dharani, do sânscrito, frase ou fórmula mística que tem o poder de
proteger e beneficiar quem a recita. “Dharani” é interpretado nas escrituras
budistas chinesas como “sustentar”, “manter” ou “reter”. Dizem que a pessoa que
mantém e recita um dharani é considerada hábil em se lembrar de todos os
ensinamentos do Buda e em rechaçar influências maléficas. Nome do capítulo 26
do Sutra do Lótus.
E a imanência constante do fim de algo que não se
identifica
Que era até então chamado realidade.
De nada nos adiantou a visão privilegiada do
possível
O instante pesaroso do que era o real nos consome
Como se fôssemos meras ondas e/ou partículas
Devoradas pelos buracos negros espalhados
Por uma pele cósmica, eterna e insone.
[imagem: obra “Meteoro”, de Leopoldo Ponce]
Leopoldo Ponce, nasceu em 1976 em Quito, Equador. Vive em São Paulo desde 1991. Desde 1998 desenvolve práticas e investigações artísticas que partem de um interesse nas mútuas influências entre ser humano e habitat, numa tentativa de articular narrativas e rastrear indícios de uma mneme mítica, no acúmulo de derrelitos da vida cotidiana. Outras obras, aqui: http://retornodeutopia.tumblr.com
Agradeço
a oportunidade de expor e dialogar com vocês sobre assuntos que me interessam
muito e que envolvem o meu dia a dia nos últimos anos.
Pra
começar, tenho que deixar claro que não falo como um especialista, nem como
autoridade sobre o assunto. Sou movido pela minha curiosidade de poeta e de
leitor que me fez correr e comprar o meu primeiro computador logo que me foi
possível financeiramente, em 1999.
Sempre
fui aberto a novidades. E assim foi com o computador pessoal. De lá para cá,
por uma série de contingências e oportunidades práticas me inseri de cabeça no
olho do furacão.
Em
pouco tempo, estava editando sites relevantes de Literatura. O site CAPITU e,
posteriormente, meu próprio site, o CRONÓPIOS,
de onde saí em 2009 e que acabou se tornando referência de literatura
contemporânea na internet.
Este 2012, montei outro site dedicado a circulação e divulgação da literatura
contemporânea, o site MUSA RARA.
Com alguns livros publicados, tenho trafegado com prazer e curiosidade nestes dois
mundos: o impresso e o digital. Mas, apesar disso, como boa parte dos presentes
aqui hoje, posso dizer que sou um emigrante
em um ambiente onde os mais jovens são nativos.
E isso, no final das contas, faz muita diferença.
Apesar
dessa aparente dicotomia, a meu ver, a primeira coisa que devemos firmar em
nosso modo de enxergar o que está acontecendo é que estes mundos não estão mais
separados. Vivemos, quer queiramos ou não. Quer saibamos ou não. Quer aceitemos
ou não, em uma CIBERCULTURA e urge que a reconheçamos e a entendamos nem que
seja um pouco. Ou que façamos o salto histórico que alguns já vem fazendo pelo
mundo.
Precisamos
fazer um BURACO NO MURO de nossos preconceitos e paradigmas, saltar séculos sem
medo. Convido-os a assistir comigo a experiência reveladora feita pelo
pesquisador indiano Sugata Mitra.
Que
fantástica experiência essa, não? Ao conhecer o trabalho deste pesquisador sério,
fiquei mais otimista ainda com as possibilidades da cibercultura.
Para
compreendermos a cultura digital de nossa época é sempre bom relacioná-la com
as anteriores. As denominadas de cultura oral, cultura escrita, cultura
impressa, cultura de massas, cultura das mídias e, por fim, a cultura digital.
Ao lado desta continuidade sequencial de períodos, vistos do ponto de vista
histórico, há uma coexistência geradora de hibridismos e convivências
culturais, no dizer da professora Lucia Santaella.
Nas
sociedades orais, as mensagens discursivas são sempre recebidas no mesmo
contexto em que são produzidas.
Após
o surgimento da escrita, os textos se separam do contexto vivo em que foram
produzidos. É possível ler uma mensagem escrita cinco séculos antes ou redigida
a cinco mil quilômetros de distância – o que muitas vezes gera problemas de
recepção e de interpretação.
Para
vencer essas dificuldades, algumas mensagens foram concebidas para preservar o
mesmo sentido, qualquer que seja o contexto de recepção: são as mensagens
‘’universais’’ (ciência, religiões do livro, direitos do homem etc.).
A
cibercultura leva a co-presença das mensagens de volta a seu contexto como
ocorria nas sociedades orais, mas em outra escala, em uma órbita completamente
diferente.
A questão sobre a
expansão das novas tecnologias e sua influência na cultura deu as caras no
século passado, mas suas exigências se fizeram incontornáveis de alguns anos
para cá. O computador e o campo de significações da Internet são todos
colocados no mesmo saco, melhor dizendo, na mesma rede. A parte mais popular
desse processo é a World Wide Web,
o conhecido WWW, que a rigor é apenas a interface gráfica da Internet. É
através dela que nos conectamos com os sites, sítios, blogues e demais páginas
com o intuito de divulgar, de criar ou apenas de nos relacionarmos.
Aqui abro um
parênteses para explicitar este conceito que poderia ser a síntese de nosso
diálogo de hoje: CIBERCULTURA.
Para Pierre Lévy, Cibercultura é um neologismo que
especifica o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de
attitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente
com o crescimento do ciberespaço.
Ciberespaço, que ele também chama de rede, é o novo meio de
comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo
especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas
tbém o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres
humanos que navegam e alimentam esse universo.
Voltando a questão
da interface nessa confluência de informações em rede, lembremos, Segundo
Pierre Lévy, que a noção de interface
não deve ser limitada às técnicas de comunicação contemporâneas. Ele lembra que
o próprio advento da impressão gerou uma interface padronizada e original com
seus cabeçalhos, páginas de títulos, numeração regular e referências cruzadas.
Em última instância
eu penso que a própria palavra é uma interface com o plano das ideias, das
informações e dos sentimentos e, para discordar de Saussure,
não totalmente arbitrária, enquanto signo, como nos mostrou as experiências do
psicólogo Wolfgang
Köhler registradas em seu livro Psicologia da Forma.
O que dizer, então,
da literatura com sua galáxia de sentidos que, no dizer do escritor cearense Carlos Emílio C. Lima, cria “cinemas
mentais” em fluxo não linear e em várias dimensões?
Com o advento da
linguagem digital, inesperadamente, a escrita impressa e a linguagem habitual
do livro, a literária, feita de letras, sintaxe, sintagmas, morfologia e conotações
ganhou em importância. Jovens educados e criados em um ambiente
predominantemente visual, saturados de imagens e ícones da cultura
contemporânea, começaram a se voltar para a linguagem escrita estimulados pelo
correio eletrônico, MSNs e outros diálogos entre suas comunidades sociais. Os
que chegaram à fase do consumo de informações na última década, por bem ou por
mal, estão utilizando da expressão literária, rudimentar ainda (calcada ainda
mais em sua função fática do que poética), mas sujeita ao aprimoramento natural
determinado pela própria necessidade de se exprimir.
Chegamos, então, a
uma palavrinha que está na moda no meio virtual e que se configura como
característica essencial dessa nova era, ou da cibercultura: o hipertexto. Blocos de
informações conectados por meio de elos ou links, capazes de permitir aos
navegadores que se movam livremente aí dentro e que nos colocam diante de uma
nova máquina de ler, que faz de cada leitor-navegante um editor em potencial
redirecionando os paradigmas que balizavam as antigas formas de produção e
recepção de discursos.
O texto, nessa
baliza, passa a ser efetivamente uma galáxia de significantes, não uma
estrutura de significados. Segundo George
Landow, em seu livro Hipertext
2.0, os textos não têm mais início, são irreversíveis e
possibilitam acesso por diversas entradas das quais nenhuma poderia ser
autoritariamente declarada única, como queria Roland Barthes em suas análises
da escritura.
E a pergunta que
interessa a nós todos e que não quer calar:
Como formar
leitores em uma sociedade que sofreu a mudança drástica da cultura impressa
para a digital e do paradigma da leitura para o de navegação. Como a escola
pode formar leitores nessa contemporaneidade, quando impera uma cultura na qual
os professors aderem como emigrantes, enquanto os alunos são os nativos?
E como fazer desse
leitor, que passou a ser chamado de leitor imersivo, típico da cibercultura, um
leitor que não é mais um solitário que segue as sequências de linhas, páginas e
capítulos até o limite do livro, imaginando ou refletindo, um leitor zapper que
ziguezagueia como um pássaro, torná-lo um leitor intérprete e produtor de sentidos?
E como
potencializar as possibilidades de interatividade e multilinearidade da
internet em favor da apreensão de saberes mais complexos em sociedade de lan
house, onde reina o sensorial, o efêmero e a superficialidade dos chats e jogos
virtuais?
Em primeiro lugar,
penso, que deixando de pensar que tudo é efêmero e superficial na linguagem
digital, na internet e na cultura digital. Precisamos suspender o preconceito e
imergir no universo dos adolescentes para aprender com eles, compartilhando as várias
visões de leituras que já adquirimos.
A postura de
aprendiz e a convicção de que nenhuma forma de leitura é superior à outra, pode
ser uma boa estratégia para nosotros de outra geração. É justamente na
tangência entre as culturas – digital e impressa – que reside a riqueza do
momento contemporâneo e é nessa troca que se abrem novas possibilidades de
ensino e diálogo.
Não se trata mais
de ensinar a ler na concepção clássica, mas de ‘ler’ além da linguagem verbal,
a visual, a auditiva, olfativa, gustativa, bem como os gestos, as cores, a
moda, o comportamento.
Sabemos que, no
sistema eletrônico, imagem, palavra e som são articulados e provocam uma
percepção sensorial sinestésica, imediata e móvel. Essa forma de interação
distancia-se daquela contemplativa, reflexiva para tornar-se dinâmica, com
possibilidades de metamorfoses, desvios, labirintos sem volta, em que a leitura
não tem mais um início, meio e fim.
Preparar-se e
preparar o outro para viver em tempos de cibercultura é estar aberto para
aprender sempre. Para lidar com o conhecimento como algo sempre inacabado e
passível de ser compartilhado sem hierarquias. Já não sou mais o sabedor. O
conhecimento está dado. As pessoas chegam a ele sozinhas e muitas vezes mais
rápido se eu não atrapalhar.
Talvez o que
possamos fazer é problematizar um aspecto ou outro. Já que o leitor imersivo
atua como editor ao escolher o que quer ler, talvez seja mais importante agora
ensinar a ter critérios de escolha de fontes de leitura no mundo virtual.
Por exemplo, nas
novas formas de leitura interativa, os blogues são essenciais. Podemos indicar
os blogues de escritores, que se preocupam em não usar indiscriminadamente o
internetês, e até propõem interatividade na construção de suas narrativas. A
popularização dos escritores nos blogs, com sua presença e diálogo que as
próprias editoras já recomendam, com conferências virtuais, etc, pode ser capaz
de alterar o padrão de consumo intelectual e interferir nas escolhas de livros
dos leitores em formação.
Calcula-se que em
um ano ou dois a venda de PCs seja superada pela de tablets, formato no qual a
interação é explorada ainda mais. Os jornais e revistas impressas praticamente
irão desaparecer e migrarão para os tablets que já permitem visualização
confortável e bonita e com muito mais atrativos.
Do ponto de vista
da língua, observamos que, com a internet, ao contrário do que muitos
apregoavam, ocorreu um crescimento da diversidade, com regionalismos,
nacionalismos e expressões de minorias. Escreve-se cada vez mais e não é o
inglês que domina como poderíamos supor observando um “universo”, que até 2006,
era dominado por sistemas operacionais da Microsoft.
No entanto, a
língua é um organismo vivo, mutante e, claro, já sofre as contaminações dos
novos suportes. Apesar disso, não acredito no que diz o linguista
norte-americano Steven Fisher quando afirma que o português brasileiro vai ser
extinto em mais ou menos 300 anos. O argumento dele tem uma lógica linguística,
a partir do conhecimento que temos da dinâmica de outras línguas e outras
análises diacrônicas. Para ele, o português brasileiro não resistirá a
influência econômica e cultural do espanhol (afinal, o espanhol já é a segunda
língua mais falada no Ocidente) e se transformará em uma espécie de portunhol.
Por outro lado, já
flertamos com a Web 3.0, visto que a anterior — a Web 2.0 — banalizou-se como
sinônimo de sites e ferramentas interativas que revelaram um leitor ativo na
produção e gerenciamento de conteúdos. O resto é nuvem. Ou melhor, está na
Nuvem. Ou pior, estamos nas nuvens.
Falamos agora em webliteratura. A literatura em si já não basta. Estamos, os escritores, imersos
e fascinados pelas novas mídias e suas facilidades de distribuição e
possibilidades ficcionais. E não há como fugir disso. Mesmo que intuídos em
pixels e bits, os deuses continuam “hóspedes fugidios da literatura”. Deixam
agora seus rastros em rizomas de links e hipertextos que trafegam em diálogo
intersemiótico nos chamados i-pads, e-readers, E-books e outros écrans mais
ordinários.
Muitos dos que se
levantam contra a tecnologia, nos alertando de seus perigos, fazem-no de uma
forma muito parecida com a que fez Nietzsche ao declarar sua guerra particular
ao cristianismo, ou a Deus, e que acabou revelando muito de sua incapacidade de
viver sem eles.
O mito de Narciso
usado pelo vovô Marshal Macluhan, quando nos falava sobre os meios como
extensão do homem, aponta para o entorpecimento e fascínio que nos atingem
quando nos deparamos com extensões em qualquer material que não seja nós
próprios. E não por acaso a palavra Narciso originou-se da grega narcosis que
gerou a palavra narcótico.
É neste estado
paradoxal de dopping cibernético que nos pegamos a pensar e a questionar sobre
o que está acontecendo em nossos dias. Não é fácil ter clareza e projetar
alguma coisa. Mal estamos dando conta do presente. O que revela que estamos,
realmente, despreparados para o futuro, qualquer que seja ele. Paradigmas.
Velhas chaves para novas fechaduras.
No diálogo publicado
recentemente entre Umberto Eco e Jean-Claude Carrière, “Não contem com o fim do
livro”, discute-se com propriedade a efemeridade dos suportes duráveis que pode
ser justificada pelo fato de a cada instante surgirem novos suportes e
aparelhos que exigem um novo tipo de conhecimento para que possamos
utilizá-los. É verdade, nós da geração analógica formada com os livros, e entre
os livros, não temos fôlego para tanto. Mas, como podemos observar, a nova
geração tira isso de letra.
Os dois belos
representantes de nossa cultura impressa, colecionadores de pergaminhos e
incunábulos, apontam para uma “ansiedade de produção” e para uma proliferação
de romances contemporâneos de autores tão efêmeros quanto a tecnologia que deve
atender às necessidades de consumo.
Jean-Claude afirma
que “às vezes é útil relativizar nossas pretensas proezas técnicas” ao lembrar
que os livros de Victor Hugo chegavam mais rapidamente a outros países do que
os best-sellers nos dias de hoje. Por outro lado, podemos concluir também que
este fato só revela a incompetência das editoras atuais em se abrirem às
possibilidades que as novas mídias nos oferecem.
Mas até elas, as
editoras lobodinossáuricas, estão se mexendo. No início do ano retrasado, a
gigante editorial americana Simon&Schuster ditou novas regras para seus
escritores. E quais eram elas? Abrir um blogue. Criar uma página no Facebook.
Gerar conteúdo em redes sociais literárias. Interagir. Contaminar-se. Sair dos
escritórios empoeirados ou da pretensa redoma criativa. Abrir-se para as novas
exigências e imperativos de uma época de cibercultura.
E no sétimo dia,
Deus observando novamente
sua criação rejubilar-se-á. No oitavo, o Google, possivelmente, chegará e se
apoderará de tudo.
O Sesc Pinheiros
organiza esta série de diálogos sobre a formação do Brasil, da identidade
brasileira e da cultura do ponto de vista da Literatura e dos escritores. Me
pediram pra mediar o diálogo destas duas figuras tão diferentes e tão sedutoras
(cada um a seu modo). Cristovão Tezza é
uma simpatia, bem-humorado e muito bem informado. O Marcelo Rubens Paiva, que eu não conhecia pessoalmente, foi uma
bela surpresa. Irônico, questionador e educado. O papo poderia seguir
tranquilamente em uma mesa de bar, ou na sala de casa.
O Sesc, na figura do brother André Dias - idealizador e
instigador do belo projeto -, me pediu também que eu introduzisse o tema com um
texto. Compartilho, então, com quem se interessar o texto que li na abertura:
"Dizem que a Literatura no Brasil nasceu a partir dos
primeiros escritos de viajantes e missionários europeus que documentavam as
informações sobre a terra recém-colonizada. Podemos dizer que o próprio Brasil
e os brasileiros foram forjados por esses escritos testemunhais. Sempre pelo
olhar do colonizador.
Embora esses primeiros escritos não possam ser considerados
como Literatura de fato, por estarem demasiadamente presos à crônica histórica,
são compreendidos como o ponto de partida para a formação de nossa identidade
literária e cultural.
Sabemos, também, que há várias visões e narrativas sobre o
que seria e o que poderia vir a ser o Brasil, o brasileiro e a sua cultura em
formação.
Para um escritor, tudo não passa de narrativas.
Será interessante ouvir o que escritores pensam sobre essas
narrativas; narrativas que não foram forjadas só pelos historiadores, mas
também pelos próprios escritores no afã de entender o que seria este país que
abraça povo tão exuberante e contraditório.
Alguns de nossos escritores se rebelaram contra o argumento
de que nós seríamos a projeção de uma utopia europeia; aquela Visão do Paraíso descrita por Sérgio Buarque de Hollanda. Outros
construíram seu olhar narrativo buscando formatar esta utopia projetada pelos
europeus. Outros ainda diziam: “Não há o que desculpar. Todas as colonizações
são más, mas esta resultou em algo extraordinário que chamamos Brasil.”
O filósofo Paul
Ricoeur compara o homem contemporâneo e o historiador com o sonhador e o
narrador do sonho.
O contemporâneo é o sonhador; seu vivido é como o sonho. Ele
vive e convive com a noite, entre eventos desconexos e desarticulados. Vive o
mistério de um espetáculo desconhecido que é a sua própria vida e ele a sua
própria expressão.
O historiador é o sonhador no dia seguinte: um narrador do
seu sonho. Acordado, ele tentará se lembrar do que sonhou e fará uma narrativa
do sonho. A narrativa não é o sonho ou a sua vivência exatamente, mas sim, um
esforço de organização e atribuição de sentido.
Os escritores, eu acrescentaria para complicar, são uma soma
de tudo isso: além de sonharem e serem exímios em narrativas sonhadas ou
vividas, narram o que ninguém ousou sonhar ou viver. Inventam e, às vezes, suas
invenções são mais reais do que o rei.
Eles seguem observando, idealizando e gerando novas e
extraordinárias narrativas. Não necessariamente nesta ordem:
José de Alencar e
sua lenda fundadora da nacionalidade: a imagem majestosa do ameríndio Peri.
Euclides da Cunha
e sua construção da figura do sertanejo (aquele que é, antes de tudo, um
forte).
Gilberto Freire e
sua visualização de um novo mundo nos trópicos: segundo ele, a mais
bem-sucedida experiência da colonização portuguesa.
Mário de Andrade,
suas pesquisas etnográficas e sua identificação do brasileiro essencial:
Macunaíma, o sonso sabido, o herói irresponsável, o consequente-inconsequente,
aquele sedutor que não sustenta nenhum projeto.
Sergio Buarque de
Hollanda e sua busca pela alma da terra brasileira nas raízes da
lusitanidade; as relações patrimoniais escoradas no favor e revelando o
verdadeiro caráter do “homem cordial” brasileiro. E concluindo que o futuro só
poderá ser construído com o rompimento com parte do passado aprisionador.
Caio Prado
interpretando de forma materialista os ciclos econômicos do Brasil.
Antonio Candido
que, enquanto a elite se empenhava em formar uma nação, se empenha com a sua
Formação da Literatura Brasileira, sua identificação de momentos decisivos.
Alfredo Bosi e
sua dialética da colonização. Percebendo e iluminando-nos a respeito das
relações entre as palavras ‘colônia’, ‘culto’ e ‘cultura’
(colo-cultus-cultura), ou seja, que na raiz do nome ‘colônia’ e do verbo
‘colonizar’ está o verbo latino ‘colo’, de cujas formas participais derivam os
termos ‘culto’ e ‘cultura’.
Roberto Schwarz e
a identificação de nossas ideias fora do lugar, onde tenta elucidar como se deu
a leitura de uma sociedade na qual as ideias liberais foram solapadas pela
realidade de um país escravocrata e socialmente atrasado, em que o favor era a
moeda corrente.
E, por falar em país escravocrata, não podemos esquecer do
escritor modelo e copiado, idealizador da Academia Brasileira de Letras, seu
primeiro presidente, o negro enrustido Machado de Assis. Pai, em alguma medida,
de todos nós.”
Há muito tempo que projeto esses diálogos. Uma oportunidade de conversar com calma com algumas pessoas-pensantes que admiro sobre temas diversos (reais ou imaginários) e que, imagino, nos acrescentarão muito. Bom começar com o Hansen. Suas aulas na Letras da USP foram as mais concorridas e das mais intrigantes que já assisti. Com certeza, o papo será muito bom.
O lance todo será transmitido pelo canal da Casa das Rosas no Youtube e com possibilidades de recebermos perguntas do Brasil todo via twitter. Imperdível.
Obs.:
Os patos mandarins são símbolos da felicidade conjugal. Acredita-se que o casal
de patos se mantém fiel durante toda a vida. Citado por Nichiren Daishonin em
seu escrito “As Catorze Calúnias”.
A Teoria do Caos, embora inicialmente não tivesse essa
intenção, parece servir às mais estapafúrdias conclusões. Inclusive para
mostrar a inexistência do acaso. Poderia o bater de asas de uma borboleta no Brasil desencadear um tornado em São Francisco? Pequenas mudanças em variáveis de um determinado acontecimento, percebeu-se, poderiam produzir efeitos desproporcionais. O que tornaria legítima a seguinte questão: o que a burocracia militar
americana teria a ver com a maior capital gay do planeta? O tema daria uma ótima tese
com cálculos holísticos avançados. Durante a Segunda Guerra Mundial, todo
militar americano que fosse suspeito de homossexualidade teria que passar por
uma avaliação feita por uma junta militar em São Francisco. Conta-se que, entre
1941 e 1945, passaram por lá e foram mal avaliados para o exercício da
profissão, quase 10 mil militares gays e lésbicas. No final das contas, os
reprovados acabavam por ficar na cidade. Os militares e sua homofobia, mesmo
sem o querer, contribuíram para criar a base da maior colônia gay do planeta.
Poderíamos chamar a esse caso específico não de manifestação do Efeito
Borboleta e sim do Efeito Arco-Íris, o que mudaria toda a terminologia
pseudocientífica da teoria. Álvaro riu de seu próprio raciocínio. No fundo,
nenhuma teoria científica conseguiria suprir o buraco negro em seu peito. Porém,
ele perseverava, não sem uma boa pitada de banzo.