26 fevereiro 2009
Linaldo Guedes à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
- Poesia é mais do que um estado de espírito, como apregoam alguns. Poesia é, antes de tudo, uma busca incessante pelo seu EU através da linguagem. Este EU não é apenas o indivíduo em si, mas, principalmente, a forma como ele se relaciona com o mundo. Afinal, nosso EU é forjado dentro do contexto social e cultural em que estamos inseridos. Poesia é também descoberta e surpresa. Descoberta dos potenciais da linguagem, sobretudo. E surpresa ao perceber que somos capazes de construir utopias apenas com palavras.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
- O iniciante deve perseguir preferencialmente a linguagem. Não a linguagem rebuscada, elitizada. Nem tampouco a linguagem sem consistência, vulgar. Falo de Linguagem como algo maior. Como a fonte de todo o bom poema. Linguagem esta que é adquirida através da leitura de livros e poetas. Sem preconceitos, o iniciante deve visitar autores de todas as escolas literárias, de todas as tendências. A partir daí, começar a criar seu estilo, que é fundamental em qualquer pessoa que se atreva a ser escritor ou poeta. O estilo é o próprio poeta, parodio Buffon. Dono de um estilo, deve passar a ler também teoria e crítica literária, para moldar melhor sua poesia dentro daquele estilo que escolheu para escrever.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
- Teria vários poetas, mas vou ficar em três brasileiros: Gregório de Matos, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. São três autores de tempos, escolas e épocas diferentes, mas fundamentais para uma melhor compreensão da importância da poesia brasileira no contexto atual. Em Gregório, vejo o pioneirismo poético, aliado ao seu estilo múltiplo, que ia do deboche ao erótico, sem esquecer do religioso e do político. Em Drummond, a multiplicidade de faces em sua poesia, a grandeza da metafísica e a permanência como o grande nome da poesia brasileira do século XX. E em Cabral, a consciência rigorosa da importância da linguagem e o Nordeste ecoando em seus versos com a secura do nosso clima.
Citaria três textos referenciais de cada um desses poetas. De Gregório, o poema "A cada canto um grande conselheiro". Escolho este por representar uma crítica aos governantes da Bahia, mas, também uma crítica, com muita perspicácia, à hipocrisia do indivíduo comum, quando diz “não sabem governar sua cozinha, mas podem governar o mundo inteiro". Como aquele velho ditado de que o macaco nunca dá fé do seu rabo, o poema ironiza com isso, com o fato de a pessoa ficar olhando a vida alheia e não reparar nos seus próprios erros.
De Drummond, eu escolheria o “Poema de sete faces”. Publicado no primeiro livro do poeta, penso que ele representa um resumo de toda a poesia drummondiana. Estão nele o misticismo do anjo torto, o erotismo implícito (“a tarde talvez fosse azul não houvesse tantos desejos”), o cotidiano ( “o bonde passa cheio de pernas...”), a solidão (“o homem atrás do bigode (...) tem poucos – raros – amigos”), o medo (“meu Deus porque me abandonaste”), a metafísica (“Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é o meu coração”) e a busca do prazer (mas essa lua, mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo). É um poema-síntese de todos os principais temas abordados na poesia de Drummond.
E de Cabral, eu indicaria “Tecendo a manhã”, poema que é exemplo claro da perfeição do poeta na construção de sua linguagem poética. "Um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos”, afirma o poeta. E a partir daí vai tecendo um dos poemas mais perfeitos da literatura brasileira. Não é a manhã que tece entre outros galos, como determina o poema. É Cabral que vai enredando sua teia poética entre outros poetas brasileiros e educando poeticamente, mesmo que para isso tenha que usar e abusar da metáfora da pedra.
Linaldo Guedes nasceu em Cajazeiras (Alto Sertão da Paraíba), em 16 de junho de 1968. É poeta, tendo publicado seu primeiro livro “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” (Textoarte Editora), em 1998, e o segundo, “Intervalo Lírico” (Dinâmica Editora), em 2006. Tem poemas seu incluídos em vários sites de literatura. Lançou, ainda, “Singular e Plural na poesia de Augusto dos Anjos” (ensaio, editora A União) e co-organizou os livros “Correio das Artes, 50 anos”, volumes de poesia e contos (Editoras A União e Universitária, 1999) e “Diálogos” (Editora Aboio, 2004). Ganhou dois prêmios seguidos como destaque literário, concedidos pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Paraíba, em 1999 e 2000. Recebeu, em 2006, a Medalha do Mérito Cultural, concedida pela Fundação Casa de José Américo. Seu nome está incluído como verbete na Enciclopédia de Literatura Brasileira, organizada por Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa. É também jornalista, tendo atuado pelos principais jornais de João Pessoa, como O Momento, Correio da Paraíba, Norte e A União, além de ter trabalhado, ainda, na TV Tambaú e na Rádio Tabajara FM. Participou de diversos eventos literários, como o Encontro de Interrogações (São Paulo, 2004), VII Bienal Internacional do Livro (Fortaleza, 2006), Colóquio Rumos Literatura - Edição João Pessoa, promovido pelo Itaú Cultural (2007), 4º Festival Recifense de Literatura (Recife, 2007), XII Festival Nacional de Artes (Fenart) (João Pessoa, 2008) e Cartografia Web Literária (São Paulo, 2008). Atualmente edita o caderno de Cultura e o suplemento literário Correio das Artes, ambos do jornal A União. É também professor de Literatura do ensino médio. Tem um blogue na internet desde janeiro de 2004, no seguinte endereço: http://linaldoguedes.blog.uol.com.br
E-mail: linaldoguedes@uol.com.br
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