17 janeiro 2009

Augusto de Campos à queima-roupa

 
[foto: Pipol] 



O Soulman da poesia brasileira responde: 

  1) O que é poesia para você? 

 De preferência, a poesia dos outros. E o que é poesia? Respondendo à pergunta “o que é música?”, Schoenberg saíu-se com esta historinha: Um cego perguntou ao seu guia: — Como é o leite? O outro: — O leite é branco. O cego: — E o que é esse “branco”? Me dê um exemplo de algo que seja “branco“! O guia: — Um cisne. Ele é totalmente branco e tem um pescoço longo e curvo. O cego: — Pescoço curvo? Como é isso? O guia, imitando a forma do pescoço do cisne com o braço, fez com que o cego o apalpasse. O cego: “Ah! agora eu sei como é o leite…” Bom, para não desanimar o leitor, dou duas definições de poesia de dois outros cegos: Paul Valéry: “Hesitação entre o som e o sentido.” Ezra Pound: “Uma espécie de matemática inspirada que nos dá equações não para imagens abstratas, triângulos, esferas, etc, mas equações para as emoções humanas.” 

  2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira? 

 Perseguir implacavelmente a si próprio. Jamais perseguir o sucesso. 

  3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas? 

 Um Lance de Dados Jamais Abolirá o Acaso, de Stéphane Mallarmé. Inaugurou a poesia do século 20 e continua a presidir o espaço poético-cyberal. Finnegans Wake, de Joyce, panAroma das flores da fala, telescopagem vocabular, racionalidade do caos. Os Cantos, de Pound, montagem-colagem-ideograma, estratégias básicas para a poesia de nosso tempo. 





  Augusto de Campos nasceu em São Paulo, em 1931. Poeta, tradutor, ensaísta, crítico de literatura e música. Em 1951, publicou o seu primeiro livro de poemas, O REI MENOS O REINO. Em 1952, com seu irmão Haroldo de Campos e Décio Pignatari, lançou a revista literária "Noigandres", origem do Grupo Noigandres que iniciou o movimento internacional da Poesia Concreta no Brasil. O segundo número da revista (1955) continha sua série de poemas em cores POETAMENOS, escritos em 1953, considerados os primeiros exemplos consistentes de poesia concreta no Brasil. O verso e a sintaxe convencional eram abandonados e as palavras rearranjadas em estruturas gráfico-espaciais, algumas vezes impressas em até seis cores diferentes, sob inspiração da Klangbarbenmelodie (melodia de timbres) de Webern. Em 1956 participou da organização da Primeira Exposição Nacional de Arte Concreta (Artes Plásticas e Poesia), no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Sua obra veio a ser incluída, posteriormente, em muitas mostras, bem como em antologias internacionais como as históricas publicações Concrete Poetry: an International Anthology, organizada por Stephen Bann (London, 1967), Concrete Poetry: a World View, por Mary Ellen Solt (University of Bloomington, Indiana, 1968), Anthology of Concrete Poetry, por Emmet Williams (NY, 1968). Sua poesia está coligida principalmente em Viva Vaia (1979, 4ª ed. 2008), Despoesia (1994) e Não (2003, 2ª ed. 2008). Últimos estudos e traduções: Poesia da Recusa (2006), Quase-Borges (2006) e Emily Dickinson: Não sou Ninguém (2008). Site: www2.uol.com.br/augustodecampos

12 janeiro 2009

Carlos Felipe Moisés à queima-roupa



No dia de meu aniversário dou-lhes de presente as generosas respostas do poeta e professor Carlos Felipe Moisés às perguntas:

1) O que é poesia para você?
No começo, aos 13-14 anos, era só uma brincadeira. No colégio onde estudei, poesia era praticamente sinônimo de “rima”, e havia uma tal de “métrica”, esse negócio de contar as sílabas, umas fortes, outras fracas, e por aí vai (ou melhor, ia). Então, eu achei divertidíssimo brincar de procurar rimas, contar as sílabas nos dedos, para ver se eu tinha um decassílabo, um alexandrino ou um redondilho. Achei, desde o começo, que isso era tão divertido quanto fazer palavras cruzadas, colecionar figurinhas, jogar bola na rua, empinar papagaio, chocar traseira de caminhão, paquerar as meninas etc. Não era nada que eu levasse a sério. E ainda bem... Nessa idade, não acho saudável levar a sério seja lá o que for. Aconteceu que, lá pelos 16-17, eu li por acaso uns poetas modernos, quer dizer, do início do século XX, e de repente descobri que a poesia é a expressão mais apurada, mais densa, mais inquietante e mais verdadeira que o ser humano é capaz de dar ao seu “sentimento do mundo”, como diz Carlos Drummond de Andrade. Passei a encarar a poesia como uma espécie de síntese superior de tudo quanto você for capaz de pensar e sentir, sobre a vida, a natureza, o amor e a morte, o destino, a amizade e assim por diante. Desde essa época, a poesia me acompanha, como uma espécie de cúmplice imprescindível. Escrever os meus poemas tem-me ajudado a ir filtrando aquilo que vale a pena ser lembrado, tem-me ajudado a ir deixando no papel umas imagens, umas cenas, umas impressões, que me dão a certeza de algo afinal tão banal, que é simplesmente estar vivo. Mas estar vivo como alguém que vai deixando o seu testemunho, e não como alguém que apenas sobrevive e vê o tempo passar. O que é poesia para mim? Começou como brincadeira, depois foi-se tornando a representação simbólica do sentido (possível) da minha existência, aquela atividade sem a qual a (minha) vida não faria sentido. E, pensando bem, nunca deixou de ser, de um modo ou de outro, uma espécie de brincadeira, embora eu nunca mais me preocupasse com as rimas e com as sílabas contadas nas pontas dos dedos.


2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Apesar dos vários livros publicados, alguns premiados, ou justamente por isso, não me sinto em condições de dar conselho a ninguém. Ainda que seja um “iniciante”? Ainda assim. Iniciante, na verdade, é exatamente como eu próprio me sinto, com toda a suposta “experiência” acumulada em tantos anos. Cada livro, cada poema, é aquela mesma angústia, aquela mesma dúvida dos primeiros: será que eu vou ser capaz? Será que vale a pena tentar escrever sobre isto? E, depois de escrito: será que funcionou, será que eu acertei a mão? É sempre como se eu estivesse começando tudo de novo. Com o iniciante não é assim mesmo? Conselhos eu recebi muitos, e sou grato a todos: os que eu acatei e deram certo, os que eu acatei e não deram certo, os que eu rejeitei e poderiam ter dado certo (mas eu não tenho mais como saber) e os que eu rejeitei porque eram pura besteira. O que o iniciante deve perseguir? A sua verdade. Se ainda não tem uma, vá atrás dela. Ainda que não a encontre, valerá a pena procurar. E não acredite em nenhum conselho que lhe diga (em matéria de poesia ou outra matéria qualquer): aqui está a verdade. Mais conselhos (só para confirmar que eu sou mesmo contraditório): não acredite muito em elogios, prefira sempre ficar com as críticas, se elas forem inteligentes e honestas. Com os elogios excessivos, a sua busca da verdade se interrompe, você dá um suspiro de alívio e fica achando, bestamente, que já chegou lá. Com as críticas, as boas, você cresce, você se supera, e segue em frente. Como distinguir as boas das más críticas? Ah! Só você vai ser capaz de distinguir. Por fim, por melhor que seja o poema que você acabou de escrever (na sua opinião e na de “todo mundo”), ache, sempre, que você pode escrever outro ainda melhor.


3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Retomando o que eu já comentei na primeira pergunta, os poetas modernos (não foram só três, mas vou ficar com “os três mais”) que me marcaram para sempre, que me ajudaram a encontrar o que talvez seja uma vocação, que me revelaram o que há de verdadeiramente humano na poesia foram: Mário de Andrade, Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade. Quando li esses poetas pela primeira vez, lá pelos 16-17 anos, a sensação foi uma só: eu tinha acabado de levar uma descomunal porrada, ao mesmo tempo na boca do estômago, no meio da cara e no fundo da alma. Minha vida, minha visão de mundo, nunca mais foram as mesmas. Então decidi: um dia eu vou escrever um poema, um só, do jeito deles, quem sabe misturando um pouco do jeito de cada um. Ainda não consegui, mas continuo tentando. Naquela idade, e depois, não tive pejo nenhum: vou imitar esses poetas. E imitei mesmo, e segui imitando, embora sempre tentando disfarçar, isto é, acrescentando à imitação alguma coisa própria. E acho (sinto) que deu mais ou menos certo: hoje não imito mais, mas não saberia dizer a partir de que momento o disfarce passou a prevalecer. Bem, os três poetas são esses, embora eu pudesse acrescentar mais alguns. Três poemas? Quer dizer, um de cada? Aí já fica mais difícil. Mas posso tentar: do Mário, a Paulicéia Desvairada, inteira, especialmente a série com o título “Paisagem” e a “Ode ao burguês”; do Pessoa, a dificuldade aumenta, mas digamos que o Alberto Caeiro e o Álvaro de Campos, inteiros, especialmente o “Há metafísica bastante em não pensar em nada”, do primeiro, e a “Tabacaria”, do segundo; do Drummond, a dificuldade é a mesma, mas vou destacar o Sentimento do mundo, A rosa do povo e o Claro enigma, inteiros, especialmente, na ordem, “Mãos dadas”, “Procura da poesia” e “A máquina do mundo”. Escolhas? A impressão que tenho, tantos anos depois, tanto tempo de convívio, é que eu não os escolhi, eles é que me escolheram. Ou o acaso se incumbiu de tudo.




Carlos Felipe Moisés nasceu em São Paulo, SP (1942). É formado em Letras pela USP, onde lecionou, assim como em várias outras universidades, no Brasil e nos Estados Unidos. Estreou em 1960, como poeta (A poliflauta), e publicou até hoje nove livros de poesia (o mais recente, Noite nula, 2008). Publicou vários livros de crítica literária (como Poética da rebeldia, 1983; O desconcerto do mundo, 2001; Poesia e utopia, 2007) e de literatura infanto-juvenil (O livro da fortuna, 1992; A deusa da minha rua, 1996; Conversa com Fernando Pessoa, 2007 – entre outros). É tradutor de Sartre (O que é a literatura?), Joseph Campbell (O poder do mito), Marshall Berman (Tudo o que é sólido), Proust (Alta traição – uma coletânea, que reúne vários poetas) etc. Desde que se aposentou pela USP(1991), coordena oficinas de criação literária, dá umas palestras de vez em quando, colabora esporadicamente na imprensa ou com editoras e dedica o tempo que sobra (pouco) a escrever. E-mail: carlos_moises@uol.com.br

09 janeiro 2009

Ricardo Silvestrin à queima-roupa



1) O que é poesia para você?
Um texto da função poética da linguagem. Ver o meu artigo Balanço, mas não caio. Ali, está uma explicação clara e um pouco rápida sobre essa função.

2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Deve ler boa poesia e bons ensaios a respeito do tema poesia (Roman Jakobson e as funções da linguagem, Haroldo de Campo em A Arte no Horizonte do Provável, Décio Pignatari em Comunicação Poética, Otávio Paz no Signos em Rotação...). Ou seja, deve se ocupar de ler bons poetas para ver o fazer dos outros e também se ocupar do pensar sobre a arte da poesia, tanto sozinho como acompanhado pelos bons pensadores/poetas/críticos. Também conta fazer cursos e/ou oficinas com bons poetas. Tudo isso para perseguir a criação de, primeiro, um bom poema. Depois, um bom poema que tenha as contribuições pessoais à contemporaneidade e, por último, se conseguir, alguma contribuição à história do gênero poético.

3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?

Fiz três trios:

Bandeira/Drummond/Quintana – esse trio foi o primeiro time que me fez entender o que é um bom poema. Comecei a escrever depois que li o Bandeira. Até hoje, ele é o poeta que mais encanta. Equilibra invenção, idéia e sensibilidade. Uma boa leitura é essa dos 50 poemas escolhidos, seleção feita por ele, reeditada recentemente pela Cosac Naify.

Chacal/Leminski/Alice Ruiz – esse foi o segundo trio que me reabriu a cabeça. Com eles, encontrei uma linguagem mais próxima da minha geração e da minha visão de mundo. Ler o Belvedere, reunião da poesia do Chacal, lançada pela Cosac, 2 em 1 com os dois livros Pelos Pelos e Vice-versos da Alice, lançado recentemente pela Iluminuras, e Caprichos e Relaxos, Distraídos Venceremos... e tudo o que achar do Leminski. Valem também os ensaios do Leminski, as biografias que ele escreveu de Bashô, Cruz e Souza...

Augusto/Haroldo/Décio – esse trio chuta a bola para outros campos, amplia a cabeça de qualquer poeta. Ler Viva Vaia do Augusto, Não, Despoesia, todos do Augusto – Poetc., Poesia, pois é poesia, do Décio, A educação dos 5 sentidos, do Haroldo. E também tudo o que eles lançaram de teoria e tradução.

E sobram ainda os simbolistas, com o quarteto Rimbaud/Mallarmé/Verlaine/Baudelaire, sobram Marcial, Bashô, Issa, Ferreira Gullar, Cabral, Emily Dinckinson, Benedetti, Borges...




Ricardo Silvestrin é autor dos livros de poesia O menos vendido, ex-Peri,mental, Palavra mágica, Quase eu, Bashô um santo em mim e Viagem dos olhos, além dos infantis O baú do Gogó, Pequenas observações sobre a vida em outros planetas, É tudo invenção, Mmmmonstros! e Transpoemas. Lançou em 2008 o livro de contos Play. Integra o grupo musical os poETs. É editor da ameopoema. Recebeu por 3 vezes o Prêmio Açorianos de Literatura. Assina uma coluna no Segundo Caderno do jornal Zero Hora. Apresenta o programa Transmissão de Pensamento na Rádio Ipanema FM. Site: www.ricardosilvestrin.com.br E-mail: silvestrin@uol.com.br

08 janeiro 2009

Essa moça tem o duende!



A endiabrada Mathilda Kóvak me indicou este vídeo e eu só tenho que concordar: a moça é demais. Uma judiazinha que incorpora toda a negritude em sua voz e parece que vai terminar como uma Billie Holiday contemporânea. Como disse o arguto Augusto de Campos sobre a Joss Stone: a moça tem o duende.

07 janeiro 2009

Nicolas Behr à queima-roupa


[foto: Juan Pratginest]


Três perguntas para poetas

Estou fazendo um inquérito quase policial com os principais poetas em atividade, sejam novos, novíssimos, ou já tarimbados e carimbados pelo tempo ou pelo (des)reconhecimento.

As perguntinhas são só três, pois é um numero que deixa as coisas em aberto e incitam o movimento, o seguir adiante – diferentemente do dois e do quatro. São básicas, mas nem por isso menos espinhosas. Alguns poetas já reagiram a elas. A primeira é considerada quase ofensiva para alguns. Se muitos responderem poderemos ter, provavelmente, um vasto apanhado de idéias e de fazeres que nos farão pensar e repensar, pois uma das características da poesia moderna (e da pós-moderna, se ela existir...) é a imensa variedade de perspectivas e de fazeres.


Nicolas Behr responde:

1) O que é poesia para você?
POESIA É TUDO O QUE VOCE ESTÁ SENTINDO AGORA.

2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
UM CONSELHO: LER MUITO, ESCREVER MUITO E RASGAR MUITO.
SÓ PUBLICAR (EDIÇAO DE AUTOR) QUANDO ESTIVER BEM SEGURO. CORAGEM É MAIS IMPORTANTE QUE CRIATIVIDADE. POESIA EM BLOG VOCE APAGA, EM LIVRO NÃO. LIVRO É MAIS IMPORTANTE QUE BLOG.

3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
POEMA EM LINHA RETA, DE FERNANDO PESSOA. OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO, DE DRUMMOND E QUEM FAZ UM POEMA ABRE UMA JANELA, DE MARIO QUINTANA. SÃO OS UNICOS POEMAS QUE EU SEI DE COR.

Nicolas Behr (Nikolaus Von Behr) nasceu em Cuiabá, em 1958. Queria ser geólogo e mora em Brasília desde 1974. Em 1977, lançou seu best seller “Iogurte com Farinhas”, em mimeógrafo. Em agosto de 1978, após ter escrito “Grande Circular”, “Caroço de Goiaba” e “Chá com Porrada” foi preso e processado pelo DOPS por “porte de material pornográfico”, sendo julgado e absolvido. Trabalhou como redator de publicidade e, posteriormente, na Fundação Pró-Natureza. Dedicou-se, profissionalmente, a produção de mudas de espécies nativas do cerrado. A partir de 1993, voltou a publicar seus livros de poesia, com “Porque Construí Braxília”. É sócio-proprietário da Pau-Brasília Viveiro Eco.loja. Mantém o site WWW.nicolasbehr.com.br, e-mail: paubrasilia@paubrasilia.com.br . Você pode conferir, também, uma seleta de seu novo trabalho em www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=3715

04 janeiro 2009

revelação

tenho uma certeza
uma epifania pessoal
- quase religiosa -
o caminho que escolhi é o melhor
- entre os caminhos -
é o melhor, pois foi o que escolhi.

tenha uma certeza
apesar da convicção que me anima
- quase fanática -
não estou disposto a enforcar
ninguém, por não compartilhar
de meu júbilo
de minha sina solitária.

03 janeiro 2009

Cage



som é onda
os corpos vibram
as vibrações exalam

nossos ouvidos captam
o cérebro interpreta
o coração cala

a audição foi a última
a consciência veio antes
as emoções antes ainda

o átomo é partícula
em outras tira onda
dança em nossa retina

não há som sem pausa
como é certo o silêncio
máxima que nos extingue

ou nos distingue

26 dezembro 2008

Astrologia

não são os astros
que são mudos
nós é que somos
surdos, cegos
verdadeiros absurdos

04 dezembro 2008

Dona Aranha



Hoje eu tropecei pela primeira vez na dona aranha. É assim que meu pai a chama. Ele é muito respeitoso com as aranhas. Diz que elas são damas do reino animal e que algumas se tornam, depois, viúvas negras e alegres. Não entendi direito, mas rimos um bocado. Meu pai sempre me enche de pipoca para que eu assista o filme do homem-aranha com ele. Eu tenho medo de aranha, pai, digo, mas ele não me ouve. Repara no uniforme dele, insiste.
Realmente, a roupa do homem-aranha é bem bacana. Meu amiguinho José já foi com ela para a escolinha. Não queriam deixar ele entrar, pois só nas segundas-feiras é que podemos levar brinquedos, mas não vir vestido de brinquedo. O José não entendeu, chorou, esperneou e acabou conseguindo, ficou o dia todo sendo o próprio homem-aranha. Se bem que no meio da tarde ele já estava todo molhado. Acho que ser o homem-aranha deve ser muito cansativo.
Mas a aranha que eu esbarrei é menina e tem muitas perninhas. Eu pensava que elas tinham muitas perninhas para piscar a gente mais vezes. Meu pai fez uma careta e disse “ah, picar, você quer dizer... mas não é bem assim”. As perninhas eram para se segurar e correr mais rápido. Assim como as baratas. Arrgh. Não vamos falar delas agora não, pai. Que nojo! Mamãe, o papai está falando de baratas!
Ufa, meu pai mudou de assunto. Ele está dizendo que todos os miúdos têm algo muito precioso que é a vida. Hum... Miúdos é como ele chama tudo que é pequeno, bebês, plantinha, bichinhos e até eu que já não sou mais um bebê. Aliás, minha mãe perguntou outro dia se eu gostaria de ter um miudinho. Ela queria dizer um irmãozinho. Ah, seria bom mais um miúdo nesta casa.
Mas papai, a dona aranha tem outra coisa bem preciosa? Não sabe? É que eu acabei de esmagar aquele algo muito preciso da dona aranha. E todas as suas perninhas. Foi sem querer, papai!


[Meu primeiro texto infantil, que fará parte do livro MIÚDOS, histórias de gente e seres miúdos, tudo do ponto de vista de uma menina politicamente quase incorreta]

18 novembro 2008

Distâncias


Leitura de distância from virna teixeira on Vimeo.

[Apresentação da versão em espanhol do livro Distancia (lunarena editorial, 2007) pela poeta Virna Teixeira e os tradutores Berenice Huerta e Jair Cortés. Jornadas Lopezvelardeanas. Zacatecas, México, junho de 2008.]

Sopa de Poesia

Gustavo Felicíssimo - O que o contato com a música traz de relevante para a sua poesia?

Edson Cruz – O contato com a música para mim foi a própria abertura para a poesia e para a vida. Com ela (a música) apurei meus sentidos, meu ouvido, minha sensibilidade em relação às palavras e aos sentidos. Como já disse Shakespeare em O mercador de Veneza, “Todo homem que em si não traga música... É de traições, pilhagens, armadilhas. ... Não se confie em homem tal...”.

Por outro lado, embora saibamos que o isomorfismo entre o som e o signo tenha limites, não podemos desconsiderar o fato de que a própria comunicação através de palavras começou com onomatopéias, gestos vocais imitando a natureza das coisas, etc.

O psicólogo Wolfgang Köhler fez aquela famosa experiência para descobrir se ocorria para as pessoas uma ligação entre algumas formas visuais e certos sons. Inventou as palavras “takete” e “maluma”, que são foneticamente opostas, e apresentou-as a indivíduos de línguas diferentes com duas figuras geometricamente opostas. Uma figura era angulosa (parecia uma estrela), a outra curvilínea (como círculos concêntricos). A pergunta fatal era: qual das figuras poderia ser chamada “takete” e qual “maluma”? A maior parte das pessoas inquiridas (embora falassem línguas totalmente diferentes) associou a palavra “takete” à figura angulosa, estrelada e “maluma” à figura curvilínea. Coincidência? Não, de forma (de som) alguma (algum).

O que eu quero dizer com isso? Simples. A musicalidade é tudo em poesia. Se não houver ritmo, sonoridades encantatórias permeando o texto poético, poderá até haver tema, discurso, sentido, mas sempre faltará alguma coisa, a música, que para mim tende ao essencial. Isso não quer dizer que precisemos, necessariamente, de rimas.

Aquelas categorias aventadas por Ezra Pound são importantes: o enfoque nas imagens (a fanopéia), nas idéias (a logopéia) e nos sons (a melopéia). Um poema que permanecerá, em minha opinião, deverá ter os três elementos dialogando entre si. Mas há grandes poemas que privilegiam aspectos de um dos três enfoques. Agora, o poema pode até não contemplar as imagens, ou as idéias, mas, para mim, se não tiver melopéia, meu ser simplesmente o rejeita. É instintivo.

Isso, que não é nenhuma novidade desde os gregos, foi a maior influência que a música teve sobre mim e sobre a minha poesia — se é que eu a tenho.



GF – Você vê o poeta como um ser deslocado perante a sociedade prática em que vivemos?

EC – De certa forma isso já se tornou um clichê, e também deve ser combatido, como todos os clichês. O poeta, e todos os seres criativos, terão que desenvolver as habilidades necessárias para interferir e alterar o estado das coisas, gerado pelas pessoas que se dizem práticas e pragmáticas. Ele não deve aceitar passivamente ser colocado (ou colocar-se, o que é pior...) de escanteio no jogo da vida com a desculpa de que não sabe lidar com as coisas práticas do mundo. O poema de Baudelaire O Albatroz é lindo. Constata uma verdade que se relacionava ao mundo romântico.

...O Poeta se compara ao príncipe da altura [ao Albatroz] / Que habita os vendavais e ri da seta no ar; / Exilado no chão, em meio à turba obscura, / As asas de gigante impedem-no de andar. [em tradução de Ivan Junqueira]

É uma verdade relativa que não nos cabe mais. O mundo precisa ser transformado e não será com uma atitude “canhestra e envergonhada”, digna de um monarca em meio à turba obscura, que faremos a diferença.

É justamente por estarmos nessa sociedade pragmática, egoísta e desumana, que o poeta deve recolocar-se com voz e atitude dignas. Com consistência do princípio ao fim. Levar o potencial revolucionário da poesia para as coisas práticas da vida.

GF – Que sentido você atribui a esses seus versos: “o que não sei/ eu intuo/ o que sei/ é entulho”?

EC – Esse é um dos grandes trunfos/triunfos da poesia. Poder dizer em poucas palavras, com certa graça, o que de outra forma seria necessário um tratado, uma tese, uma dissertação. E há, com certeza, inúmeros textos, tanto na tradição oriental quanto na ocidental, que buscam esclarecer o que tento dizer com estes quatros versos: o excesso de conhecimento, de informação, não é sabedoria. Esse acúmulo de pretensos saberes, nas horas cruciais podem muitas vezes atrapalhar, mais do que ajudar. A intuição é o que nos salva, se ela não for completamente obliterada pela pretensa erudição.

Na hora em que você for atacado por uma onça, ou estiver na iminência de ser atropelado, ou de se apaixonar, se parar para pensar, já era. E muitos já foram salvos (ou criaram coisas novas, inovaram, atingiram a iluminação, acertaram na mega-sena, conquistam o amor) justamente porque deixaram a massa de informação de lado e permitiram que outra coisa atuasse. É como se deixar levar pela música. Não dá pra pensar muito em qual seria o próximo passo. Tem que se entregar e, de repente, surge uma estrela cintilante, um gesto, um passo jamais realizado, o poema, a dança, a saída, a resolução do problema, a beleza, enfim, a vida.


[Publicado no blog de Gustavo Felicíssimo, http://sopadepoesia.zip.net/]

16 novembro 2008

Viajes

Cuando los famas salen de viaje, sus costumbres al pernoctar en una ciudad son las siguientes: Un fama va al hotel y averigua cautelosamente los precios, la calidad de las sábanas y el color de las alfombras. El segundo se traslada a la comisaría y labra un acta declarando los muebles e inmuebles de los tres, así como el inventario del contenido de sus valijas. El tercer fama va al hospital y copia las listas de los médicos de guardia y sus especialidades.
Terminadas estas diligencias, los viajeros se reúnen en la plaza mayor de la ciudad, se comunican sus observaciones, y entran en el café a beber un aperitivo. Pero antes se toman de las manos y danzan en ronda. Esta danza recibe el nombre de "Alegría de los famas".
Cuando los cronopios van de viaje, encuentran los hoteles llenos, los trenes ya se han marchado, llueve a gritos, y los taxis no quieren llevarlos o les cobran precios altísimos. Los cronopios no se desaniman porque creen firmemente que estas cosas les ocurren a todos, y a la hora de dormir se dicen unos a otros: "La hermosa ciudad, la hermosísima ciudad". Y sueñan toda la noche que en la ciudad hay grandes fiestas y que ellos están invitados. Al otro día se levantan contentísimos, y así es como viajan los cronopios.
Las esperanzas, sedentarias, se dejan viajar por las cosas y los hombres, y son como las estatuas que hay que ir a verlas porque ellas ni se molestan.

[Do livro Historias de Cronopios y de Famas, de Julio Cortázar]

01 novembro 2008

Diálogo com o Uruguai

1. ¿Dónde naciste y en que año?
Nasci em Ilhéus, no sul do estado da Bahia. Uma terra que foi palco de vários romances famosos de Jorge Amado (o escritor brasileiro mais conhecido no mundo, antes do fenômeno Paulo Coelho). Sou quase um velho, mas não aparento. Deve ser a herança genética misturada com africanos, holandeses e portugueses. Nasci em 1959, um ano depois da Bossa-Nova. Moro em São Paulo, cidade cosmopolita, desde os anos sessenta. Quando veio o golpe militar, em 1964, já estava por aqui. Vi os milicos de perto. Não sabia do que se tratava.

2. ¿Cómo fue tu infancia y tu adolescencia? ¿Quiénes son tus padres?
De minha infância não lembro muita coisa. Acho que não foi nada boa, nada aconchegante. Sempre em lugares que não eram meus. Minha mãe, Laurinda, se separou de meu pai, João, e veio para São Paulo. Ela diz que meu pai era militar e à noite cantava e tocava em boates pela cidade. Chegava em casa cheirando a álcool e a outras mulheres. Minha mãe não aguentou e pediu ajuda para sua irmã, Maria, que trabalhava em São Paulo, numa casa de família, como empregada doméstica. Eles nos hospedaram por dois anos. Eram ricos. Depois, minha mãe, que chegou grávida e teve meu irmão Luiz em São Paulo, arrumou um emprego e nos deixou morando em um bairro da periferia, na casa de seu irmão João. Não tenho boas lembranças deste período, pois minha tia não gostou nada da idéia de cuidar de mais dois pirralhos, fora os que ela já tinha. Minha mãe trabalhava durante a semana toda como empregada e só aparecia aos domingos, às vezes no sábado. Sofri muito neste período, mas fui crescendo.
Aos cinco anos minha mãe se casa novamente e, finalmente, a família se reune. Vamos morar todos juntos. Me lembro até hoje do trajeto que fizemos de trem da periferia até a Estação da Luz, onde descemos e fomos a pé até nossa casa. Era uma sensação de que algo que havia se quebrado estava começando a se recompor. Se fosse possível queria ser feliz. Foram anos de pobreza, mas de felicidade. Fui crescendo, entrei na escola, minha família aumentou. Lembro-me da quantidade imensa de pulgas que havia em casa. Depois, ratos, mas era tudo estimulante. Eu tinha minha família agora. Tinha amigos, gostava de estudar, de aprender.
Lembro-me que logo que aprendi a escrever fiz uma redação para o curso primário que a professora gostou muito. Leu em voz alta na classe. Tinha um trecho que dizia que era manhã de sábado, e no ar havia um cheiro de felicidade. A classe toda não entendeu. Como é que a felicidade pode ter cheiro. A professora entendeu e explicou para a moçadinha. Eu vibrei. Ali vislumbrei que poderia ser diferente e me expressar da forma que quisesse.
Quando estava entrando na adolescência, um padre (sim, eu frequentava as missas aos domingos… nem sei como cheguei lá… acho que foi através da primeira comunhão, curso de catecismo, estas coisas…) perguntou se eu não queria estudar no Seminário para me tornar um Padre. Me seduziu com as coisas boas que haveria por lá, como por exemplo, um pomar, uma biblioteca, um campo de futebol, uma piscina, etc.
Fiquei fascinado com a idéia de aprender Latim, Francês, ter uma biblioteca onde pudesse ler o que quisesse, conhecer outras coisas fora da pobreza de minha família. Topei.
Minha família adorou a idéia. Sim, eles pensavam, agora ele seria alguém. Se não pode ser médico ou advogado, pelo menos vai ser Padre.
Fui. Vi. Gostei de muitas coisas e detestei outras. Amadureci um pouco tendo que cuidar de minhas coisas, competir com os outros meninos, estar sozinho, ter que fazer amizades estratégicas, etc. Estudei bastante, li muita coisa da biblioteca. Aprendi a nadar e o principal, aprendi a tocar violão. O violão foi meu grande companheiro por toda a adolescência e na vida adulta. Quase virei músico profissional. Cheguei a estudar música muito tempo, composição, regência, violão erudito, cantar na noite, etc. A música me salvou. Me aproximou das pessoas e expandiu meu círculo de influência e minha percepção do mundo. Sou o que sou hoje graças as minhas leituras e a música. A escrita veio depois, ou melhor, acompanhou este processo todo, mas despreocupadamente, sem compromissos.


3. ¿Qué estudios realizaste?
Estudei alguns anos em Seminário, colégio para formação de padres, que me proporcionou o contato com muitas coisas: um pouco de espanhol, latim, francês, música. Depois, já fora do Seminário, fiz quase o curso completo de Psicologia; depois um pouco de formação em terapia reichiana. Estudei um pouco de composição e regência na Universidade e também um pouco de violão erudito e canto, com professores particulares. Também estudei um pouco de estética e misticismo com um professor genial aqui de São Paulo. Atualmente, termino o curso de Letras na Universidade de São Paulo – USP.

4. ¿Influencias filosóficas?
Sim. Várias. Nada muito aprofundado, mas sempre fui um leitor voraz e indisciplinado. Li muito Nietzsche e um pouco de Schopenhauer. Li, também, muita coisa do Oriente. Budismo. Taoismo. Pratico o budismo de Nitiren Daishonin há 15 anos e leio com frequência o filósofo, poeta e pacifista Daisaku Ikeda, que vem iluminando meu caminho e de minha esposa. Em suma, busco cada vez mais o humanismo e uma ação diária que gere valor, sempre embasado na consciência de causa e efeito.

5. ¿Algún poeta o persona que te haya inspirado en tu labor poética?
Todos os poetas que admiro me inspiraram ou inspiram de alguma forma: Carlos Drummond de Andrade, Augusto de Campos, Manoel de Barros, Rabindranath Tagore, Manuel Bandeira, Matsuo Bashô, Fernando Pessoa, Baudelaire, Jorge Luis Borges, Paulo Leminski e tantos outros…

6. ¿Cuál es tu hobby?
Assistir filmes em DVD, ouvir música e tocar violão.

7. ¿Podes contarme algo de un gran amor que hayas tenido en tu vida?
Meu grande amor é a mulher com que estou casado desde 2002 e com quem tenho uma pérola chamada Sophia. Foi com ela, Eliane, que decidi e senti o desejo de constituir uma família — algo que nunca havia sentido em relacionamentos anteriores. Veja o texto que escrevi quando do nascimento de Sophia.

8. ¿Qué es la poesía para ti?
Em cada momento de minha vida a poesia representou alguma coisa. Descobrimento de mim mesmo. Descobrimento do outro e de outras formas de encarar e dizer a vida. Hoje, ela representa um caminho que sigo lapidando; uma constante labuta com a palavra, com a forma e com o inesperado da expressão alinhavada em um poema. Tudo pode ser motivo ou tema da poesia, pois ela representa um sentimento do mundo que nos irmana, ao mesmo tempo que nos delimita enquanto diferenças. É pura magia, quando ela realmente acontece. Feitiço, como digo em um de meus poemas…

Feitiço

algo assim tão
inatural
que chega a ser
outra natureza

algo sim não
mais factício
por demais tal
coisa feita

que de tão artifício
vira arte
vira livro
vira ofício


9. ¿Qué es el poeta para ti? ¿Qué rol cumple en la sociedad si lo cumple? ¿o que rol cumple?
O poeta é um fazedor de inutensílios que tornam-se cada vez mais necessários. O poema em si não serve para nada. Não tem finalidade alguma. Nem mesmo emocionar como querem alguns. Ele apenas existe, como uma flor ou uma pedra. Nós é que damos finalidade para ele. A cultura é que precisa, eventualmente, de sua existência para nutrir-se e oxigenar-se. O poeta é alguém que decide, por vontade ou por imperiosa necessidade, dedicar-se à revelação que pode ressignificar o uso das palavras. A música inscrita na partitura dos fonemas e da semântica. Veja meu poema “Palimpsesto”:

palimpsesto

toda poesia já
escrita

não se equipara
a toda poesia

inscrita
a poesia jaz


10. ¿Cómo es la vida del poeta?
Como a de outro ser humano qualquer. O poeta não tem nada de especial. Ele pode até, como já existiram alguns, ser um assassino e usar muito bem as palavras. O poeta não está livre de seu carma. E quando ele se manifesta não há sentimento poético que possa encobri-lo. Mas é claro que a poesia pode salvar a vida do poeta, e talvez de algumas poucas pessoas. Assim como pode destruí-lo, como já aconteceu aos montes.
Para chegarmos mesmo ao âmago das coisas, precisamos perder a pretensão. Nos livrarmos do ego falastrão. Descascar os significados instituídos das palavras. As palavras mortas pelos usos mecânicos e repetitivos. O cara que faz um cartão de apresentação dizendo que é poeta já revela que não sabe do que está falando. A poesia não é uma instituição e ser poeta não é um cargo que possa ser ostentado. Pode ser um grande fardo, principalmente numa sociedade fadada ao desastre, consumista e imediatista como a nossa. Por isso precisamos cada vez mais de poetas e de boa poesia. E, devo dizer, da má poesia também.

11. ¿Cómo se siente el poeta en la sociedad?
Um pouco já respondi acima. Falando um pouco mais sobre isso, eu diria que o poeta quase sempre é um desajustado e inconformado com o que vê na sociedade. Ele vai aprendendo a identificar o que é ideologia onde todos vêem manifestação natural. É um chato, estraga prazeres. Está longe de ser aquele sentimentalóide que embala os namoricos e festas de altas sociedades. Ele, quando é autêntico, pôe o dedo em sua própria ferida, que fica exposta e sangrando sem dó… e muitas vezes, faz isso de uma forma bem musical… Veja este meu artigo.

12. ¿Por qué escribes poesía? ¿Qué te inspiro a hacerlo?
Me fascina a sonoridade das palavras e o discurso da inteligência que a poesia permite realizar. Creio que cheguei na poesia através da música. E aos poucos fui percebendo que levo jeito, intuitivamente, depois estudando e lendo outros poetas, buscando meu próprio jeito de fazê-la, etc. Aliás, a música é a musa de todos nós. Tudo conspira para se tornar música. Já escrevi sobre isso. Confira.

13. ¿Por qué se llama “Sortilegio” tu libro de poesía?
Sortilégio tanto pode ser uma coisa boa como má. É quase que sinônimo para feitiço, magia. Algo que está intrínseco em toda poesia que se preze, de todos os tempos, desde as culturas orais até as escritas e agora as que se utilizam dos recursos da web.
Uma definição de Sortilégio pode ser a seguinte: “Sedução ou fascinação exercida por dotes naturais ou por artifícios.” É a própria definição de poesia. Claro que na chave, clave, do artifício. Da construção. Da poiésis.

14. ¿Has escrito más libros? Cuéntame algo de ellos.
Estou com meu segundo livro de poesia pronto. Quero lançar por alguma editora que tenha um sistema de distribuição mais profissional, para que ele possa chegar ao maior número de pessoas possível. Você pode conferir em meu blog, vários poemas que certamente estarão neste segundo livro.
Preparo, também, uma adaptação para prosa do grande épico indiano, Mahabharata. Um trabalho hercúleo que está além de minhas capacidades, mas o farei.

15. Me llamó la atención del material que es hecho “Sortilégio” ¿Lo elegiste tú?
Sim. Sortilégio, como primeiro livro, é o sumo do que produzi nestes últimos 30 anos. Vários poemas foram reescritos, retrabalhados, retocados, como nosso querido João Gilberto retrabalha suas canções eleitas, com esmero. De mero José a impossível João. Aliás, meu primeiro nome é José. Você sabia?
A parte denominada “Parabolês”, são adaptações que fiz de parábolas budistas escritas em prosa.

16. ¿El símbolo que posee en la carátula tiene un significado especial?
Sim. É o símbolo do Oroboros. Tem muitos significados. Um deles é o eterno retorno. O ciclo transmigratório de Samsara. Paul Valery usou-o como símbolo do próprio pensamento que consome a si mesmo no ato de fazê-lo. Representa, também, a manifestação da linguagem, que se volta sobre si mesma em metalinguagem, que é uma característica essencial de toda poesia moderna.

17. ¿Cómo es concebida la literatura en la realidad brasileña?
A literatura brasileira é muito complexa, com inúmeras tendências, vertentes, igrejinhas, apóstolos e santos padroeiros. Geralmente quem se afina a uma tendência, ou igreja poética, tende a menosprezar e até a demonizar os autores que praticam outro tipo de poesia.
Por outro lado, devido ao grande poder cultural e econômico da região sudeste brasileira, impera a influência do modernismo (instigado pela “Semana de 22”, que aconteceu em São Paulo) e pelo retumbante e merecido sucesso mundial da “poesia concreta” (movimento poético que, também, surgiu em São Paulo, com os irmãos Haroldo e Augusto de Campo e Décio Pgnatari). Por conta disso, outras poéticas e práticas, principalmente aquelas que se desenvolviam em regiões do Brasil fora do eixo sul, não tiveram a recepção e crítica adequada, gerando uma multidão de consistentes poetas (outros incipientes) que simplesmente não são conhecidos, nem estudados no resto do país.
Os poetas jovens, que fazem a poesia brasileira atual, se ressentem dessa conjuntura toda. Muitos simplesmente são, ou epígonos da poesia concreta e modernista, ou reativos (a meu ver de forma não esteticamente saudável) a estas poéticas. Ambos procedimentos desastrosos para a linha evolutiva da poesia brasileira contemporânea.
Por outro lado, o Brasil teve/tem poetas tão grandiosos (como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Ferreira Gullar, Augusto de Campos, Manoel de Barros, Cecília Meireles, Mário Faustino, Haroldo de Campos, Paulo Leminski) que parecem sombrear os novos autores e seus respectivos projetos poéticos que demoram para mostrar uma dicção própria e interessante. A meu ver, muitos conseguiram e a cada mês novos poetas surgem aos borbotões. Os nomes que parecem ter conseguido seus leitores e uma boa recepção de seus projetos poéticos são: Renata Pallottini, Régis Bonvicino, Carlos Ávila, Fabrício Carpinejar, Frederico Barbosa, Bruno Tolentino, Armando Freitas Filho, Ivan Junqueira, Claudio Willer, Adélia Prado, Orides Fontella, Alexei Bueno, Ana Cristina César, Mario Quintana, entre outros que me fogem agora.
Concluindo, há poesia para todos os gostos. Aqueles que se dedicam as formas fixas, como sonetos, etc; aqueles que fazem uma poesia temática, urbana; aqueles que experimentam com a linguagem e com as formas; os que fazem uma poesia que se aproxima de aforismos; os que fazem poesia que parece prosa, a tão (mal) falada por aqui, prosa poética, e por aí vai. Poesia para todos os credos e adeptos…


18. ¿Cuál es el comportamiento que tiene la sociedad brasileña ante la literatura?
Literatura no Brasil é para poucos. Alta literatura, então, é para bem poucos: a elite pensante deste país. Os livros são caros. O escritor, normalmente, está distante de seu leitor. Talvez a Internet mude um pouco essa história. O Brasil é um país de analfabetos em todos os níveis.


19. Podrías decirme las cifras de cómo es el consumo de la literatura en el Brasil.
Bem… já que você pediu. Veja se me acompanha: 12% de nossa população é composta de Não Alfabetizados (21.269.591). 95,6 milhões de brasileiros declararam ter lido pelo menos 1 livro nos últimos 3 meses. Sendo que 47,4 milhões leram livros indicados nas escolas e didáticos. 30% dos Alfabetizados, estão em um nível rudimentar de alfabetização, ou seja, só lêem e entendem o título de uma revista, um anúncio não muito complexo, data do início de vacinação, etc.
Temos, aproximadamente, 2.676 livrarias no país, sendo que 53% delas estão na região sudeste que lhe falei, a mais rica do país.
Engraçado é que o centro do poder, aparentemente lê pouco, ou vai pouco a livraria. Em nosso Distrito Federal só há 71 livrarias (3% do montante).
Com esse quadro acima dá para deduzir que o consumo de literatura é muito baixo. Lê-se muito auto-ajuda (ou melhor, compra-se muito, que é diferente de ler…), bestseller e Paulo Coelho (que é um fenômeno e nosso maior orgulho, he he…).


20. ¿Cómo concibes al mundo?
Estes dias estive assistindo ao filme “Quem somos nós” (título em português), que trata justamente de nossa visão de mundo, baseado nas novas idéias e experimentos da física quântica. É bom saber que o mundo/a realidade é o que nós queremos que ela seja. Claro que um querer relativo, pois está limitado pela nossa capacidade de ver com maior amplidão. Resta-nos, então, quebrar paradigmas e tentar com nossa transformação pessoal e ações interferir positivamente no mundo. Ele urge ser transformado para melhor. Enquanto o mundo não for uma sociedade pacífica e próspera pouco poderá ser efetivamente criado (pelo menos não tanto quanto potencialmente poderíamos…).


21. ¿Cambiarías algo de él? ¿Cómo?
Para mudarmos o mundo (que se faz necessário) é preciso mudarmos inicialmente a nós mesmos. O mundo é o que nós somos. Há um conceito no budismo que pratico (o budismo de Nitiren Daishonin) que chama-se Esho Funi, a inseparabilidade do ser e seu meio ambiente. Diz ele que, quando o ser muda o ambiente também se transforma e não ao contrário como imaginamos ou fomos ensinados. A física quântica mostrou que a afirmação budista de 3 mil anos atrás está certíssima.
Enquanto ficarmos esperando que algo mude lá fora, socialmente, políticamente, ou mesmo que a natureza se ajuste por um passe de mágica, nada mudará.

22. ¿Qué piensas de la poesía concreta? ¿Sabes algo de ella?
Gosto muito da poesia concreta. Ela é importantíssima para o Brasil, para os brasileiros e para o mundo. Talvez, seja nossa única criação de vanguarda estética, com uma fundamentação teórica e prática admirável. Ela tem consistência do início ao fim. A poesia concreta inovou em vários aspectos: depois de trazer para o primeiro plano o verbal e o visual, inovou no campo semântico, sintético, no léxico, no campo fonético, morfológico e no campo topográfico (o uso construtivo dos espaços brancos da página, a abolição do verso e a não-linearidade).
Agora, ela foi uma experiência estética inovadora e incubadora e não podemos fazer dela (nós, leitores ou autores) uma camisa de força. Precisamos seguir adiante, incorporando o que ela tem de melhor, aprendendo e descartando o que já não nos serve mais, ou o que virou instituição. A poesia tem que renascer sempre.

23. ¿Por qué tienes un site de literatura y un blog? ¿Tienes alguna finalidad en especial?
O site Cronópios é um projeto que visa mapear e dar espaço para a literatura contemporânea feita no Brasil, em um momento de efervescência criativa não assimilada pelas editoras e que a Internet veio desengavetar. É uma experiência muito rica. Para mim valeu como duas universidades de letras. Abri minha cabeça e expandi meu conhecimento da produção literária brasileira de uma maneira exponencial, além de estar fazendo muitos amigos e interlocutores.
O Blog é algo pessoal. Para exercitar a escrita, mostrar e sentir como se dá a recepção do que escrevo. Para me forçar a escrever. Estou gostando muito da experiência. Meu próximo livro foi construído basicamente a partir da escrita no blog.


[Entrevista para Carina Loyarte, Estudiante de Profesorado de Lengua y Literatura en el Centro Regional de Profesores del Este, en la ciudad de Maldonado, Uruguay, que faz monografia sobre meu livro Sortilégio. E-mail: carinaloyarte@hotmail.com]

25 setembro 2008

saudade de nada



de nada resta uma saudade
tempo sedimentado em gotas
idade turva de dias vividos

me acostumo com os fatos
desfile de horrores entrevisto
a certeza de que certos atos
existem fora de meu alcance

a beleza da vida vista
em relance não me tira
a ciência do nada

dificilmente verei um primitivo
homem nu a comer carne crua
no seio de uma selva desconhecida

não aprenderei mandarim
nem lerei os Vedas no original
não sei quase nada sobre o sim
meus pecados nada têm de natural

nenhuma saudade resta
de nada apenas a mesma dor
a mesma convicção de que não
há o que me impeça
de seguir adiante sem olhar
para trás

18 setembro 2008

O que pode me fazer feliz em Washington D.C.?



No dia em que eu fiz 40 anos, 12 de janeiro de 2008, você sabe, acordei meio baleada. Eram seis e cinquenta e um da matina. Minha tia me disse um dia que eu havia nascido em torno das cinco e meia. Mas isso, além de ter determinado meu ascendente, sagitário, já não importava mais. Sim, dizem que depois dos quarenta é o ascendente que toma conta de seus auspícios astrológicos. Então, quer dizer que consegui me livrar da influência do teimoso e determinado capricórnio? Mas isso, também não importava mais.

O que importa é que eu não consegui dar certo em quase nada, mãe. Quase. Parece pouco, mas pode ser muito. Depende do ponto de vista, claro. Tudo é uma questão de ponto de vista. Deve ter alguma coisa a ver com a teoria da relatividade. Maldito Einstein. Sempre ele. Não segui adiante em meus estudos por conta dele e de sua física incompreensível. Mas a prolixidade ainda me mata, mãe, pois não era isso que eu queria estar escrevendo agora. Queria dizer é que ninguém tem mais ouvidos e olhos para a Arte. Aliás, parece que quanto mais Arte menos olhos e ouvidos. Isso, também, não é nenhuma novidade, você sabe.

A única coisa que consegui, e esse é o quase que pode ser tudo, é estar um pouco mais atenta às minúsculas coisas da vida. Isso você me ensinou como ninguém. Bem, nem tão minúsculas assim. Afinal, não é todo dia que se pode tropeçar com um Stradivarius numa estação de Metrô. E ainda mais ouvi-lo? Dizem que há pouquíssimos no mundo. E são muito caros. Lembro daquela foto de Einstein tocando violino. Será que era um Stradivarius? Einsten, sempre ele. E quantos Paganinis ainda jovens você poderia encontrar pela frente neste mundão cheio de fronteiras e de catracas do Metrô?

Você, que nunca teve estudo nenhum, sempre se emocionou com um violino bem tocado. Queria que você estivesse aqui. O tempo parou. Tudo em volta ficou silencioso. Eu fiquei petrificada. Sei que você choraria. Eu não consigo mais, mas foi por pouco. Valeu a pena ter saído daí, mãe, e ter penado esses anos todos em Washington D.C. Afinal, pra alguma coisa deve servir estar no centro do poder. Mesmo que seja limpando os banheiros. Você mesmo me disse: “Se você não pode ser o poder, pelo menos esteja no centro dele”. Segui seu sábio conselho à risca. E foi arriscado. Mas, mãe, nestas duas últimas semanas meu futuro se iluminou. Conheci a Biblioteca do Congresso. E por um lapso da sorte, consegui entrar sem pagar numa apresentação de música clássica. Foi fantástico. Havia um jovem se apresentando ao violino. Divino. Era como sinos angelicais soando em meus ouvidos. Joshua era o nome dele. Belo nome para um netinho, né?

Mas, mãe, o que aconteceu é que meu presente de aniversário não poderia ser melhor. Não se preocupe. Eu que devo e vou presenteá-la. Mas hoje foi o meu dia. Estava um pouco atrasada. Às oito e meia deveria estar chegando no batente. Não deu. Atrasei-me um pouquinho, mas valeu a bronca. Pois não é que aquele anjo estava lá na estação. Sim, de boné, querendo disfarçar. Mas eu fui atraída por ele. Primeiro pela sua música. Depois pelo Stradivarius. Depois pelos seus olhos. Sim, mãe. Acho que seu netinho vai se chamar Joshua. E o sobrenome dele será Bell.

Por favor, não chore!



[Numa iniciativa do jornal Washington Post, o violinista Joshua Bell, com o seu Stradivarius de 1713 avaliado em 3,5 milhões de dólares, tocou durante 45 minutos na estação L`Enfant Plaza no centro de Washington entre as 07.15 e as 08:00. A apresentação não despertou a atenção de quase ninguém, com exceção dela que parou petrificada...]

12 setembro 2008

Nam-myoho-rengue-kyo



Meus caros, escutem a maravilhosa música acima. Parece que a moça, Olívia Newton-John (sim, aquela dos tempos da brilhantina), gravou-a depois de se recuperar de um câncer maligno. Ela recita, no que parece ser um refrão, o mantra que recito há 15 anos. Realmente é um mantra magnífico e regenerador em todos os sentidos. Recomendo-o. Se quiser saber mais sobre ele é só clicar aqui.

E mais não digo, embora seja a voz que executa o trabalho do Buda.

No labirinto com o Minotauro



Confira um bate-papo comigo e o simpático Marcelo Maluf em seu blog, http://www.labirintosnosotao.com/