28 fevereiro 2009

Ronald Augusto à queima-roupa




1) O que é poesia para você?

Não faz muito tempo eu tinha muitas certezas a respeito desta questão. Hoje, tenho não sei quantas dúvidas. Ainda acho que o conceito de invenção pode vir a colaborar numa eventual definição que se ensaie a propósito do gênero, mas já não tenho um apetite tão grande para, digamos assim, me solidarizar de modo indiscriminado com os adeptos da invenção. Aqui e acolá a todo instante se publicam livros que pretendem reunir o melhor da invenção surgido na última estação. Em poesia invenção virou commodity. Ou bolha especulativa. Mas, poesia não é apenas invenção. Em muitos poemas velhos a beleza está mesmo nessa condição do texto que envelheceu onde podia envelhecer. Em poesia a reiteração talvez seja até mais valiosa que a invenção. Uma resposta mais objetiva à pergunta poderia ser proposta nestes termos: não sei, eu escrevo poesia na perspectiva de que cada poema realizado possa levar acesa em seu bojo essa questão.

2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?

A pergunta incita em cada um de nós o desabrochar de uma figura nefasta: a do conselheiro (hoje em dia já temos uma variação kitsch: a do facilitador). A coisa mais importante a fazer é a seguinte: se o iniciante perceber que não tem jeito para coisa, o melhor é desistir logo. Se a pessoa não atrapalha ou não empata a vida dos outros é certo que deixará um belo legado. Mas, se o iniciante, antes de mais nada, aprendeu a ser um verdadeiro leitor, então ser poeta ou não, para todos os efeitos, tornar-se-á irrelevante.

3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?

Os poetas: Manuel Bandeira, Dante Alighieri e Ezra Pound. Quanto aos textos de referência para o meu trabalho poético, cabe uma observação. Citarei textos de intervenção crítica produzidos por poetas-críticos, pois está implícito, me parece, no item relativo aos poetas de minha predileção que o convívio com suas obras poéticas foi — e ainda é — decisivo do ponto de vista do aprofundamento meu artesanato. E como situo o meu trabalho também dentro da perspectiva do poeta-crítico, acho importante evocar aqueles textos que me ajudaram a desenvolver uma consciência de linguagem e uma visada menos emocionada em relação ao poema, são eles: Intinerário de Pasárgada de Manuel Bandeira; os ensaios de Ezra Pound (reunidos em dois livros, ABC da Literatura e A arte de poesia); e, por fim, a crítica ensaística dos poetas concretos, inclusive o que depois vieram a produzir já na condição, por assim dizer, de ex-concretos — e para não ficar devendo uma referência cito, deles, Haroldo, Augusto e Décio, a Teoria da poesia concreta (textos críticos e manifestos, 1950-1960).



Ronald Augusto nasceu em Rio Grande (RS) a 04 de agosto de 1961. Poeta, músico, editor e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Homem ao rubro (1983), Puya (1987), Kanhamo (1987), Vá de valha (1992), Confissões Aplicadas (2004) e No assoalho duro (2007). É editor associado do website www.sibila.com.br. Dá expediente nos blogs: www.poesia-pau.blogspot.com e www.poesiacoisanenhuma.blogspot.com E-mail: ronaldaugustoc@yahoo.com.br

Um comentário:

  1. Legal o toque não-conselhoso para incitar um leitor atento mais com a linguagem do que com alguma heurística do autor. sob essa ótica, poeta seria, não o poeta antes de leitor, mas o leitor que, acidental e incidentalmente pode vir a desenvolver seu texto-problema. valeu o recado do Ronald!
    abração, Edson
    Cândido.

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