31 janeiro 2009

Antonio Cicero à queima-roupa



1) O que é poesia para você?

A poesia é o que faz de um “poema” um poema; ou, o que dá no mesmo, é o que faz de um poema um poema bom. Também se pode dizer: é a propriedade do poema enquanto poema. É a propriedade que torna um objeto – em particular, um objeto verbal – algo que, mesmo sendo inútil, mereça existir. Se fosse possível descrever essa propriedade, seria possível dar uma receita de poema. Isso, porém, é impossível. Como diz Montaigne, é mais fácil produzir poesia do que conhecê-la. “Em certa medida baixa”, afirma ele, “pode-se julgá-la pelos preceitos e pela arte [isto é, pela técnica]. Mas a boa, a excessiva, a divina está acima das regras e da razão”. É que a razão é apenas uma das faculdades humanas; ora, a poesia é produzida e apreciada com todas as faculdades humanas, inclusive as não-racionais, elevadas ao seu mais alto grau.

2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?

Acho que há diferentes caminhos. Penso, porém, que o mais importante é, em primeiro lugar, aprender a ler e apreciar poesia. E isso se faz através da leitura intensiva dos grandes poemas da tradição. É através deles que se sabe o que é a poesia.

3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?

Citarei, por exemplo, Horácio, T.S. Eliot e Drummond. Digamos o poema 7 do livro IV das Odes de Horácio; o poema “East Coker”, de Four quartets, de T.S. Eliot; “Coração Numeroso”, de Alguma poesia, de Drummond. São três obras-primas. Admiro imensamente seus autores. Todos são mestres insuperáveis da forma, da sutileza, da malícia... Horácio, por exemplo, usa todos os recursos da língua, como, por exemplo, a liberdade da ordem das palavras, em latim, para multiplicar maravilhosamente os sentidos de cada verso, de cada palavra, de cada estrofe. Ele é intraduzível, de modo que aprendi a apreciá-lo tarde, quando estudei a sério o latim. Cito T.S. Eliot porque foi através dele que me imbuí, na adolescência, dos ritmos da poesia moderna. E não é necessário explicar a escolha de Drummond. Ele e Pessoa são, para mim, o máximo da poesia moderna em português, e tão grandes quanto qualquer outro poeta, de qualquer outra língua.




Antonio Cicero é autor, entre outras coisas, dos livros de poemas Guardar (Rio de Janeiro: Record, 1996) e A cidade e os livros (Rio de Janeiro: Record, 2002), bem como do tratado filosófico O mundo desde o fim (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995) e do livro de ensaios sobre poesia e arte Finalidades sem fim (São Paulo: Companhia das Letras, 2006). Em parceria com o poeta Waly Salomão, organizou o livro de ensaios O relativismo enquanto visão do mundo (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994) e, em parceria com o poeta Eucanaã Ferraz, a Nova antologia poética de Vinícius de Moraes (São Paulo: Companhia das Letras, 2003). É também autor de diversas letras de música, tendo como parceiros, entre outros, Marina Lima, Adriana Calcanhotto, João Bosco e Lulu Santos. Site: http://www2.uol.com.br/antoniocicero/

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