31 outubro 2009

ELEGIA


levantei ferido por estilhaços
dados flamejantes do real

a morte acompanha-me
em vigília sorri com servos

em seus braços
um sol negro explode

com a fúria de Ísis
a recolher pedaços tenros

na manhã que inicia
mãe assassina cinco filhos

em busca de atenção
pai estupra a própria filha

e torna-se pai-avô
mãe deixa
bebê rolar

nos trilhos de um trem em movimento
pai esquece bebê no carro

e sob sol escaldante vai para academia
o tempo para por um átimo

atiraram no dramaturgo
metralharam a poesia do dia a dia

tudo o que é humano
me é estranho

os átomos todos foram maculados
agora só nos resta o vazio

com seus espaços povoados de dor
chorar em nada me alivia

devo acordar do pesadelo
que me atormenta

e lívido merecer o perdão
por pertencer à espécie humana?

25 outubro 2009

Clássicos para quem?

O Jornal O Povo, do Ceará, fez uma entrevista comigo e não a publicou. Entonces, não me faço de rogado e a publico aqui (a quem interessar possa).


1. Que elementos/instâncias/poderes são fundamentais para a constituição de um clássico, seja em que área for?

Se eu soubesse a resposta já estaria imortalizado em minhas várias existências passadas e futuras (como criador ou como crítico). O que pode se tornar um clássico, em qualquer área, é regido pela música do acaso, da repetição criativa e da seleção (muitas vezes arbitrária) cultural e/ou social.

A natureza da arte, como toda natureza, é paradoxal. Uma obra-prima, prima por ser única e por isso mesmo eterna, mas não foi a primeira tentativa do artista e se ele tivesse mais tempo e paciência não seria a última. É como querer decifrar a “proporção áurea”. Nada sabemos sobre ela (ou melhor, eu é que não sei nada sobre ela, os matemáticos parecem saber algo), mas que ela está presente em várias criações no universo, isso é irrefutável. O que dizer das semelhanças, em vários níveis e camadas de sentido, entre uma catedral gótica e as composições de Bach, ou os desenhos de minha filha de três anos e meio?

Gosto de uma das definições do que seria um Clássico na literatura (que em geral são muito instigantes) feitas pelo escritor Ítalo Calvino: “É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.”

Por outro lado é sempre bom manter a indagação: clássico para quem?

A discussão deve estar sempre aberta.

2. Clássicos podem desaparecer? Exemplo: um disco, livro ou peça de teatro ter sido considerado clássico em uma época para, na seguinte, ser total ou parcialmente esquecido? A atemporalidade é mesmo uma característica inerente ou podem existir clássicos com prazos de validade nem tão perenes?

Me parece que um clássico nunca desaparece. O barulho de fundo é que se altera e muitas vezes oblitera a percepção, o reconhecimento efetivo e até o contato real com determinada obra. Mas ela continua lá, indiferente ao tempo e a turba ensandecida. Às vezes um Indiana Jones da cultura, um outro artista, consegue garimpá-la no limbo das confusões culturais de cada época e apresentá-la, pepita que é, para a recepção ávida e jubilosa do cegos de plantão.

3. Existe idade para entender ou, ao menos, fruir um clássico?

Um clássico é composto de várias camadas que são descascadas aos poucos e nos revelam significados insuspeitados por toda a vida. Quando o lemos aos 15 anos temos uma apreensão, aos 30 outra e aos 80, com certeza, outra. Quem mudou, o clássico ou eu?

4. O que prevalece na leitura de um clássico: o simples prazer ou algum sentimento mais imponderável?

Creio que os dois. Em um momento o prazer de estar lendo algo que transcende as suas questões comezinhas, ou a algo esteticamente irreparável e em outro o sentimento de ter sido tocado por algo da obra que não conseguimos com clareza definir.

5. Por fim, liste obras clássicas nos últimos 50 anos na literatura e na música.

Olha, vou resistir ao canto de sereia de querer colocar o que para mim tem alguma relevância como sendo algo que pudesse ter relevância para outras pessoas. No final das contas cada um tem que fazer o seu próprio caminho, e olha que eu disse fazer, e não trilhar.

E aí leitor cúmplice, quais são as obras que você considera clássicas nos últimos 50 anos?

15 outubro 2009

Hipersexo

Sabe de uma coisa, me deu um ataque de Paulo Coelho – o guerreiro da luz, ou melhor, uma vontade de procriar como um coelho, milhões de olhinhos brilhando a procura de não sei o quê, talvez a claridade do conhecimento, talvez como dizia Wilhelm Reich o orgasmo verdadeiro, em sua verdadeira função, aquele que esvazia a estase de anos encouraçados sem potenkim, anos de energia acumulada nutrindo a neurose cotidiana, o próprio caráter genital a salpicar saúde nos bits que iluminam os caracteres que coloco nessa folha de écran.

Talvez fosse melhor me explicar e dizer que não quero necessariamente as verdinhas que advém do milagre da multiplicação das edições multilingües, não invejo aquele acontecimento que nos torna encantados e encantadores a todos os editores e leitores do planeta, que nos disputam à tapas, beijos e seduções, pagam isto e aquilo, e mais aquilo outro para nos ter em sua casa, casa da palavra, casa do saber, casa de papel.

O verdadeiro sábio diria que há caminhos no céu que só os pássaros conhecem, e como eles sabem se guiar, sem marcas, placas, sem trombadas, tropeços, a não ser quando um helicóptero, claro, pilotado por um humano vesgo os atropela, ou melhor os estraçalha sem nem perceber que acabou de dizimar uma vida, ou a de um bando, mas voltando ao assunto, estou tergiversando, talvez embriagado por este lampejo epifânico de sabedoria que me veio neste instante, o sábio realmente diria que há trajetos nos mares e rios manjadíssimos pelos peixes que de olhos fechados ou abertos, tanto faz, os percorrem e sempre vão onde querem, chegam onde desejam, se é que peixe deseja alguma coisa, peixe não chora vocês já repararam?, embora alguns poetas japoneses em seus tankas, ou seriam tanques, vislumbrem lágrimas nos olhos dos peixes e até dos sapos, mas que eles sofrem, sofrem, talvez, não mais do que nós, que não conhecemos nem caminhos nos céus, nem nos mares, muito menos na terra, a não ser aqueles caminhos áridos e já enlameados de sangue percorridos por todos em nossa triste história recente e sem fim.

Mas vocês querem apostar quanto que esse texto inspiradamente confuso, genial dirão alguns, melodramático dirão outros, carente de revisão, dirão meus amigos revisores, jornalistas de plantão, ilegível, diria Oscar Wilde, esse texto com a pontuação esdrúxula e mal usada como se fosse um copião medíocre de nosso amado Saramago, o mago da língua portuguesa, embora eu prefira lobos a magos, não, não, o verdadeiro mago de nossa língua é o Paulo, sim, o Coelho, o cara realmente é mago, cura, descura e não sara, quer sempre mais, agora quer escrever bem, e até que vem conseguindo, já tem até fardão, mas o que eu ia dizendo é que vocês, leitores atentos, querem apostar quanto, mesmo, de que esse texto que agora termina vai estar na lista dos mais acessados do Google, só porque tem no título a palavra que anima até os santos: SEXO, SEXO, SEXO?

13 outubro 2009

Literatura na Web [bate-papo]



Surrupiei o banner acima do blogue da queridíssima Andréa del Fuego. Depois do papo de amanhã, com a Índigo, o Sandro Saraiva, Euzinho e o Ivan Marques, ela continuará no Sesc Vila Mariana com sua Oficina. Confira:

Criação literária na web

Criação literária (teoria e prática) para publicação em quaisquer suportes digitais. Cada aluno criará seu próprio blog. Com a escritora Andrea Del Fuelgo.
Dias 17, 24 e 31, sábados, das 15h às 18h

SESC Vila Mariana
Rua Pelotas, 141 - Fone: 11 5080-3000
De terça a sexta, das 9h às 21h30
Sábado, domingo e feriado, das 10h às 18h30
email@vilamariana.sescsp.org.br
Visite:
http://www.sescsp.org.br
0800-118220

03 outubro 2009

Como deixei de ser Deus

A gente diz o que a língua permite. E ela permite pouco quando o ser bebe do absoluto. O que diria Deus se percebesse que já não o era mais? O que diria um mortal comum se compreendesse que ainda é Deus? O que dizer quando um escritor nos revela como deixou de ser Deus? Espanto. As palavras atrapalham-nos, pois quando a alma fala já não é ela quem diz. A língua é sempre fascista se queremos nomear o mundo. A visão absoluta é a cegueira. O exagero é a expressão do moderno. O gêneros foram estilhaçados. Graças a Deus. Ou melhor, graças a escritores que deixaram de ser Deus. Schlegel já provou que só se apreende o todo no fragmento. “A minha ambição é dizer em dez frases o que qualquer outro diz em um livro — o que qualquer outro ‘não’ diz em um livro.’, escreve Pedro Maciel. E consegue. Seu livro pode ser lido de olhos fechados e torna-nos um autor amplificado. Nietzsche dizia que seus aforismos eram a pura filosofia. Filosofia à golpes de martelo. Pedro Maciel tece sua escritura numericamente estilhaçada e diz que é um “romance”. Esses caras vieram para nos confundir. E conseguem. São deuses caídos. Ou serão anjos?



Trechos do livro:

21
(...): não me importo com as coisas perdidas mas com o tempo perdido. O vento nunca devolveu o meu tempo.

28
: pelo amor de Deus se vai ao inferno. Deus é um bom Diabo.

35
O espírito permanece no tempo e não no espaço. Jamais tive outro cárcere além do meu corpo.

37
O pensamento está sempre além do corpo. A linguagem é a máscara do pensamento.

40
(...): ele reparava atentamente em todo relâmpago que mergulhava no lago; fazia questão de medir a extensão dos raios para desvendar com quantos espelhos se esclarece uma noite. A hora dele não é deste tempo. Ontem ele deu um perdido no passado e correu para se adiantar mas não parou lá adiante como se fosse um antes. Continuou percorrendo, correndo, vivendo e morrendo todo dia. Todo dia é uma memória.

43
(...): se não há sonho, há muitas realidades a serem realizadas. O pesadelo é um oráculo.

48
Ele pôs fim à própria vida por uma questão de princípios. Se, na hora da morte de um homem, toda a compaixão dos outros homens se juntasse para impedi-lo de partir, esse homem não morreria.

86
Eu vivo às cegas. Minha sombra olha por mim.

121
Ontem visitei a cidade em que nasci; ninguém me reconheceu. Deus não se revela ‘no’ mundo.

2041
Não dê ouvidos aos adivinhos. (...) não há um mundo a descobrir.



Como deixei de ser Deus, Ed. Topbooks será lançado em São Paulo, no dia 20 de outubro, terça-feira, Livraria da Vila, Jardins. Al. Lorena, 1731, Jardins – 3062.1063. Nos vemos por lá.