08 janeiro 2008

As coisas belas são difíceis



Todos convivemos diariamente com coisas, que nos parecem, diametralmente irreconciliáveis. Se não se faz possível compreender, e ir direto ao ponto, a sabedoria de todos os tempos nos sugere o deambular. Não o vagar fugidio dos covardes, mas os que sabiamente circundam a presa tal fera irredutível, qual deuses em seu altar, observando, se aproximando e esperando a ocasião propícia para o passo central.

nem tanto
aquém
nem mais
além.
no ponto.

É da competência do ser amoroso, a aproximação e descoberta das coisas com delicadeza. De onde pode, às vezes, abruptamente surgir a beleza. Todo conhecimento que realmente importa, tem como princípio esta apreensão do Belo. E como já disse Platão, khalepà tà kalá: ‘as coisas belas são difíceis’.
A determinação, o instinto, para o Belo, mais do que seres humanos, nos torna poetas; mais do que poetas, pode nos conduzir a evidência suprema de estarmos plenamente vivos: a alegria. E a alegria partilhada é a própria felicidade.
O ser iluminado pela beleza pode secar os pântanos emputrecidos ou deles fazer emergir a pura flor-de-lótus. Como disse meu querido poeta Manoel de Barros, ‘vagalumes driblam a treva’.

agora que o verão chegou
lembro que poderia nunca ter vindo.
na sombra ainda faz frio
no sol aqueço o íntimo.
tudo parece óbvio
tudo já foi ínfimo
tudo já foi vento...
muito passou por minhas mãos
trevos de cinco pontas se perderam.
a vida sopra generosa
com boa sorte e sua demora
eu continuo a deambular.
‘o inverno nunca tarda
em se tornar primavera’.

Vamos adiante, amigos, pois o ano começou e as coisas belas, realmente, não são fáceis.

06 janeiro 2008

Contos de Algibeira



Uma antologia organizada por Laís Chaffe e editada pela Casa Verde onde 107 autores, entre brasileiros e portugueses, consagrados ou não, mostram seus minicontos, "icebergs, sorvetes e nocaute". Confira a extensa relação de convidados e demais informações do lançamento, no Brasil e em Portugal, no site da editora, http://www.casaverde.art.br/.

Participei com o conto abaixo:


Sophia
para minha filha Sophia Miki

O verdadeiro sábio diria que há caminhos no céu que só os pássaros conhecem, e como eles sabem se guiar, sem trombadas, a não ser quando um helicóptero os estraçalha em pleno vôo; o sábio realmente diria que há trajetos nos mares manjadíssimos pelos peixes, que sempre vão aonde desejam, se é que peixe deseja alguma coisa; peixe não chora vocês já repararam?, embora alguns poetas em seus tankas vislumbrem lágrimas nos olhos dos peixes, mas que eles sofrem, sofrem; talvez, não mais do que nós, que não conhecemos caminhos nos céus, nem nos mares, muito menos na terra, a não ser aqueles caminhos manchados de sangue de nossa triste história recente e sem fim.

03 janeiro 2008

Procurando a poesia em 2008



Sim, os poetas foram expulsos do Estado ideal proposto por Platão. Ao longo da história humana o poeta sempre incomodou, de uma forma ou de outra, mais do que acalmou os sentidos. A “antena da raça”, para alguns; “um sonhador”, pra outros; “um desencaminhador”, para Platão.

Mistificações à parte, o poeta é aquele que faz poesia. Grande novidade, você vai dizer. Mas acontece que essa palavrinha derivou de poiésis, uma bela palavra grega, que significa criação, fabricação, composição. Isso quer dizer que em sua origem o poeta era todo aquele que criava alguma coisa: o fazedor, o artesão.

Em outras palavras, o marceneiro, o pipoqueiro, o centro-avante, todos eles são poetas do ponto de vista grego. Encarar a poesia dessa forma é bacana pois retira a aura do poeta e nos aproxima do material necessário para toda grande, ou pequena, poesia: as coisas da vida.

É claro que, com o passar do tempo, o significado desse termo se especializou. A poesia, de maneira geral, é considerada pelos seus artífices (olha outra acepção da palavra poesia) como sendo um fenômeno de linguagem. Um trabalho com as palavras. Um arejamento e revitalização da língua.

O grande poeta Manoel de Barros diz belamente que poesia “designa também a armação de objetos lúdicos com emprego de palavras imagens cores sons etc. geralmente feitos por crianças pessoas esquisitas, loucos e bêbados”. Esse velhinho sábio tem bom-humor. Para ele poeta é um “indivíduo que enxerga semente germinar e engole céu. Sujeito inviável: aberto aos desentendimentos como um rosto”.

Hoje em dia, depois de tantos movimentos culturais e literários, parece que poucos prestam atenção para a poesia – e para os poetas. Pois é, poesia – glosando o grande poeta Décio Pignatari – você já não tem valor de mercado. Não serve para nada, viu mãe. É um inutensílio, como dizia o poeta Paulo Leminski.

Será?



Dando nome aos bois: Pode-se conhecer muito da produção literária contemporânea, e de todos os tempos, pela Internet. Como as editoras "preferem" não apostar na poesia, e nossos jornalistas dos cadernos culturais não se arriscam, a Internet tornou-se, talvez, um dos principais meios para a sua circulação. Confira os links abaixo, sem contar as centenas de blogs de bons poetas existentes.

www.arteria8.net/
http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/kamiquase/home.htm
http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/home.htm
www.bestiario.com.br/maquinadomundo/
www.revista.agulha.nom.br/pessoa.html
www.germinaliteratura.com.br/
www2.uol.com.br/augustodecampos/
www.revistazunai.com.br/
http://glaucomattoso.sites.uol.com.br/index5.html
http://www.andrevallias.com/
http://antoniocicero.blogspot.com/
http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/
http://www.jaguadarte.blogspot.com/
www.cronopios.com.br
www.cronopios.com.br/mnemozine

[Vídeo: "Hexaedro" de André Vallias e "Números" de Velimir Khlebnikov (traduzido por André Vallias)]

31 dezembro 2007

Samsara



pois tudo se transforma
mesmo o nada que não quer
ser algo vira alguma coisa
que logo vem a ser outra
do feitio que ela a vida
quando se desativa
e a chama passa a se
chamar morte naquele des
equilibrio tênue de quem
precisa e quer renascer

[Video: me (but the eye, it's from the videoclip "When you're falling" from Peter Gabriel.) Music: Phillip Glass, Koyaanisqatsi]

27 dezembro 2007

Um Blues para o Ano Novo



Quando ele toca é melhor você ficar do lado só batendo o pé ou metendo alguns acordes de base. Eu o vi tocando aqui em São Paulo, com seus ampi Fender e outro Marshal em linha. Robben Ford. Esse é o cara! Tem estrada. Já tocou com Miles Davis, ou seja, já fez seu pacto na encruzilhada da música. Toda a negrada do Blues quer tocar com ele. Veja porquê! E olha que essa é light. Para um reveillon adocicado.

22 dezembro 2007

Especiarias [conto de Natal]



Tarefa cruel esta, ter que escrever, já dizia Céline; pode matar um homem, ainda mais um velho como eu. O que seria da vida sem os desejos irrealizáveis? Vida de Papai Noel não é tão fácil quanto aparenta; muito trabalho pra descolar presentes exigentes. Antes das viagens de entrega, viagens mil de busca pelos doze cantos do cosmos, florestas de cogumelos, cidades veladas, Diomira, Zaíra, Zora, Despina, Zirma, Maurília, Fedora, Zenóbia, Eufêmia, Zobeide, Ipásia, Armila, Valdrada, Sofrônia, Eutrópia, Aglaura, Bauci, ufa!, lugares onde já estando lá não percebemos que chegamos; ops..., litoral africano à vista e pimba, estacionar carruagem sem rodas; carruagem de renas não costuma pousar em terra, pois isto coloca duplo problema, sentimental e moral; mas indo ao que importa, uns escravozinhos aqui um pouco de marfim ali, belo contraste, tudo preto no branco, trocadilho indecente e sem senso. O tempo sobrevoa, espaço curva. Pulo no porto de Malaca, entreposto da Indonésia cheirinho gostoso, quantas riquezas, será que o saco agüenta? Tenho que agüentar esses portugueses, o saco também, até o cais de Lisboa senão me pelam; eta cidade que cheira, devia se chamar especiaria; especiaria, belo nome pruma rena, mas simbora, pitadinha de pimenta cor de meu pijama e salto pra Índia bem em cima do algodão ah!, que tecido, sim sim só mais um pouquinho, tecedura de Canderi? Sim sim cabe lá no fundo, bem... nem tão no fundo, no fundo do saco está a iniludível, mas sem medo o saco é grande, então passa pra cá estas rendas de Sourat; humm tá ficando bom, musselinas de Dacar, o que? Esses portugueses sabem o que é bom: broches de Béneres, calicós de Calicut, por Salomão!, na próxima vou trazer minha listinha de palavras sem sentido. Falando em Salomão, lembro de homem que esquecendo a magia por ela foi esquecido; não me deu pelota quando contei que vi minha rena preferida pedindo perdão ao caçador frustrado. Coisa estranha, retrucou. Sim, claro, toda palavra é estranha. As frases então...?, Palavras obscuras caindo do céu, com folgas semânticas feito corpo morto. Não me vele, disse. Não, por júpiter!, ainda não. Se ao menos já fosse meia-noite, hora brasonada de dragões e diabos, com gnomos a embriagarem-se no óleo de minha lâmpada, mas ainda não, temos tempo; algum. Dizem que as formigas já comeram Roma; comerão a tudo que insiste em vicejar. Sua fome incorruptível a nos lembrar que sofremos todos de um grande mal, a desoriginalidade. Eu, em minha carruagem de rangíferes, vislumbro aqui do hemisfério boreal, o círculo vicioso da história. Sabemos que no centro desta prodigiosa cúpula cósmica está escondido um rubi de virtudes mágicas, e aqueles judiciosos, membros de famílias cujo traço mais característico é o recato, não o enxergam. Epa! Papo ficou filosófico demais, especial demais, especiaria, e preciso acabar meu relato; só mais uma pitadinha, de vã filosofia, e prometo encerrar-me. Em meu saco, praticamente tudo está presente; se lhe for destinado relógios, recuse-os; relógios são infernos enfeitados de ouro, que você levará a passear e fará, de tempos em tempos, manutenção e no final perceberá que você é que foi dado ao relógio, e ele é que lhe faz manutenções, cobranças, repreensões. Presente de grego este, eu não daria ao meu melhor inimigo. Pra encurtar a estória vamos ao ponto dileto; deixando de lado a maneira correta de chorar e de amar, atenhamo-nos aos motivos verdadeiros. Todo amor é sagradamente profano e como é quase meia-noite e preenchi a página em branco a mim destinada, iludi a iniludível, não morrerei; ainda.

19 dezembro 2007

O poeta das grandezas do ínfimo




Eu sempre quis conhecer um poeta pessoalmente. É diferente de você lê-los nos livros, ouvir as poesias na sala de aula, ver aquelas fotos em preto-e-branco nas enciclopédias e ficar imaginando como ele seria realmente em carne e osso.

Meu sonho era de ter podido dialogar, pedido dicas, de Manuel Bandeira, ou Carlos Drummond de Andrade. Esses não consegui, mas me encontrei com outros grandes poetas. Hoje vou falar de um bem especial: Manoel de Barros.

Em 1996, juntamente com os amigos Marcelino Freire e Sourak Aranha, em pleno carnaval, fomos até Campo Grande (MS) e batemos em sua porta. Claro que antes ligamos, nos hospedamos em um hotel e marcamos o melhor horário para a visita.

Foi um encantamento. Almoçamos com ele e a esposa. Todo grande homem é gentil. No caso dele, também um grande poeta, a gentileza fazia concorrência com o silêncio.

É um homem simples que fez uma opção, em sua poesia, pelas coisas jogadas fora. Aquilo que a civilização costuma desprezar serve para a poesia, disse ele apertando os olhinhos. Para você ter idéia, um de seus livros chama-se “Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo”; outro ele nomeou de “Livro sobre Nada”; e outro, ainda, “Arranjos para Assobio”. São títulos que já revelam a natureza de seu ser e de sua poesia.

Neles você pode encontrar versos deste tipo:

Meu desagero
é de ser
fascinado por trastes.

Note que a palavra “desagero” não existe. Ou melhor, não existia até ele criá-la. Ele me disse com todas as letras que, para ele, “poesia é um fenômeno de linguagem”. É preciso descascar as palavras e fazê-las ter relacionamentos incestuosos. Se não existirem é preciso inventá-las. Se já existem com muito uso, é preciso arejá-las.

Há um comportamento de eternidade nos caramujos.
...
Eles carregam com paciência o início do mundo.

Manoel é um observador das coisas miúdas da vida. Com seus poemas nos ensina a reenxergar o mundo e a valorizar as coisas mais essenciais. Ele acabou de completar 91 anos, mas continua vivendo uma infância poética que comove a (quase) todos que se aproximam de sua poesia. Nunca mais fui a Campo Grande, mas Manoel não sai de minha cabeceira.

17 dezembro 2007

Insignia


[paradisaea rubra]

habito
este mundo

ave del paraíso
sin piernas

borrador
que no posa

nunca
.
[tradução: Adriana de Almeida]

14 dezembro 2007

Penúltimo poema del fútbol



La fijeza de la supremacia degeneraba en danza de friso, de transportes perlados, la expansión desmesurada del juego...


La silueta el jugador C.

Era un apolo
Negro,
Tallado en un tronco de algarrobo
Negro.
Alto, violento sin espasmos,
Como un atleta,
Opresso en la armonía muscular
De su estampa,
Como en un gran espíritu,
Poseía el zancajo sereno
Y la orientación de la gambeta.
Certero y peligroso,
Tenía una tirada a fondo
Que desnudaba toda la pierna
Negra.
(Danza descuartizada)
Y en la danza
Y en la inspiración,
Un refilón de biela
Negra.


[Bernardo Canal Feijóo (Santiago del Estero, 1897 – Buenos Aires, 1982). Foi uma figura central da cultura argentina do século XX. Como poeta publicou os livros Penúltimo poema del fútbol (1924), Dibujos em el suelo (1927), La rueda de la siesta (1930), Sol alto (1932) e La rama ciega (1942). É autor de uma extensa e brilhante produção teatral e ensaística, que inclue títulos como Nan (1932), Pasión y muerte de Silvério Leguizamón (1937), Confines de Occidente (1954) e Tungasuka (1968).]

12 dezembro 2007

Foro de Editores de Publicaciones Independientes


[foto de Andréa del Fuego: Gustavo López, Márcio André, Julio Daio Borges, Marina Kogan e Edson Cruz]

A mesa acima aconteceu em Buenos Aires, dentro do Encuentro de Interrogación organizado pela Fundación Centro de Estudios Brasileños e pelo Itaú Cultural.
Nosso companheiro virtual, e de mesa, Julio Borges (que é muito articulado e pronunciou seu sobrenome, na portaria do Gran Hotel Buenos Aires, de um jeito que me fez inveja), do Digestivo Cultural, gravou (e cedeu gentilmente) todo o papo da mesa. Se você tiver interesse é só clicar aqui. Na mesa também se posicionaram e dialogaram conosco, Rogério Pereira (do Rascunho, que aliás mostrou e nos entregou uma supimpa edição especial do jornal ), Bruno Dorigatti (do Portal Literal), Paula Siganevich (da revista para escuchar VOCAL) e Guadalupe Wernicke (se não estou trocando os nomes e revistas...).
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11 dezembro 2007

brasil colônia




nenhum mulato
negro índio
ninguém tingido
por água salgada
vindo

exercerá função
de ourives mesmo
aquele que liberto
um dia com seus
sapatos a luzir

nem o outro
se conseguiu bem mais
precioso tanto faz
se tem coração
ouro branco

artíficie de metais
nobres há que ser
impecável
sem marcas
cicatrizes
não ungido
sem excesso
de melanina

algo assim próximo
da matéria alva
com que se tinge
o mundo
visão última
de quem
se entrega
à morte

08 dezembro 2007

O Buda, ou aquele que despertou


a última luz do dia já se consome
e o bom médico retornando à sua casa
presencia o veneno a destruir sua prole

ingênuos tomaram aos goles a desgraça
ingeriram um mortífero ungüento
e já sofriam os efeitos de tal traça

o hábil médico se apressa por um momento
em seu femento de ervas variadas
com qualidades que alivie o sofrimento

sendo perfeito em fragrância e na cor dada
de exuberante sabor tão desejável
a evitar a morte prefigurada

alguns aceitam o antídoto amigável
outros recusam-no abraçando-se a loucura
forçam o pai a arquitetar um meio hábil

pra motivá-los e livrá-los da amargura
sem questionarem se fará ou não efeito
pois o que é certo se faz presto e sem lonjura

e logo vê-se florescer o que é bem feito
dizer que a morte o rodeia em viagem
e se sozinhos ficarem neste eito

devem beber sem rodeios da enfermagem
logo depois de sua ausência tão sofrida
manda a seus filhos uma rápida mensagem

a que rondava agora lhe dava guarida
filhos queridos já não poderia tê-los
e do convívio lhe roubava a vida

atormentados pela perda e pouco zelo
vêem o remédio com uma cor tão excelente
e experimentá-lo decidem, então, fazê-lo

a cura vem em tal gesto tão premente
e os nefastos efeitos esvanecem
com pai e filhos a celebrar o fato alegremente.

02 dezembro 2007

Arte



o banheiro
é meu reduto
absoluto

templo onde
passo o tempo
a obrar


[ilustração: Majane Silveira]

30 novembro 2007

Corazón

aquí
en este lugar donde
el aire enrarecido arde
rehago mi inventario
de sombras

aquí
en este lugar como
la hecatombe en mi pecho actúa
dibujo garabatos
en matices

aquí
en este lugar cuando
el patio de mi casa yace
se encuentra la matriz
del universo

aquí
en el corazón de este lugar
con ojos húmedos a encararme
aquel chico que un día
fui



[tradução: Adriana de Almeida]

27 novembro 2007

Cortes



há um rio que nos
separa
dos outros rio
lethos de esquecimento
encalhes
de duplicidade

o mundo é outro
para o ser
segundo a dualidade
de sua atitude
nossa

a margem que nos
encalha
no outro é a mesma
pele que nos irmana

quem vislumbra
o tu
permanece em relação
aquele que comunga
somente o isso
não é não
está só


[ilustração: Majane Silveira]

25 novembro 2007

Tombo



anuros
de etimologia obscura

mergulhos
em tanques imundos

sapos
coaxando ali

tudo
à revelia de mim

apupos n’alma



[quadro de Sabine Liva Berzina | Haiku water]

23 novembro 2007

Escolhas



crianças equilibram
borboletas e planetas
homens enxugam copos
com sua dor

mulheres geram gafanhotos
vozes de soprano ao fundo
o artista recolhe o essencial
um esboço

o profeta berra ao vento
boca em sirenes
o filósofo pensa ao andar
tudo é estilo e concisão

o bêbado balbucia
sem coerência
sirenas, sirenas
abra os olhos errante

o poeta embaralha
tudo do cio ao silêncio
alerta os navegantes
abrolhos com escolhos


[ilustração: Majane Silveira]

22 novembro 2007

As sombras



enquanto o sol gira
e queima
em torno da constelação
Alcione
não aquela dos sambas e pistão
a outra que nos contamina
a todos e a tudo
com seus fótons e energias
sutis nós, os chamados humanos
seguimos entre escombros
a acumular mortes
e assombros

20 novembro 2007