponto de partida para a formação de nossa identidade
literária e cultural.
Sabemos, também, que há várias visões e narrativas sobre o
que seria e o que poderia vir a ser o Brasil, o brasileiro e a sua cultura em
formação.
Para um escritor, tudo não passa de narrativas.
Será interessante ouvir o que escritores pensam sobre essas
narrativas; narrativas que não foram forjadas só pelos historiadores, mas
também pelos próprios escritores no afã de entender o que seria este país que
abraça povo tão exuberante e contraditório.
Alguns de nossos escritores se rebelaram contra o argumento
de que nós seríamos a projeção de uma utopia europeia; aquela Visão do Paraíso descrita por Sérgio Buarque de Hollanda. Outros
construíram seu olhar narrativo buscando formatar esta utopia projetada pelos
europeus. Outros ainda diziam: “Não há o que desculpar. Todas as colonizações
são más, mas esta resultou em algo extraordinário que chamamos Brasil.”
O filósofo Paul
Ricoeur compara o homem contemporâneo e o historiador com o sonhador e o
narrador do sonho.
O contemporâneo é o sonhador; seu vivido é como o sonho. Ele
vive e convive com a noite, entre eventos desconexos e desarticulados. Vive o
mistério de um espetáculo desconhecido que é a sua própria vida e ele a sua
própria expressão.
O historiador é o sonhador no dia seguinte: um narrador do
seu sonho. Acordado, ele tentará se lembrar do que sonhou e fará uma narrativa
do sonho. A narrativa não é o sonho ou a sua vivência exatamente, mas sim, um
esforço de organização e atribuição de sentido.
Os escritores, eu acrescentaria para complicar, são uma soma
de tudo isso: além de sonharem e serem exímios em narrativas sonhadas ou
vividas, narram o que ninguém ousou sonhar ou viver. Inventam e, às vezes, suas
invenções são mais reais do que o rei.
Eles seguem observando, idealizando e gerando novas e
extraordinárias narrativas. Não necessariamente nesta ordem:
José de Alencar e
sua lenda fundadora da nacionalidade: a imagem majestosa do ameríndio Peri.
Euclides da Cunha
e sua construção da figura do sertanejo (aquele que é, antes de tudo, um
forte).
Gilberto Freire e
sua visualização de um novo mundo nos trópicos: segundo ele, a mais
bem-sucedida experiência da colonização portuguesa.
Mário de Andrade,
suas pesquisas etnográficas e sua identificação do brasileiro essencial:
Macunaíma, o sonso sabido, o herói irresponsável, o consequente-inconsequente,
aquele sedutor que não sustenta nenhum projeto.
Sergio Buarque de
Hollanda e sua busca pela alma da terra brasileira nas raízes da
lusitanidade; as relações patrimoniais escoradas no favor e revelando o
verdadeiro caráter do “homem cordial” brasileiro. E concluindo que o futuro só
poderá ser construído com o rompimento com parte do passado aprisionador.
Caio Prado
interpretando de forma materialista os ciclos econômicos do Brasil.
Antonio Candido
que, enquanto a elite se empenhava em formar uma nação, se empenha com a sua
Formação da Literatura Brasileira, sua identificação de momentos decisivos.
Alfredo Bosi e
sua dialética da colonização. Percebendo e iluminando-nos a respeito das
relações entre as palavras ‘colônia’, ‘culto’ e ‘cultura’
(colo-cultus-cultura), ou seja, que na raiz do nome ‘colônia’ e do verbo
‘colonizar’ está o verbo latino ‘colo’, de cujas formas participais derivam os
termos ‘culto’ e ‘cultura’.
Roberto Schwarz e
a identificação de nossas ideias fora do lugar, onde tenta elucidar como se deu
a leitura de uma sociedade na qual as ideias liberais foram solapadas pela
realidade de um país escravocrata e socialmente atrasado, em que o favor era a
moeda corrente.
E, por falar em país escravocrata, não podemos esquecer do
escritor modelo e copiado, idealizador da Academia Brasileira de Letras, seu
primeiro presidente, o negro enrustido Machado de Assis. Pai, em alguma medida,
de todos nós.”