outeiro criado de acúmulos
tegumentos enrijecidos
essências exteriorizadas
depósito de antiquíssimas
coisas que não deterioram
plástico cheio de esperma
restos que não evaporam
interiores de madrepérola
coisas não transformadas
em objetos de adorno
palavras não específicas
lamelibrânquios lâmina
branca de sentidos
forno onde se calcina
a cal da memória
fábrica de desmundos
mijos de civilizações
sambaquis
tudo que o tempo não esquece
nem envaidece
kjokkenmodding
Nota: Na foto, Ezra Pound em Veneza, local em que morreu, que foi um mestre no quesito linguagem literária. O poema acima faz parte de meu primeiro livro Sortilégio.
Descobri em meus arquivos um comentário inesperado do grande Augusto de
Campos (enviado por email depois do livro lançado) que nunca havia compartilhado, nem publicado. Compartilho agora e
notem que, claro, aceitei sua sugestão:
Caro
Edson,
Ezra
Pound dizia que os velhos não devem dar opinião sobre os mais novos, porque
eles tendem a gostar daqueles que se parecem consigo mesmos. Em suma, os velhos
são gente suspeita. No caso do SORTILÉGIO eu sou mais suspeito ainda, porque
venho de ser tratado por vocês com uma generosidade inusitada e imerecida.
Em suma: como diríamos hoje no nosso lulês cotidiano, os septuagenários
“não deveriam meter o nariz” no trabalho daqueles a quem passam a
bandeira. Mais atrapalham do que ajudam. Nos últimos anos de vida, quando já
quase não falava, solicitado para dar um conselho aos jovens, respondeu o Ol’
Ez: “Curiosity, curiosity“. Curiosidade é o que não falta a você. O que sei
dizer é que sua poesia tem garra e é tratada com esmero. Naturalmente, pelo
vício original apontado por Pound, prefiro os poemas curtos, que você domina
com segurança. Nada contra as tercinas (que necessitariam de mais precisão
rítmica) ou os versos mais largos, onde há experiências interessantes como
Lágrimas, com a sonoridade dos seus países e lugares, parecendo-me
mais do que válido que você se exercite em diversas frentes. Porém a impressão
que tenho é que, ao menos nesta fase, você se move, paradoxalmente, com mais
fluidez e precisão, no verso enxuto. [Uma sugestão de amigo. Por que o “se
envaidece” no bom poema LINGUAGEM? O problema gramatical é que a gente se
envaidece “de” alguma coisa, o que parece conflitar com aquele “esquece”. Mas
pode-se empregar perfeitamente “envaidece”, como transitivo, com uma pequena
torção no significado. Acho que você poderia usar com vantagem “tudo o que o
tempo não esquece/ nem envaidece.”]
Abraço grato, impertinente e suspeitíssimo do
Augusto
de Campos