10 março 2009

André Vallias à queima-roupa


[foto: rainer von eichenbaum]


1) O que é poesia para você?

um curvar-se (re)pro/pulsante sobre as raízes da linguagem | o fazer dos gregos (poiésis), o arar dos romanos (versus) | o nadi contra suberna de arnaut, o rove over de hopkins | o rever de augusto, o ror de age, o ro de azeredo | a máquina não-trivial de heinz, a mariée mise à nu de marcel | o e começo aqui e meço aqui este começo de haroldo | a autopoiese de humberto, o organismo de décio, os metálogos de gregory | o commodius vicus of recirculation de jay ay ay jay | a faca de cabral, o cavalo de odisseu, a navalha de william, a ars de llull | a frase de zé lino, o zen de pedro xisto, a ave de wlademir | o albatroz de baudelaire, voyelles de rimbaud, o möwe de un rien | o ícaro de brueghel, o áporo de carlos, o cacto de manuel | os kenningar de borges, os babilaques de waly, o I, too, dislike it de marianne | o herbário de emily, os travessões de elizabeth, a smith corona de edward, as vírgulas de estlin | o soneto de sá, a fita métrica de miranda, o eros de omar, as safos de fontes | les êtres lettres de leirner, as letras de mira, as lenoras de lenora | los cuatro puntos cardenales son tres: el norte y el sur de huidobro | o mundo de fuller, a fera de flusser | o marisco em ostracismo de joão, o avalovara de osman, a oda a marx de joan | o trobar clus de marcabru, o graffito de murilo, o silêncio de celan | josé e seus irmãos de mann, a aesthetica in nuce de hamann | o atta troll de heinrich, o tatuturema de sousândrade | a memória de hölderlin, o melro de trakl, a aranha de redon | o madrigal de gesualdo, a suíte de sebastian, as mobílias de satie | a ursonate de kurt, o urtod de stramm | os mortos de groys, o anjo de benjamin | o cred'io ch'ei credette ch'io credesse de dante | a escalada de francesco, o naufrágio de luís, o epitáfio de tristan | a ève, sans trêve de jules, a salomé de moreau, l'ève future de villiers | as pessoas de pessoa, as personae de pound | a princesa de brancusi, a origem de courbet, o coup de stéphane | o escudo de arquíloco, o machado de assis, a rapsódia de mário | o dedo de aderaldo, o dado de aderaldo, o dia de aderaldo | o polifemo de góngora, a graça do graça, a história de carpeaux | o gil engendra em gil rouxinol de joaquim, é tão triste cair de nelson e guilherme | a guariroba de gilberto, o cérebro de cícero, os olhos de adriana, o colírio de simão | o cinema falado de caetano, a ilustração da arte de antonio, os diagramas de lizárraga, os grides de gerty | o pelé calado é um poeta de romário | o tractatus de ludwig, os retratos de gertrude, o inferno de faustino | o golfinho de ossip, a anna de amedeo, a estrela de velimir, a forma de vladimir, o fogo de marina | roteiros roteiros roteiros roteiros roteiros roteiros roteiros roteiros roteiros de oswald | amor/humor (eterno roteiro)

2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?

educar os cinco sentidos (marx via haroldo), educar os tantos sentidos, educar todos os sentidos | que tudo é uma questão de tato | que a verdade é a aparência, que o mistério é a forma, e aquilo que o homem tem de mais profundo é sua pele (gide/valéry) | aprender línguas, aprender códigos e línguas | verter, transpor, intraduzir, transcriar, outraduzir | que todo poetar é traduzir (tsvetáieva) | saltar no ar | que o macaco que ficou no galho a onça comeu | estudar, estudar, estudar | que pra falar errado é preciso saber falar errado (adoniran) | errar e errar | que os sete pecados capitais são dois: preguiça e impaciência (k) | arriscar | que poesia é risco (augusto)

3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?

cito, dentre os não tantos mas também não poucos que conheci, três que influiram/influem decisivamente, por ordem decrescente de aparição na linha do tempo:

1) augusto de campos: cujo “expoemas”, belíssimo álbum serigráfico impresso por omar guedes, lançou-me à feitura de poemas visuais; mas de quem só vim me aproximar quando acabara de organizar a exposição “p0es1s – digitale dichtkunst”, em 1992, quando ambos já tripulávamos o bateau îvre da era digital; mestre insuperável da tradução-arte; a sua poesia e ensaística são-me fonte inesgotável de estímulo e inspiração; – o ethos do poeta.

2) age de carvalho: que tive a felicidade de conhecer na alemanha, em 1990; que me introduziu à luminosa belém de mário faustino, benedito nunes, haroldo maranhão, max martins e robert stock; que me fez ler paul celan e carlos drummond; cuja obra, tão diversa e próxima, eu admiro mais e mais; irmão em poesia e design; leitor atento (miglior fabbro) de tudo que eu faço; – a clausura do poeta/poema.

3) haroldo de campos: que em 1985 recebeu com paciência desmesurada o jovem que lhe trazia a “intrepretação visual” em serigrafia de uma de suas transcriações de heráclito – panta rhei / tudo riocorrente –, retribuindo com exemplares autografados da revista “invenção” e com uma conversa oceânica; cuja vasta criação (poesia, tradução e teoria) eu vou sempre rememorar; – a enteléquia incendiada.

destaco três textos essenciais, que recomendo com entusiasmo a todo poeta lato sensu:

a) “a árvore do conhecimento” de humberto maturana e francisco varela: obra-prima dos cientistas chilenos que disseminaram o conceito de “autopoiese” pelo mundo; e um alerta: que a tosca edição brasileira não afugente o leitor! – trata-se de um dos mais claros e bem-articulados ensaios científicos já escritos: da organização do ser vivo ao “linguajar” que descreve a organização do ser vivo; as bases de uma biologia da linguagem e da ética.

b) “a letra e a voz” de paul zumthor: o clássico sobre a criação nomádica, iletrada e performática dos trovadores e jograis da idade média é a melhor introdução que eu conheço ao fazer poético no multimidiático e interativo universo das tecnologias digitais; assim como tudo mais que esse mestre suiço escreveu e jerusa pires ferreira traduziu.

c) “língua e realidade” de vilém flusser: um bate-bola primoroso com os craques wittgenstein e heidegger; seu originalíssimo globo-diagrama – dividindo, entre os extremos do silêncio autêntico e inautêntico, a linguagem em: nada (es), oração, poesia, conversação, conversa fiada, salada de palavras, balbuciar e nada (man) – já justifica a leitura desse livro absolutamente fascinante.


[diagrama de flusser redesenhado por a. v.]



andré vallias é poeta, designer gráfico e produtor de mídia interativa. nasceu em são paulo, em 1963, onde se formou em direito pela usp. vem publicando regularmente seus poemas em exposições, antologias e revistas (impressas e on line), dos quais alguns podem ser vistos no site www.andrevallias.com e na revista eletrônica que edita com o poeta e ensaísta eucanaã ferraz, errática: www.erratica.com.br

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