30 janeiro 2008
Poemas dispersos III
sou só
sou só eu
eu sou eu
quando estás comigo
sou quase eu
sou mais que eu
sou voz
***
é preciso cantar
para vencer
o silêncio da noite
28 janeiro 2008
caos cintilante
me afirmo para relativizar
meu ouvido é absoluto
de incertezas
o princípio de Heisenberg
me delimita
seu produto associado
ao valor de uma coordenada
cicatrizada
e a não-certeza associada
ao correspondente momento
linear picaresco
não pode ser inferior
em magreza à constante
de plânctons normalizados
em minha saliva
27 janeiro 2008
25 janeiro 2008
Poemas dispersos II
o silêncio
das coisas sem voz
dos seres sem vez
de tudo que nunca
veio a ser
***
quando não ouvimos
a própria voz
desafinamos
24 janeiro 2008
Poemas dispersos
poderia assim começar:
amo porque pressinto.
***
o que dizes anoto
sem nomear
já não faz diferença
se foi eu
ou você.
***
ainda sofro de
metáforas
um preconceito
poético
do real
***
a arte tropeçou numa pedra brilhante...
19 janeiro 2008
No Dia Mundial Sem Carro
Glauco Mattoso
Nas ruas já não cabe tanto carro,
e a indústria do automóvel continua
querendo que inda caiba em nossa rua
aquele último tipo em que me amarro!
Vontade é o que não falta, mas esbarro
no preço do veículo: insinua
a falsa propaganda ser a sua
faceta a "popular", mas cheira a sarro!
Apenas porque o banco é reclinável
ou vem na cor de burro quando foge,
a loja já arredonda algum centavo!
Comigo não tem dessa! Inda que enoje
pisar num cocozinho, eis que desbravo
a pé minha calçada, olhando um Dodge...
Glauco Mattoso (paulistano de 1951) é poeta, ficcionista e ensaísta, autor de mais de trinta títulos, entre os quais as antologias "VÍCIOS PERVERSOS: CONTOS ACONTECIDOS" e "POESIA DIGESTA: 1974-2004", além dos romances "MANUAL DO PODÓLATRA AMADOR: AVENTURAS & LEITURAS DE UM TARADO POR PÉS" e "A PLANTA DA DONZELA".
E-mail: glaucomattoso@uol.com.br
***
no começo foi a roda
uma, duas, três, quatro
virou carro, virou moda
no final, acabou em cova
****
carro
caro
car
ar
a
...
cadê o ar?
Edson Cruz nasceu em Ilhéus e mora em São Paulo há uma eternidade. É co-fundador do site Cronópios e editor. Edita também, com os amigos Pipol e Marcelo Tápia a revista eletrônica Mnemozine (www.cronopios.com.br/mnemozine). E-mail: edsoncruz@cronopios.com.br
16 janeiro 2008
Diálogos sobre a PAZ
"A paz não é um conceito abstrato e remoto de nossa vida diária. É uma questão de como cada um de nós planta e cultiva as sementes da paz em nosso mundo real, em nosso cotidiano, nas profundezas de nosso ser e por toda nossa vida. Tenho certeza de que nisso se encontra o caminho mais seguro para a paz duradoura.
A paz não se concretiza com uma espera passiva. Deve ser trabalhada com energia e concentração. A "arma" mais poderosa daqueles que desejam criar a paz é o diálogo, a recusa em abandonar a capacidade da linguagem, que é o que nos faz humanos. O diálogo e a comunicação - seja qual for o resultado imediato - são em si um ato de fé em nossa humanidade. É essa fé que devemos nos empenhar incessantemente para fortalecer e reafirmar. A luta para compreender e ser compreendido requer que cada um de nós retorne à fonte mais profunda de nossa humanidade, além das diferenças históricas, culturais e de crença.
Nós todos fazemos parte da grande família da humanidade e somos moradores em comum de uma imensa casa chamada Terra. Não há outra forma se não nos entendermos. Mesmo que ressalte a importância de sua raça ou de sua crença, sem a paz, não existe nem a religião nem a prosperidade do povo.
Cada um de nós tem diferentes personalidades e temperamentos. Cada qual pensa de um modo diferente. Nossas bagagens culturais diferem, assim como nossos costumes. A fim de superarmos essas diferenças, a primeira coisa que devemos fazer é nos tornarmos amigos.
Os alegres intercâmbios de amizade entre as pessoas ampliam o caminho para a paz.
Como aspiramos a concretizar um século de união global, é mais do que natural que diálogos pela paz e intercâmbios educacionais e culturais que transcendam as fronteiras de religião, raça e nacionalidade tornem-se cada vez mais importantes.
Uma transformação em nossa determinação inicialmente produzirá uma transformação nos limites internos de nossa vida; isso nos possibilita a manifestar qualidades de excelente saúde, uma força abundante e uma ilimitada sabedoria. Uma vida que foi transformada dessa forma conduzirá outras em direção à felicidade e se comprometerá em extinguir o mal. Também terá um impacto na sociedade e no meio ambiente, transformando ambos num paraíso de paz e prosperidade.
A paz mundial inicia-se com uma grande revolução humana de uma única pessoa. Em primeiro lugar, deve-se realizar decididamente uma mudança pessoal -- uma revolução do próprio ser. Se mesmo uma única pessoa fizer sua revolução humana, a felicidade se espalhará entre aqueles que estão ao seu redor, assim como a água molha a terra seca. Uma esfera de paz e felicidade se formará ao redor dessa pessoa.
"Auto-aprimoramento" e "levar paz e segurança às pessoas" pode parecer muito simples. Mas Confúcio ensinou que aquele que pode realizar isso é de fato um líder da mais alta qualidade.
A compreensão budista de benevolência pode, estou certo, servir para criar uma nova cultura de simbiose que seja baseada no respeito pela pessoa humana, ou para criar um novo relacionamento com a natureza que seja de florescimento mútuo da humanidade e do meio ambiente global. Além disso, ela encoraja o tipo de ação altruística ou prática de Bodhisattva que pode redirecionar a história humana da divisão para a unidade, da confrontação para a harmonia, da guerra para paz.
A tolerância é o pré-requisito para a coexistência pacífica de todos os povos da Terra e a única alternativa para o ódio que leva aos horríveis crimes contra a humanidade. O ódio é o lado maligno da tolerância."
[Extraído do site da Associação Brasil Soka Gakkai Internacional
Veja também: Proposta de Paz, de 2007, do filósofo humanista Daisaku Ikeda]
15 janeiro 2008
Paz e Marcelino Freire
da paz paulista
Eu não sou da paz. Paz é coisa de rico. Uma desgraça. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. Prefeito e senador. Vou não. A paz fica bonita na televisão. Falsa. É uma senhora que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito pálida. Branca. A paz precisa de sangue. Cansei de passeata. Quem vai ressuscitar o meu filho? Hein? A minha vontade é sair atirando. Matando todo mundo. Eu matava, pode ter certeza. Mas a paz é que é culpada, sabe? A paz é que não deixa.
________________________________________
Marcelino Freire, 40, escreveu, entre outros, "Contos Negreiros" (Record), livro vencedor do Jabuti 2006. Idealizou e organizou a antologia "Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século" (Ateliê).
12 janeiro 2008
CEP 20.00O
Adorei conhecer essa moçada do Rio de Janeiro. Nada de meninos do Rio sem nada pra dizer. Grande Guilherme Zarvos. Abraço ao Chacal. E aí Tavinho Paes? Confraria da boa. Poeta radioativo. Diga lá Márcio-André. No dia de meu aniversário, uma homenagem a vocês!
[Um Documentário de Daniel Zarvos - Várias partes no YouTube, ou em DVD]
11 janeiro 2008
A BUREKA TAIWANESA
O paulistano Denny Yang está em Taiwan, trabalhando e estudando. Os pais dele são de lá e ele, desde criança que não pisa por lá. Diz que vai tocar um pouco de bossa nova para os chineses e escrever o máximo possível. Talvez, aprender a ler os impossíveis ideogramas. Já sabe uns 50. O cara é rápido. Abaixo um recado de Taipei.
Dizem que escritor adora café, seja com ou sem cigarro. Não sei se é verdade, mas para mim, é um fato. Adoro um bom café, aprecio tomar um café bem tirado, com grãos honestos, e que seja um café barato.
Ainda no Brasil, havia um Café – que creio que ainda está lá – chamado Bureka, bem, ao menos assim eu o chamava, sempre ia tomar café por ali, uma a duas vezes por dia. Conhecia todo mundo lá, a gerente, as meninas que trabalhavam ali, e sempre conversava muito com elas. Tive que abandoná-las em prol de uma viagem a Taiwan, a fim de tirar um pouco de “férias” do Brasil, reabastecer minhas baterias, e resgatar e descobrir de onde vieram os valores que nortearam a minha família e a mim (consequentemente), ao longo de minha vida.
Quando vim para Taiwan, dois meses atrás, pensei que não havia nada que fosse insubstituível, pois com a internet a distância e a saudade dos amigos e contatos profissionais diminui muito, mas eu sabia que não haveria mais uma Bureka por aqui. Surpresa foi a minha quando vi que aqui em Taipei há – e muitos – Cafés pelas ruas e calcadas da cidade, e o café, surpreendentemente, é tão bom quanto o brasileiro. Starbucks, Barista, Dante, tem um monte de redes de Cafés por aqui, e do lado do escritório onde estou trabalhando há um Café que, no meu primeiro dia de trabalho, comecei a freqüentar. A dona do Café, ainda no primeiro dia, achou muito estranho eu não saber falar chinês, apenas um inglês mixado com algumas parcas palavras que eu sabia, de tanto ouvir meus pais falando entre si. E, mesmo depois de entender que eu era estrangeiro, ainda ficava desconfiada, ela e sua garçonete.
Ao longo desses dois meses, trabalhando e também estudando - numa escola de língua chinesa -, freqüentando o Café, comecei a fazer amizade com o pessoal deste Café em Taiwan, e o combinado era que eu ensinasse inglês para elas, e elas chinês para mim. Começamos a conversar muito, e meu chinês, graças a Deus, deu uma crescida que hoje já posso dizer que falo a língua, muito embora ainda não saiba ler nem escrever os ideogramas chineses, apenas alguns mais básicos. Falando muito a respeito do Brasil, expliquei o que significava a palavra “saudade”, que, dizem os lingüistas, não tem tradução para outra língua. Expliquei o problema de desigualdade social, racismo, e violência que acomete o Brasil. Disse a quantidade de amigos que deixei na terra-pátria, e a saudade que era quando chegava o sábado, quando, vivendo em São Paulo, eu sempre saía com uma grande turma.
Na semana passada, elas – a Tou Tou e a Mei Mei – me convidaram para sair num sábado, fomos no cinema, e depois num bar onde se tocava música taiwanesa. Agora, vou todos os dias no Café, na minha Bureka taiwanesa, duas vezes por dia, como se eu estivesse conversando com as meninas da Bureka de São Paulo. Ontem, novamente, fomos todos num bar e restaurante de jazz, ao que bebemos cerveja e voltamos de táxi, todos um pouco altos... As coisas aqui, felizmente, ainda são muito baratas, a empregabilidade é alta, o custo de vida baixo, e (surpreendentemente!), o café, além de barato, é muito bom e saboroso...
um abraco,
Denny Yang
http://acasadacolina.blogspot.com/
08 janeiro 2008
As coisas belas são difíceis
nem tanto
aquém
nem mais
além.
no ponto.
É da competência do ser amoroso, a aproximação e descoberta das coisas com delicadeza. De onde pode, às vezes, abruptamente surgir a beleza. Todo conhecimento que realmente importa, tem como princípio esta apreensão do Belo. E como já disse Platão, khalepà tà kalá: ‘as coisas belas são difíceis’.
A determinação, o instinto, para o Belo, mais do que seres humanos, nos torna poetas; mais do que poetas, pode nos conduzir a evidência suprema de estarmos plenamente vivos: a alegria. E a alegria partilhada é a própria felicidade.
O ser iluminado pela beleza pode secar os pântanos emputrecidos ou deles fazer emergir a pura flor-de-lótus. Como disse meu querido poeta Manoel de Barros, ‘vagalumes driblam a treva’.
agora que o verão chegou
lembro que poderia nunca ter vindo.
na sombra ainda faz frio
no sol aqueço o íntimo.
tudo parece óbvio
tudo já foi ínfimo
tudo já foi vento...
muito passou por minhas mãos
trevos de cinco pontas se perderam.
a vida sopra generosa
com boa sorte e sua demora
eu continuo a deambular.
‘o inverno nunca tarda
em se tornar primavera’.
Vamos adiante, amigos, pois o ano começou e as coisas belas, realmente, não são fáceis.
06 janeiro 2008
Contos de Algibeira
Uma antologia organizada por Laís Chaffe e editada pela Casa Verde onde 107 autores, entre brasileiros e portugueses, consagrados ou não, mostram seus minicontos, "icebergs, sorvetes e nocaute". Confira a extensa relação de convidados e demais informações do lançamento, no Brasil e em Portugal, no site da editora, http://www.casaverde.art.br/.
Participei com o conto abaixo:
Sophia
para minha filha Sophia Miki
O verdadeiro sábio diria que há caminhos no céu que só os pássaros conhecem, e como eles sabem se guiar, sem trombadas, a não ser quando um helicóptero os estraçalha em pleno vôo; o sábio realmente diria que há trajetos nos mares manjadíssimos pelos peixes, que sempre vão aonde desejam, se é que peixe deseja alguma coisa; peixe não chora vocês já repararam?, embora alguns poetas em seus tankas vislumbrem lágrimas nos olhos dos peixes, mas que eles sofrem, sofrem; talvez, não mais do que nós, que não conhecemos caminhos nos céus, nem nos mares, muito menos na terra, a não ser aqueles caminhos manchados de sangue de nossa triste história recente e sem fim.
03 janeiro 2008
Procurando a poesia em 2008
Sim, os poetas foram expulsos do Estado ideal proposto por Platão. Ao longo da história humana o poeta sempre incomodou, de uma forma ou de outra, mais do que acalmou os sentidos. A “antena da raça”, para alguns; “um sonhador”, pra outros; “um desencaminhador”, para Platão.
Mistificações à parte, o poeta é aquele que faz poesia. Grande novidade, você vai dizer. Mas acontece que essa palavrinha derivou de poiésis, uma bela palavra grega, que significa criação, fabricação, composição. Isso quer dizer que em sua origem o poeta era todo aquele que criava alguma coisa: o fazedor, o artesão.
Em outras palavras, o marceneiro, o pipoqueiro, o centro-avante, todos eles são poetas do ponto de vista grego. Encarar a poesia dessa forma é bacana pois retira a aura do poeta e nos aproxima do material necessário para toda grande, ou pequena, poesia: as coisas da vida.
É claro que, com o passar do tempo, o significado desse termo se especializou. A poesia, de maneira geral, é considerada pelos seus artífices (olha outra acepção da palavra poesia) como sendo um fenômeno de linguagem. Um trabalho com as palavras. Um arejamento e revitalização da língua.
O grande poeta Manoel de Barros diz belamente que poesia “designa também a armação de objetos lúdicos com emprego de palavras imagens cores sons etc. geralmente feitos por crianças pessoas esquisitas, loucos e bêbados”. Esse velhinho sábio tem bom-humor. Para ele poeta é um “indivíduo que enxerga semente germinar e engole céu. Sujeito inviável: aberto aos desentendimentos como um rosto”.
Hoje em dia, depois de tantos movimentos culturais e literários, parece que poucos prestam atenção para a poesia – e para os poetas. Pois é, poesia – glosando o grande poeta Décio Pignatari – você já não tem valor de mercado. Não serve para nada, viu mãe. É um inutensílio, como dizia o poeta Paulo Leminski.
Será?
Dando nome aos bois: Pode-se conhecer muito da produção literária contemporânea, e de todos os tempos, pela Internet. Como as editoras "preferem" não apostar na poesia, e nossos jornalistas dos cadernos culturais não se arriscam, a Internet tornou-se, talvez, um dos principais meios para a sua circulação. Confira os links abaixo, sem contar as centenas de blogs de bons poetas existentes.
www.arteria8.net/
http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/kamiquase/home.htm
http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/home.htm
www.bestiario.com.br/maquinadomundo/
www.revista.agulha.nom.br/pessoa.html
www.germinaliteratura.com.br/
www2.uol.com.br/augustodecampos/
www.revistazunai.com.br/
http://glaucomattoso.sites.uol.com.br/index5.html
http://www.andrevallias.com/
http://antoniocicero.blogspot.com/
http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/
http://www.jaguadarte.blogspot.com/
www.cronopios.com.br
www.cronopios.com.br/mnemozine
[Vídeo: "Hexaedro" de André Vallias e "Números" de Velimir Khlebnikov (traduzido por André Vallias)]