aquí
en este lugar donde
el aire enrarecido arde
rehago mi inventario
de sombras
aquí
en este lugar como
la hecatombe en mi pecho actúa
dibujo garabatos
en matices
aquí
en este lugar cuando
el patio de mi casa yace
se encuentra la matriz
del universo
aquí
en el corazón de este lugar
con ojos húmedos a encararme
aquel chico que un día
fui
[tradução: Adriana de Almeida]
30 novembro 2007
27 novembro 2007
Cortes
há um rio que nos
separa
dos outros rio
lethos de esquecimento
encalhes
de duplicidade
o mundo é outro
para o ser
segundo a dualidade
de sua atitude
nossa
a margem que nos
encalha
no outro é a mesma
pele que nos irmana
quem vislumbra
o tu
permanece em relação
aquele que comunga
somente o isso
não é não
está só
[ilustração: Majane Silveira]
25 novembro 2007
Tombo
23 novembro 2007
Escolhas
crianças equilibram
borboletas e planetas
homens enxugam copos
com sua dor
mulheres geram gafanhotos
vozes de soprano ao fundo
o artista recolhe o essencial
um esboço
o profeta berra ao vento
boca em sirenes
o filósofo pensa ao andar
tudo é estilo e concisão
o bêbado balbucia
sem coerência
sirenas, sirenas
abra os olhos errante
o poeta embaralha
tudo do cio ao silêncio
alerta os navegantes
abrolhos com escolhos
[ilustração: Majane Silveira]
22 novembro 2007
As sombras
enquanto o sol gira
e queima
em torno da constelação
Alcione
não aquela dos sambas e pistão
a outra que nos contamina
a todos e a tudo
com seus fótons e energias
sutis nós, os chamados humanos
seguimos entre escombros
a acumular mortes
e assombros
20 novembro 2007
Consciência (quase) Negra
nem branco, nem negro
nem verde e/ou amarelo
meu ser derradeiro
ainda está no prelo
nem verde e/ou amarelo
meu ser derradeiro
ainda está no prelo
18 novembro 2007
15 novembro 2007
Roberto Piva
A PIEDADE
Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento
abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos
[Confira, também, entrevista quentinha com o Piva na TV CRONÓPIOS]
13 novembro 2007
SOPHIA
minha bruxinha querida
a assombrar os dias
luzes insuspeitadas
nas mãozinhas delicadas
a preencher nossas noites
estrelas nunca cintiladas
em céus gregos ou egípcios
perguntas d'o que é isso?
alfabetos sinuosos tatuados
páginas amareladas de minha
vida a balbuciar afetos de sofilha
acepções ignoradas da felicidade
10 novembro 2007
Estado de espírito
há manhãs de sábado
que nem o cheiro
do café
o jornal aberto
sobre a mesa
o sorriso franco
da amada
suprem o oco
do corpo a corpo
com a vida
desperdiçada a cada
dia dado
dádiva imerecida
09 novembro 2007
Gonfotérios B
temos ossos em demasia
gordura que brota pelos ouvidos
escorrendo pelo pescoço desmedido
temos que enxugar nossos acúmulos
moer nossa coluna num triturador de açougueiro
nossa massa de orgulho encefálico será
servida fatiada com rodelas
de tomates fritos
o que sobrar de nosso ego lançaremos num formigueiro faminto e sem escrúpulos
depois é só amarrar linha sem cerol no dedão do pé e preso a árvore mais alta soltar-se aos desvarios dos ventos e tempestades num treinamento catártico de infância
um dia a linha puída pelo destempero se romperá e não saberemos mais nada sobre bancos, cadeiras ou telefones.
a gente é rascunho de gente.
letra e voz: Edson Cruz
música: Pipol
confira em www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=483
gordura que brota pelos ouvidos
escorrendo pelo pescoço desmedido
temos que enxugar nossos acúmulos
moer nossa coluna num triturador de açougueiro
nossa massa de orgulho encefálico será
servida fatiada com rodelas
de tomates fritos
o que sobrar de nosso ego lançaremos num formigueiro faminto e sem escrúpulos
depois é só amarrar linha sem cerol no dedão do pé e preso a árvore mais alta soltar-se aos desvarios dos ventos e tempestades num treinamento catártico de infância
um dia a linha puída pelo destempero se romperá e não saberemos mais nada sobre bancos, cadeiras ou telefones.
a gente é rascunho de gente.
letra e voz: Edson Cruz
música: Pipol
confira em www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=483
07 novembro 2007
Me encanta
[Praça de Maldonado. Foto: Ignacio Fernández de Palleja]
Uma coisa me chamou muito a atenção em Maldonado, Uruguai. A presença da rede MacDonald's com a placa “Me encanta”. Essa expressão é tão bonita que fiquei meio enojado com o uso espertalhão dela pela rede. O “M” casando bem com “Me”. Depois fiquei sabendo que houve muita resistência dos uruguaios contra a entrada da rede no país. Mas, parece, que não foi suficiente.
Uma grande figura que conheci por lá foi o Ignacio Fernández de Calleja. Ele fala muito bem o português e faz parte da nova geração de escritores e pensadores da literatura e cultura uruguaia. Levou-me, numa noite daquelas, a um programa de rádio comunitário feito por ele e amigos. Um programa supimpa. Li alguns poemas meus e alguns minicontos do Evandro Affonso Ferreira, com tradução simultânea dele, e fundo musical brasileiro.
Ignacio fez uma entrevista com o escritor gaúcho Aldyr Garcia Schlee, que você pode conferir no Cronópios.
Abaixo, a meu pedido, ele faz suas considerações sobre a entrada da rede por lá.
Not Mac or Not Mac
Si tengo un hijo le voy a explicar, a escondidas de la madre, que la “M” grande significa “mierda”. Creo que la cantidad de veces en las que entré a los locales de lo de MacDonald para ir al baño supera la cantidad de ocasiones en la que concurrí a comprar sus productos. La culpa de esto último recae en una mala mujer que, además de gustar de la comida de ahí, no está conforme con quién es y recurre a su padre sólo para sacarle plata. Una chica material, aunque es seguro que Renato Gaúcho no la invitaría a fornicar con ella en pleno Maraca.
¿Ha habido polémica pública o repercusiones sociales sobre la presencia de esta empresa norteamericana? No conozco ningún estudio serio en este país sobre los hábitos de consumo alimenticio. Es decir, no sé qué segmento del mercado acaparan. No sé de estudios sociológicos serios que muestren la opinión del público. Sólo sé que a los niños y adolescentes les interesa. No son idiotas los que diseñan la imagen corporativa: juegos, cajitas felices, Ronald y más. “Me encanta” se repite insistentemente y se pega a nuestro oído, queriendo hacer creer que se dirige al estómago. Es ese tipo de consigna en primera persona que busca que cada consumidor individual se sienta identificado, parte de la cosa. Es el slogan que ataca desde el aire instando a comprar hamburguesas. En un mundo de padres que se sienten culpables, mandan los adolescentes hiperactivos de deseo diverso y mirada volátil. La culpa sostiene un imperio de grasa. Y es quizá por tratarse de una manifestación percibida como imperial que los vidrios de un local situado en el centro de Montevideo fueron apedreados para celebrar la visita de Bush (y ya que estaban, también la emprendieron contra una iglesia brasilera de esas que en Uruguay se han esparcido como hongos tras la lluvia).
“Super Size Me” (“Yo, talle grande”) es un documental en que un tipo decide experimentar consigo mismo y se impone la hercúlea tarea de comer, durante un mes, solamente los productos de la cadena de “M”. Se hace estudios médicos antes de empezar la prueba y muestra su envidiable salud. Durante la película, lo muestran comer y empezar a sentirse mal, incluso a ver resentida su vida sexual. Se entrevista con gente gorda y con adictos a los productos del payaso. Los estudios médicos revelan que aumentó más de diez kilos de peso, su colesterol subió y el hígado anda mal. Queda en evidencia que casi todas las cosas que venden tienen grasa y/o azúcar. Decido tajantemente que yo no consumiré nunca más algo que ellos vendan. Porque eso parece ser la intención del texto: convencernos de las maldades de la comida de “M”. Sin embargo, la “M” aparece tantas veces que parece un comercial de la marca. Empiezo a sospechar que la empresa ha financiado la película como una forma de evitar juicios, como diciendo “todo el mundo sabe que vendemos porquerías, ¿por qué demandarnos entonces?”.
No les compro aunque regalen todos los años la recaudación de un día de ventas a una fundación que se dedica a curar niños con cáncer. Es como apoyar a un narcotraficante que dona su dinero para lograr la paz mundial.
04 novembro 2007
Charles Willer
[quadro de André Albuquerque]
O quadro acima é incrível. Você poderia dizer (o autor também diz) que é o Baudelaire, mas eu continuo visualizando o Cláudio Willer. É o Charles Willer, ou talvez o Cláudio Baudelaire.
O André Albuquerque pinta com essa pegada que nos lembra o irlandês Francis Bacon . Uma pintura nada naturalista, extremamente essencial, arrasadora das aparências.
Como na arte nós dizemos muitos mais do que nos propusemos antes de realizá-la (isso se, realmente, formos artistas), vejo nos quadros de André uma consciência aguda de que o ser humano, no final das contas, sempre recuará diante da visão de sua crueldade. A pós-modernidade talvez seja o momento da camuflagem e do fascínio das mudanças superficiais. Talvez.
Vejam esse poema de Cláudio Willer, que o próprio diz ter-se lembrado, posteriormente ao lê-lo, da noção do moderno e da modernidade em Baudelaire.
Poemas para ler em voz alta
6
Seus olhos têm muitas cores
que refletem o brilho de cada hora
estranhas palavras
atravessam nossas conversas
É PRECISO QUE SEJAMOS MODERNOS COMO O AMOR
mas não sei
se não recuaremos
confundidos diante da visão da nossa crueldade.
E para terminar, uma tradução de Guilherme de Almeida de meu poema preferido de Baudelaire. Claro, está em sua “Flores do Mal”. Uma visão romântica do poeta, mas que nos faz lembrar da busca incessante da tempestade, mesmo nas coisas mais prosaicas, no exercício existencial da poesia.
O ALBATROZ
Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.
Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.
Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico um cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!
O Poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
As asas de gigante impedem-no de andar.
03 novembro 2007
Escher brasileiro
[desenho de Levi Ciobotariu]
Conheço o Levi há muito tempo. Já moramos, viajamos, e fizemos muitas coisas juntos. Levi é do bairro Bom Retiro e eu era da Ponte Pequena. Dividindo um bairro do outro está a fatídica avenida Tiradentes.
Levi é um grande artista. Meticuloso, quase obsessivo. Cursou Arquitetura, mas é com o desenho que se realiza. Nós sempre fomos parceiros de alguma forma e vamos tentar reabilitar essa parceria, agora já maduros e cada qual com seu trabalho e direção.
Levi tem vários livros infantis, com ilustrações e textos próprios. Já ganhou um prêmio Pirelli de pintura jovem e um prêmio Jabuti de melhor programação visual de coleção.
Imaginem um carinha que, logo ao terminar a faculdade, totalmente desconhecido, chega ao Masp, com seus desenhos debaixo do braço, e pede pra falar com o todo poderoso Pietro Maria Bardi. Não conseguiu, claro! A secretária ficou com seus trabalhos e uma semana depois o secretário do Bardi liga para ele. Bardi vira seus desenhos, gostara e ainda convida-o para uma exposição no Masp. Uau!
Foi assim que começou a carreira do Levi. Levi é aquele amigo que cito em texto sobre o nascimento de minha filha Sophia . Um nascimento livrou sua mãe da morte em um campo de concentração nazista. Um nascimento permitiu que posteriormente Levi viesse a nascer.
Levi mandou o desenho acima para nosso Sambaquis. Se não me engano o nome original é “Resquícios da Maré”. Ele tem muitos desenhos feitos em Bico de Pena, de sua primeira fase, em preto-e-branco. São meus preferidos. Principalmente o “Transecular talking with Giordano Bruno about the creation and destruction of the worlds”: uma obra-prima. Há até um quadro seu em que eu apareço tocando violão. Uma grande honra para mim.
Desde 1989, Levi colabora com pesquisadores botânicos de várias universidades e, por conta desta produção, é conhecido como um artista naturalista (confira alguma coisa em seu site). Quem diz isso desconhece sua fase “viajandona”, que reúne sua técnica e precisão naturalista com devaneios e toques surreais – são seus trabalhos mais interessantes.
Levi Ciobotariu vai fazer sua primeira exposição internacional em 2008. Ele mesmo contará os detalhes posteriormente, pois o convidei para escrever uma coluna sobre artes plásticas no Cronópios. Irá apresentar trabalhos e artistas de que gosta e falar de artes plásticas em geral.
Evoé!
Levi é um grande artista. Meticuloso, quase obsessivo. Cursou Arquitetura, mas é com o desenho que se realiza. Nós sempre fomos parceiros de alguma forma e vamos tentar reabilitar essa parceria, agora já maduros e cada qual com seu trabalho e direção.
Levi tem vários livros infantis, com ilustrações e textos próprios. Já ganhou um prêmio Pirelli de pintura jovem e um prêmio Jabuti de melhor programação visual de coleção.
Imaginem um carinha que, logo ao terminar a faculdade, totalmente desconhecido, chega ao Masp, com seus desenhos debaixo do braço, e pede pra falar com o todo poderoso Pietro Maria Bardi. Não conseguiu, claro! A secretária ficou com seus trabalhos e uma semana depois o secretário do Bardi liga para ele. Bardi vira seus desenhos, gostara e ainda convida-o para uma exposição no Masp. Uau!
Foi assim que começou a carreira do Levi. Levi é aquele amigo que cito em texto sobre o nascimento de minha filha Sophia . Um nascimento livrou sua mãe da morte em um campo de concentração nazista. Um nascimento permitiu que posteriormente Levi viesse a nascer.
Levi mandou o desenho acima para nosso Sambaquis. Se não me engano o nome original é “Resquícios da Maré”. Ele tem muitos desenhos feitos em Bico de Pena, de sua primeira fase, em preto-e-branco. São meus preferidos. Principalmente o “Transecular talking with Giordano Bruno about the creation and destruction of the worlds”: uma obra-prima. Há até um quadro seu em que eu apareço tocando violão. Uma grande honra para mim.
Desde 1989, Levi colabora com pesquisadores botânicos de várias universidades e, por conta desta produção, é conhecido como um artista naturalista (confira alguma coisa em seu site). Quem diz isso desconhece sua fase “viajandona”, que reúne sua técnica e precisão naturalista com devaneios e toques surreais – são seus trabalhos mais interessantes.
Levi Ciobotariu vai fazer sua primeira exposição internacional em 2008. Ele mesmo contará os detalhes posteriormente, pois o convidei para escrever uma coluna sobre artes plásticas no Cronópios. Irá apresentar trabalhos e artistas de que gosta e falar de artes plásticas em geral.
Evoé!
30 outubro 2007
O Portal do Dragão
[ilustração: Tania Ricci]
quando o torpor do sono vem
e o ser apaziguado fica
algo enfim desperta e bem
com o sonido d’água precipita
tal sonho dentro de um sonho
a imagem de um peixe nos habita
salta pra fora num dançar bisonho
buscando alçar-se ao topo da queda entrevista
(nunca é fácil a uma carpa
transformar-se em um varão)
assim como os ciprinos buscam
o portal do dragão
assim como os poetas anseiam
enxergar na escuridão
assim como o plebeu almeja
algum dia ser barão
todos o seres ensejam
atingir a iluminação
parece fácil feito tocar harpa
tatuar o sim na água do não
um canto grave como bordão
vem repetir o mesmo refrão
não desanimem, insistam
superem o limite do ego falastrão
pois ninguém escapa da morte
nem mesmo o grande dragão
quando o torpor do sono vem
e o ser apaziguado fica
algo enfim desperta e bem
com o sonido d’água precipita
tal sonho dentro de um sonho
a imagem de um peixe nos habita
salta pra fora num dançar bisonho
buscando alçar-se ao topo da queda entrevista
(nunca é fácil a uma carpa
transformar-se em um varão)
assim como os ciprinos buscam
o portal do dragão
assim como os poetas anseiam
enxergar na escuridão
assim como o plebeu almeja
algum dia ser barão
todos o seres ensejam
atingir a iluminação
parece fácil feito tocar harpa
tatuar o sim na água do não
um canto grave como bordão
vem repetir o mesmo refrão
não desanimem, insistam
superem o limite do ego falastrão
pois ninguém escapa da morte
nem mesmo o grande dragão
25 outubro 2007
El encuentro perfecto
Fernando Butazzoni e Edson Cruz
[foto tirada pela esposa de Fernando]
No Encuentro de Escrituras de Maldonado, Uruguai, tive o prazer de conhecer um escritor que me fez correr à livraria e gastar quase todos os meus pesos para adquirir o livro que ele acabara de lançar e de ler um trecho para nosotros. Seu nome é Fernando Butazzoni.
Seu romance, El profeta imperfecto, foi editado pela Planeta no Uruguai e já é um dos dez finalistas do Prêmio Planeta/Casamérica de 2007. Segundo ele me confirmou, posteriormente, seu livro está em tradução e será lançado no Brasil em 2008.
Butazzoni, além de escritor, é jornalista nascido em Montevidéu. Estudou Ciências Biológicas em Cuba. Uau! Trabalhou por lá como professor e escreveu programas para rádios de Cuba. Logo em seu primeiro livro Los dias de nuestra sangre, de 1979, abocanhou o prestigioso Prêmio Casa de las Américas, na categoria contos.
Fez parte da resistência nicaragüense em 1978 e esteve na frente de batalha pela Frente Sandinista de Liberación Nacional. Ainda bem que sobreviveu. Aliás, conheci durante o Encontro vários escritores marcados, de alguma forma, por suas opções e ações políticas. Um deles foi o uruguaio Carlos Caillabet, que esteve 13 anos preso por pertencer ao movimento tupamaro e só foi libertado com a anistia.
Mas, voltando a Butazzoni, ele criou, juntamente com o escritor argentino Mempo Giardinelli, o Comitê Internacional de Intelectuais Contra a Guerra, resistindo às políticas bélicas dos EUA. Desse Comitê participaram vários escritores importantes como Mario Benedetti, Eduardo Galeano, Luis Sepúlveda, Antonio Cisneros, entre outros.
No mesmo dia em que ouvi sua leitura participei de uma mesa com sua presença. Um belo encontro. Ele me perguntou algo sobre a sonoridade e musicalidade de meus poemas, que eu acabara de ler, e cuja emoção quase me deixou sem fala. Eu estava meio dopado depois da leitura e nem lembro o que respondi. Acho que falei de música popular, como a música me influenciou e da velha questão sobre letras de música e poesia no Brasil. Ele foi bem bacana e receptivo à minha poesia. É um grande escritor. Vejam vocês mesmos...
“[...] Resulta que este hombre es experto en practicar un juego secreto que consiste en no pronunciar ni una palabra durante todo el fin de semana. Es mi tiempo libre y hago lo que quiero, piensa. O sea, silencio. Cuando cultiva el arte de callarse la boca ni siquiera se permite una exclamación mientras de despereza, o un susurro al afeitarse frente al espejo. Nada. Ningún sonido. Se dedica a la lectura o a sus pasatiempos: las palabras cruzadas y la televisión. Es un orfebre de los crucigramas, y hasta se há comprado de liquidación un viejo diccionario enclopédico Sopena del año 1952, nada más que para corroborar de manera fehaciente algunos de los múltiples gazapos com que suelen estropearse muchas definiciones, realizadas la mayoría de las veces con torpeza por iletrados aprendices.
Esa es, para él, una posible forma de estar: televisión, palabras cruzadas y silencio. Vodka y silencio. Como si el tiempo se quedara allí y lo pusiera a salvo de los desastres del pasado, a los que há sobrevivido de manera inexplicable. Silencio y tiempo. Una posible forma, también, de no estar. Así se las arregla, en el tédio de esos larguísimos fines de semana, para hacer las compras – em general los sábados sobre el mediodía – sin saludar ni consultar precios ni despedirse de la cajera del supermercado. Es un maestro del mutismo. Claro que no há podido sacar, de esos parêntesis, casi ninguna conclusión, excepto tal vez la certeza de su inutilidad, lo que viene a reforzar su tesis acerca de la estupidez humana. [...]”
[Trecho do romance El profeta imperfecto, Planeta, 2007]
23 outubro 2007
Meu poeta preferido
Manoel de Barros
Uma Dialéctica da Invenção
I
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas
tem devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua exist6encia num
fagote tem salvação
e) Que um rio que flui entre dois jacintos carrega
mais ternura que um rio que flui entre dois
lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que humedece primeiro.
etc
etc
etc
Desaprender oito horas por dia ensina os princípios.
II
Desinventar objectos. O pente, por exemplo. Dar ao
pente funções de não pentear. Até que ele fique à
disposição de ser uma begónia. Ou uma gravanha.
III
Repetir repetir - até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo.
IV
No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
É quando um trevo assume a noite.
E um sapo engole as auroras.
VII
No descomeço era o verbo
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que á a voz de fazer
nascimentos-
O verbo tem que pegar delírio.
XIX
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a
imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás
de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta que o
rio faz por trás de sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que
fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.
XXI
Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.
Sou um sujeito letrado em dicionários.
Não tenho que 100 palavras.
Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais ou
no Viterbo -
A fim de consertar a minha ignorância,
mas só acrescenta.
Despesas para minha erudição tiro nos almanaques:
Ser ou não ser, eis a questão.
Ou na porta dos cemitérios:
Lembra que és pó e que ao pó tu voltarás.
ou no verso das folhinhas:
Conhece-te a ti mesmo.
ou na boca do povinho:
Coisa que não acaba no mundo é gente besta
e pau seco.
Etc
Etc
Etc
Maior que o infinito é a encomenda.
XIV
Poesia é voar fora da asa.
In “O Livro das Ignorâncas” - 6ª ed. - Rio de Janeiro, Editora Record, 1998
20 outubro 2007
Chegando em Maldonado
O mote do 2º Encuentro de Escrituras de Maldonado foi "Cruzando los Puentes". Não poderia ser mais adequado. Autores e editores da Argentina, Uruguai e Brasil trocaram experiências, leram seus textos, apresentaram seus livros e revistas.
Maldonado é um município colado a Punta del Este, um balneário conhecido pelos turistas de todo o mundo. Dizem que Punta del Este foi um "paradero" indígena (como eles acentuam) e depois um povo de pescadores. Hoje já não é assim. É um lindo balneário de luxo, com cassinos, praias bravas e praias mansas, um porto mui rico de cara para o Rio de la Plata.
Quando cheguei ao aeroporto, que fica mais para Montevideo do que para Maldonado, me surpreendi pois tive que sair por dentro de um free shop com o ar saturado de perfume que me deixou tonto e querendo sair correndo dali. Não foi uma boa primeira impressão. Você é forçado a passar por aquilo. Não tem como fugir.
Mas essa impressão passou rapidamente, pois fui muito bem recebido e instalado. O tempo estava nublado naqueles dias e, dizem, quando chove por lá a temperatura despenca. Comprovei na pele, pois quase não havia levado roupas para o frio.
O caminho do aeroporto até o hotel foi maravilhoso. Campos nublados que me lembravam paisagens de um filme de Tarkovski. Um país agrário, basicamente. Mas não só, claro. Quando chegamos à orla não pude desviar os olhos dos imensos casarões com arquiteturas diferenciadas: mediterrâneas, européias, um quê de década de quarenta.
Bem... foi a primeira vez que saí de meu país. E graças a literatura e ao Cronópios. E foi a primeira vez, também, que vi uma baleia. E isso não é pouco... pelo menos não para mim.
19 outubro 2007
Recuerdos de Maldonado
da direita para esquerda: Aldyr Garcia Schlee, Laís Chaffe, Ana Maria Gonçalves e Edson Cruz (o time brasileiro)
Comecemos por esta. As fotos tiradas no Uruguai, no 2º Encuentro de Escrituras de Maldonado, já estão em minhas mãos.
Vou recompor a memória e começar a mostrar o encontro.
Foram dias maravilhosos. Muito vinho e carne no La Balanza.
Claro, muita literatura, também... veremos...
18 outubro 2007
Caída
anuros
de etimología oscura
zambullidas
en estanques inmundos
sapos croando allí
todo se rebela contra mí
injurias
en el alma
[Tradução de Luis Benítez]
de etimología oscura
zambullidas
en estanques inmundos
sapos croando allí
todo se rebela contra mí
injurias
en el alma
[Tradução de Luis Benítez]
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