22 fevereiro 2009

Márcio-André à queima-roupa



1) O que é poesia para você?

Um espaço de tempo não maior que o clarão de um relâmpago, mas que abrange todo o universo de uma só vez, arrebatando o que estiver à volta.

2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?

1. Leitura. É preciso ser um leitor, sempre, mesmo quando se escreve. Portanto, é preciso ler muito. Ler odiando o que ama e amando o que odeia. Este é o exercício da diferença. Mas, sobretudo, ler o que ninguém mais quer ler. É ali, no espaço do esquecimento, que alguns universos se abrem mais verdadeiros.

2. Dúvida. Duvidar do que se acredita é fundamental. A obra de arte é o espaço para se fazer o que duvida, não o que se gosta (o que não impede que possamos amar a dúvida). Um auscultômetro interno é muito útil, e se calibra com a seguinte pergunta: "Sonhar para dentro das coisas ou permanecer num simulacro de si mesmo"? É só duvidando do próprio eu que podemos, enquanto outro, ser poetas, ao contrário do senso comum, no qual poeta é aquele que impõe, de maneira irresponsável e agressiva, a sua subjetividade ao outro.

3. Paciência. Para ser poeta é preciso ser minimamente sábio – "ser sábio é ser feliz". Na sociedade em que vivemos, a poesia foi assimilada de forma estranha, abrindo mão do que ela tem de mais virulento. Todos querem ser poetas, mas poucos são aqueles que querem saber o que isso significa, pois tal questionamento não traz respostas imediatas nem precisas, frente ao imediatismo que se busca no mundo de hoje. O sistema de bens de consumo exige compensação por tudo, mas a poesia não pode ser contaminada por essa lógica. É preciso atacar com a arma mais violenta da própria poesia contra o sistema: paciência. Concentrar-se no trabalho e no caminho sem se preocupar com a reta de chegada. Eis a maior das virtudes.

4. Ousadia. Ousar de maneira que nada ou ninguém jamais permaneça impassível diante do que escreve. Ousar é simples: basta, na escrita, corresponder aos apelos do mundo e não ao que as institucionalizações da poesia determinaram como a escrita deve se dar. Ousar é dizer o mundo como ele realmente surge – e esse surgimento é sempre um ressurgimento e se dá a todo instante de maneira diferente – e não o que se convencionou a dizer dele. Ousar é trazer realidades ainda não sonhadas. Só assim podemos levar as coisas ao seu extremo e ao seu fundo.

3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?

Dentre tantas obras que gostaria de citar, enumero as mais icônicas:

Fernando Pessoa: O guardador de rebanhos – por ter me ensinado a duvidar

Allen Ginsberg: O uivo - por ter me ensinado a acreditar

Murilo Mendes: O menino experimental - por não ter me ensinado nada



Márcio-André é poeta, tradutor, ensaísta, performer, compositor e editor da Revista Confraria do Vento. Publicou os livros Movimento Perpétuo (2002), Intradoxos (2007) e Ensaios Radioativos (2008). Com seu trabalho de poesia sonora, fez apresentações solo em São Paulo, Rio de Janeiro, Ouro Preto, Belo Horizonte, Coimbra, Paris, Buenos Aires, Conventry e Londres. Realizou também uma performance na cidade fantasma de Chernobyl, na Ucrânia, se tornando o primeiro poeta radioativo do mundo. Em 2008, recebeu o prêmio Bolsa Fundação Biblioteca Nacional. Atualmente, é poeta residente em Monsanto, Portugal, onde dá um curso de extensão na Universidade de Coimbra. Email: marcio-andre@confrariadovento.com site: www.marcioandre.com

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