29 outubro 2010

Galáxias traduzidas


















Ruy Castro fez graça, mas foi infeliz. Parafrasear um texto, ainda mais um com esta voltagem poética, é matá-lo com palavras carinhosas ao pé do ouvido.  Gosto muitíssimo do Ruy Castro, mas facilitar a poesia transformando-a em prosa prosaica pode passar a ideia que Haroldo complicou um texto que poderia ter sido escrito de outra forma. E sabemos que em poesia não é bem assim. Confira.

27 outubro 2010

Um mamaluco encantador























O escritor Luiz Roberto Guedes é uma das pessoas mais bem-humoradas e informadas que eu conheço. Nos encontramos com frequência na av. Paulista, eu saindo do trampo e ele indo pagar alguma conta, e os papos se estendem com fluência. Além de grande poeta e letrista, tem escrito prosa com grande pegada. Seu livro O Mamaluco Voador é uma delícia e deveria ter tido mais repercussão.

Outra noite, passamos horas preciosas em boa prosa (bebericando um ótimo vinho argentino) com o poeta Affonso Romano de Sant’Anna.


O livro com a capa acima, foi lançado por aqui em abril. Se ele houvesse chegado na vitrine das livrarias, agora já estaria escondido no fundo dela. Confira um dos contos do livro e saiba como adquiri-lo.
 
                                                  [Alô, Alessandra]

                                              por Luiz Roberto Guedes

    O céu escureceu ao meio-dia, tão de repente que os carros acenderam os faróis. O dilúvio castigou a cidade durante horas. Chovia sempre quando o pessoal abrigado na entrada do posto telefônico viu aquele homem gordo vindo pela calçada, enfrentando o aguaceiro com um guarda-chuva pequeno demais para seu diâmetro.
   Abriram alas para ele. O gordo mais gordo que qualquer um já tinha visto. Enorme, romboide, monumental. Com macacão de jeans, bolsa a tiracolo, sandália de franciscano. Ele olhou em volta e já fez cara de contrariado.
   Viu todos os telefones ocupados, a maioria por vendedores, gente que ficava horas papagaiando, empurrando plano de saúde, curso de inglês, loteamento, clube de campo e até jazigo perpétuo em “cemitério-jardim com qualidade de Primeiro Mundo, minha senhora”, ouviu o papo de um deles.

   Ficou rodeando, impaciente. Mal um sujeito desligou, deu o bote sobre o aparelho. Tirou uma agendinha do bolso da camisa, coçou seus três queixos e teclou.
   Alô, Alessandra! É o Alex, da Teatrupe. E aí, tudo bem? Cê sumiu, nunca mais pintou no teatro. Tá estudando inglês? Vai pra Londres? Quando? Então a gente precisa se ver, tô com saudade. Vou estrear minha peça no mês que vem, sabia? O Sequestro do Prefeito. Não, não é comédia, tá mais pra tragicomédia. Por que você não vem ver um ensaio da gente uma noite dessas? Ah, cê tem que estudar. E na semana que vem? Ah, é? Ah, tá, então tá. Ligo pra você outro dia. Vou te mandar convite pra estreia, hein? Quero te ver lá. Um superbeijo!
    Folheou rapidamente a agenda.
   Oi, Isabela, como vão as coisas?
   A mil por hora. No pique da grande agência de publicidade. Sem tempo nem pra dar um “treps”. Só bizness. Tinha que entrar em reunião agora, sem hora pra acabar, a gente marca um papo outra hora.
   Era a deixa para a sua última fala. Saiu de cena com classe:
   Grande Isa! Sucesso, moça. Superbeijo! Tchau.
   Ligou para Vera, ficou sabendo que ela estava em alto mar, trabalhando num navio, em cruzeiro pelo Caribe.
   Ela volta quando, vovó? Tá bom, eu ligo em dezembro. Um beijo pra senhora.
   Pescou no bolso do macacão uma caixinha de chiclete, despejou uma pastilha na boca. Mastigou, folheou, teclou.
   Alô, Mirella, tudo bem? É o Alex. Saudade...
  Com voz macia, convidou-a para um ensaio, filme novo do Almodóvar, peça de Mário Bortolotto, show de blues, um sarau na Casa das Rosas, mas Mirella já tinha programa para os próximos 52 fins de semana.
    Oi, Fabíola... É o Alex da Teatrupe, tudo bem?
   Falava como locutor de rádio. Carinhoso, meloso, pegajoso. Tremendo bico-doce. Ganhou a atenção de todos para sua campanha romântica – “preciso de alguém para amar no fim de semana”.
    Alô, Selma, Telma, Tamara, Rossana, Silvana, Valéria.
   Ligados na novela, ouvintes involuntários foram virando espectadores simpáticos, talvez solidários, quase desejando que uma Cidinha dissesse “sim”, uma Jandira desse um trato no cara, uma Zuleide fosse tarada por um gordão.
    Ele consultava a agenda, ponderando, batucando na mesa com o polegar robusto. No ar, um certo medo de um novo não.

    Oi, Priscila, principiou sem esperança, sem vibração. Vai fazer o quê quarta-feira, sexta-feira, sábado, domingo, semana que vem? Ah, é? Ah, tá, ah, sei.
   E rugiu, áspero, amargo, indignado, quer dizer que quarta-feira você vai tingir o cabelo, sexta-feira vai buscar sua tia no aeroporto, sábado é o casamento da sua prima, domingo você vai visitar sua vovó que tá dodói, e na semana que vem também não pode? Então me diz quando é que você pode! Diz, Priscila! Quando é que você vai ter tempo? Fala, Priscila! O quê? Ah, vai tomar no teu cu!
  Bateu o telefone, pegou suas coisas e arrancou para a porta. Foi embora tomando chuva na cabeça, guarda-chuva fechado debaixo do braço.
   Houve um silêncio que não foi preenchido por qualquer comentário, e logo cada um voltou a cuidar da própria vida, ou apenas continuou esperando a chuva passar.


[In Alguém para amar no fim de semana, contos [e] editorial \ Annablume, 2010]

Para saber mais sobre o livro: www.annablume.com.br

Para ler a resposta do Guedes sobre “O que é poesia”.

19 outubro 2010

O que é poesia?



Quais são os elementos que tornam um texto poético, o que é um poema e quando há ou não poesia em um poema? Todas estas questões estão enraizadas na própria história da poesia, do poema, ou melhor seria dizer, de uma arte poética. Neste módulo, pretende-se abordar e praticar algumas das possibilidades desta arte, das mais tradicionais até as de vanguarda. Tudo isso, focado no desenvolvimento da voz poética de cada aluno em uma época de cibercultura.

 Alguns tópicos abordados:
- As distinções fundamentais entre a prosa e a poesia.
- As formas fixas na poesia. A estrutura do soneto. A canção. A oralidade.
- Definições para quem gosta delas. O que os poetas dizem sobre o fazer poético.
- A Poesia Concreta e a Internet.
- Como analisar um poema. Exemplos e exercícios.
- Concisão. O haicai como exercício poético.
- A tradução de poesia.
- Poesia na rede. Blogues e sites bacanas de poesia.

O curso faz parte da especialização em Prática de Escrita da Terracota, parceria com a Universidade Cruzeiro do Sul, coordenado por Claudio Brites e Nelson de Oliveira. Mas pode ser frequentado como curso livre.

__________________________________
Público-alvo: Estudantes, escritores diletantes, professores e pessoas interessadas
Certificado: Será conferido pela Universidade Cruzeiro do Sul e o Espaço Terracota
Início: 7 de dezembro de 2010
Término: 1 de março de 2011
Duração: 24 horas
Horários: Terças, das 19h30 às 22h30 – o professor chega às 18h30, para atendimento individual.
Calendário: Dezembro: 7, 14, 21; Fevereiro: 1, 8, 15, 22; Março: 1.
Haverá uma pausa durante janeiro, para que os alunos trabalhem em seus projetos.
Número de vagas: 7
Local do Curso: Espaço Cultural Terracota – Av. Lins de Vasconcelos, 1886 – Aclimação – São Paulo
Investimento: 350 reais (pode ser pago em 2 vezes)
Dúvidas, informações: 11-2645-0549
Matriculas pelo email contato@terracotaeditora.com.br
Visite o site do curso aqui

Edson Cruz é escritor e revisor. Foi co-fundador e editor do Portal Literário Cronópios e da revista Mnemozine. Publicou o livro de poemas Sortilégio (2007), pelo importante selo Demônio Negro. Organizou o livro O que é poesia? (Confraria do Vento, 2009). Mais sobre ele aqui.

15 outubro 2010

Arquivos Incríveis de JA

Conheci o jornalista João Antonio lá em Campinas, nas Rodas de Leitura organizadas pelo Sesc. Ele é um grande pesquisador, colecionador e envia pérolas por email selecionadas de seus Arquivos Incríveis.

Quando lançarmos o site MUSA RARA, João terá uma coluna especial para mostrar seus achados.

Olha só o que ele garimpou:

ANIMA 2 , revista de literatura e cultura, de abril de 1977.




13 outubro 2010

A poesia diz SIM



Vem aí mais um evento SIMPOESIA 2010. A poeta pernambucana Micheliny Verunschk lançará seu 3º livro, "Cartografia da Noite" durante o evento. Confira e participe.



Um suicídio

A aranha
delicada
lambe-me
entre os dedos
e uma luva
de veludo negro
se espalha por todo o braço.

Do outro lado,
a outra mão,
pálida como a neve
sangra maçãs
sobre um bilhete
inacabado.

Não há espelho
ou beijo
que as despertem.

Paralisia.

***

Coliseu

Os carros rugem.

Espera de arenas, o círculo das batalhas.

A cidade se oferece: carne.

Abre a sua guarda
e os leões colidem,
esfomeados.

Hostes e dentes,
o seu nome é Legião.

***

Naufrágio

Silêncio,
agora me destroço,
mastro retorcido,
casco arrebentado.

Meu nome encontra
o rosto da sereia cega
e decepada.

Meu nome encontra o nome
desse país provisório
entre a vida e a água.

Vértebras.

Pele furada.

Olho de baleia.

Agora é a minha deixa.

Coluna dolorida
tocando o abismo
desse céu inverso.

Incisão de agulhas de tricô.

Silêncio.
Agora me atravessam
pregos,
travessões.

Silêncio,
agora começou.



Micheliny Verunschk,  escritora pernambucana, escreveu Geografia Íntima do Deserto (Landy Editora), livro finalista do Portugal Telecom de 2004,  e O Observador e o Nada (Edições Bagaço). Tem trabalhos publicados nos Estados Unidos, Canadá, França e Portugal.

01 outubro 2010

Só para mamíferos



Em  João Pessoa, encontrei-me com o ficcionista e editor Pedro Salgueiro, que me mostrou seus novos rebentos: dois números da revista Para Mamíferos. Uma grande surpresa a revista. Criação de alto nível, traduções, entrevistas, dossiês, fotografia. Esses cearenses, realmente, não brincam em serviço. Já havia comentado, recentemente, sobre o Corsário, que além de virtual também terá edição impressa. Carlos Emílio C. Lima me avisa que recebeu um prêmio para continuar editando a famosa Arraia PajéUrbe. Que, por sinal, também terá versão on-line.

Na edição 1 da revista, temos um conto inédito de Dalton Trevisan (O viúvo) e uma longa entrevista com a escritora Ana Miranda (e suas múltiplas dicções) que diz coisas como:

“Acho que é do Mário Quintana a frase que diz que os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas, os livros só mudam as pessoas. Depois de ler um livro, a pessoa não é mais a mesma, claro, é um processo antropofágico de devoração mútua, o leitor se transforma no autor e o autor se transforma no leitor.”







 E sobre seu romance mais recente, Yuxin:

“Meu novo romance percorreu um longo caminho, desde um sonho que tive nos anos 1980, ao ler os textos instrumentais de Antonio Vieira, um sonho com o padre Vieira e uma índia que lhe remendava a batina, até chegar a Yuxin. Sempre desejei entrar no tema indígena, porque somos, os cearenses, descendentes de índios, carregamos a alma indígena em nosso ser. E porque minha irmã Marlui Miranda manteve esse tema vivo em minha vida, trazendo-me seu trabalho com a música indígena. […] Minha irmã saía em direção a alguma aldeia, e retornava trazendo a atmosfera selvagem. Mas com tudo isso eu não conseguia penetrar na dicção de uma narradora índia, o material referente à fala dos índios é parco, eles são ágrafos, e quando publicam, geralmente é usando padrões não-índios. Então eu só encontrava pequenos depoimentos citados em livros, ou ouvia as gravações de minha irmã. Um dia encontrei um livro preparado por Capistrano de Abreu, um vocabulário da língua caxinauá, com umas setecentas páginas de depoimento de dois índios, na língua original e traduzidas literalmente, onde pude observar a construção, as repetições, o ritmo… era o que eu mais desejava encontrar. Mergulhei no livro, e ele foi me afastando do sonho com Vieira, levou-me a uma situação pessoal, pois a região a que se refere o livro de Capistrano de Abreu foi colonizada por cearenses, no Alto Juruá, Acre. Essa é mais ou menos a gênese do livro. Ele é uma narrativa da floresta, são as vozes da floresta, cantadas pela voz de uma índia. Os índios não têm um ego, como nós, então ela, a floresta, os bichos, são um ser só.”

Sobre crítica literária:

“A verdadeira crítica literária é benéfica, e isso existe no Brasil, embora encerrada no meio acadêmico. […] A imprensa tem altos e baixos. É algo mais com o intuito de reportar, do que de refletir sobre algum livro. É mais notícia do que crítica, e feita em más condições, pressa, falta de recursos, muitas vezes por jornalistas não especializados, que se vêem com caixas pretas em suas mãos. […]”

Nessa mesma edição, a revista disponibiliza encartada a reprodução de uma página do texto original do romance Yuxin. Um quitute para a crítica genética.







E olha que só dei alguns exemplos da edição 1. Imaginem, então, a Nº 2.

A revista é editada por: Glauco Sobreira, Jesus Irajacy, Nerilson Moreira, Pedro Salgueiro, Raymundo Netto e Tércia Montenegro. O projeto gráfico é de Saul Ferreira. Para conseguir um exemplar, envie um email para paramamiferos@gmail.com

Que venham mais rebentos como esses. Aguardo, também, notícias literárias do incansável Nilto Maciel – que por sinal está de site novo.