09 junho 2020

PANDEMÔNIO




























as garras da noite infiltraram-se

sorrateiras

na hesitante luminosidade

dos dias.

 

a lição que nos ensina

com seu manto de névoas

não será fácil assimilar.

 

em tempos de trevas

mitologias e religiões confundem-nos

ainda mais.

 

os sonhos foram expulsos

e le cheval noire de la nuit encarcera

todas as imagens luminosas.

 

o que engendramos em vigília

já não inspira qualquer transcendência.

 

pode ser que não sejamos mais humanos

e alguma mutação ôntica já tenha

se instaurado.

 

talvez não seja mais possível zombar

da multidão de deuses

nem esquecê-los.

 

quiçá tenhamos de lhes fazer libações

para domesticar a legião de demônios

que despencou dos palácios de Satã.

 

o que se instaurou sobre nós

é o informe Caos à espera

de algum demiurgo.

 

uma símile corrompida do Paraíso Perdido

com versos que eliminaram

qualquer possibilidade

de redenção.

 











   [Imagem: “O Trono do Caos”, de Gustave Doré]















4 comentários:

  1. Às vezes foge do meu entendimento rsrs mas achei muito bom.

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  2. Sim! Tempos difíceis que parece que estamos num pesadelo!

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  3. Uma inspirada visão - deliciosamente poética e ao mesmo tempo tristemente realista - do mundo em que vivemos, no qual a pandemia global nos irmanou nos desafios, nos sonhos frustrados e na contaminação da esperança.

    “Pandemônio” de Edson Cruz dialoga diretamente com os nossos mais verdadeiros sentimentos e convicções e isso é uma qualidade que somente as grandes obras de arte conseguem atingir.

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