Crédito: PAULO BATELLI
do work-in-pro FACES::TRANSFORMATIONS
1) O que é poesia para você?
...no meu caso específico, muito além do trato com palavras de uma língua que quem a usa deveria amar, posso dizer categoricamente que a poesia foi meu ganha-pão desde anos 70 e 80 ... portanto, apesar de me confundir com platônicos desesperados que de Homero não ouviram o recado, seria politicamente correto afirmar que, a poesia (se já não foi ou se ainda será), é a máquina da minha vida ... mas, no caso especificamente técnico da pergunta, a poesia pode ter sido aquela luz que projetou a sombra do homem no fundo de uma caverna, variando como os ventos que correm o mundo, entre a vida arcaica e a morte moderna ... acredito que, sem a poesia, o arco-íris não teria sete cores, as flores não exalariam odores, as borboletas não sairiam de seus casulos, o zero seria nulo e os frutos que sucedem uma flor num pomar, não conheceriam sua forma evoluída nem suas propriedades vitais contra a fome que, no homem, é capaz de matar ... se a poesia não existisse, as musas dos poetas não seriam lindas e amar alguém seria tão instintivamente triste quanto um deserto sem oásis ou um luar sem a possibilidade de um eclipse ... se para alguns contemporâneos meus, a poesia tem sido água que mata a sede e, em alguns casos clinicamente mais graves, o ar que ajuda o coração bombear sangue no corpo, para mim, a poesia é como o feedback do sinal de um sonar; e, muito embora, para alguns, seja motivo de estudos profundos, capazes de determinar o motivo da morte de um defunto, a poesia é a morte que em vida se persegue cada vez que se a evita ... quem sabe o que é a poesia, sabe que, pelo Hades, a carona na barca de Carontes é para todos, mas o passeio é para os poucos que souberem admirar a paisagem que, incontinente, desfila em ambas as margens...
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
... primeiro, perceber no fundo da alma que não é (nem nunca será) um iniciante; mas, um iniciado num saber esotérico onde deus, seja católico, muçulmano ou judeu, não lhe pedirá que pague nenhuma promessa nem lhe oferecerá nenhum milagre ... segundo, ao contrário do que atualmente lhe impõe o mercado (este transcedental demônio do mundo pós-moderno e da democracia neo-liberal dos poetas de Chicago), não deve ignorar o olhar da Medusa que chamamos de Tradição (a qual, se for possível, pode-se, de forma original, desmontar) ... nem abstrusamente quebrar, como um rebelde sem causa tão cheio de liberdades que à liberdade não tenha nada a declarar, o pacto inter-geracional que nos insere no voltaico fluxo da história e faz com que a presença dos poetas (e a de seus versos) possa ser digna das fundamentais memórias do futuro, evitando ficar só, em seu umbigo egocentrado, desafiando o mundo com a soberba das vaidades mais provincianas e inexatas, perdido como um calendário que não calcula idades, sem qualquer referência daquele presente que havia antes que sua vida começasse e que vai estar presente quando ela se acabar ... para fazer poesia (mesmo a mais concreta e imaterial), além de ler (mesmo que a título de ilustração descartável) o iniciante deve perceber que, em tempo real, os verbos não têm tempo de informar em que tempo estão sendo conjugados, como se o presente do indicativo, dobrado pela língua em que está sendo falado, não tivesse mais futuro nem passado...
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
... aquele poema de Baudelaire, em que 3 gerações de mendigos aproximam-se da vidraça de um restaurante e observam um casal degustando algo da ordem palatoniana dos fois-gras: o avô olha faminto a iguaria criada por um poeta dos molhos e temperos que o casal aristocrata come em estado de graça; o pai, ainda romântico, observa com interesse emocional o amor com que o paladar do acepipe sagrado juntou àquela mesa de amantes socialmente privilegiados; enquanto o neto, com a língua exigindo mais do que um item num cardápio, simplesmente inaugurando a modernidade, fixa seu olhar na luz elétrica recém instalada e percebe que o futuro é o único desejo da alma da gente que se mantém latente tanto no presente quanto no passado...
... aquele poema de Fernando Pessoa que identifica que a dor que o poeta sente é uma dor ausente, que só se faz presente nas palavras do poema em que é fingida e desejada como uma amiga querida, trazendo consigo, tanto na cicatriz quanto na ferida, a magma certeza de que, no ato em que é sentida, funda a incerteza da poesia que a retrata viva, numa alma, que, sem a vida, não passaria de uma fantasia abstrata...
... aquele poema do Augusto de Campos, em que um substantivo-signo (cidade) sufixa palavras comuns ao Frances e ao português de tal maneira, que torna o idioma inglês mais latino do que derivado do germânico híbrido que precisou de Sheakspeare para ser realmente inventado ... neste poema incrível, quando sua heterodoxa leitura em voz alta é chamada, a polissílaba palavra criada, que é dita pela voz que toca na língua que fala, vai e volta ao infinito das possibilidades das línguas que ainda poderão ser faladas neste planeta, em que a maioria lê sem poder doar aos demais sentidos o que lendo vê e lido pode ser ou não ser aquilo que dito se fala...
... mesmo que três seja o bastante sendo, como diz o ditado: demais ... não quero esquecer da Pedra de Drummond, da Usura de Pound nem da Língua de Caetano Veloso (especialmente quando recitada à capella por Elisa Lucinda) ... são mais de três, os fotogramas falados com os quais Glauber, Eisenstein e Godard me ensinaram a ver como sílabas de palavras imaginárias que a tudo definem a partir do nada ... são mais de três, as imagens inscritas palavras que artistas como Duchamp, Nan-June-Paik e Oiticica me ofereceram para entender exatamente o quê num poema cala, enquanto a poesia nele fala ... são mais de três, as figuras da santíssima trindade, já que o espírito santo, além de santo, é são e são muitos os espíritos que, como ele, chamam de mãe quem, além dos desígnios de deus, uma a vida lhes deu ... três, dito de uma só vez, é sempre mais do que um simples três ... dizem os cosmopatas que pode até se mais do que três se outro três ao cubo lhe elevar ... assim sendo, são por mais de três lembranças que, a poesia, que de velho me faz criança, da mais abstrata ao mais metrificado soneto, sempre foi minha guia para a perdição ... meu mapa, meu mundo, meu amuleto e meu patuá...
Tavinho Paes é aquariano com ascendente em aquários, nasceu carioca da gema em janeiro de 1955, pelas mãos de uma parteira, na Praça da Apoteose (Catumbi-RJ). Editorialmente, pela Ibis Libris, lançou seu primeiro livro BUZINAÍ NAÏF, em 2008, posto que OS MOMOSSEXUAIS (todos os poemas podem ser vistos/escutados na web, de 2007, por não conter mais de 48 páginas, não é considerado livro, mas um panfleto. Aliás, desde 1974, no mercado informal dos 100% independentes, coleciona, até agora, 104 panfletos e livretos, que vão do mimeógrafo ao xerox, vendidos pessoalmente de mão-a-mão, com títulos como: O TRAVESTI BOSSAL (1976), CAT-XUPE (1978), O OGÃ DE OGUN (1984) e A CINDERELA DESCALÇA (1989) - uma antologia do período está sendo organizada por João José de Melo Franco, sob o título de PALESTRA, com data de lançamento prevista para o segundo semestre de 2011. Crendo que cantar seja uma das muitas formas de se falar e ler um poema, o poeta acumula mais de 250 registros fonográficos com sucessos na voz de Caetano Veloso, Gal Costa , Marina Lima , Lobão , Roupa Nova e por aí vai... Fundador do Cep 20.000, com Chacal, Carlos Emílio Lima e Guilherme Zarvos (1991) e do Festival Poesia Voa , com Bruno Cattoni, organiza eventos de poesia como o poemaShow, cinePoesia o recente kineCubB ... Foi Editor de O PASQUIM, e participou de filmes como: Rio-Babilônia e A Idade da Terra. Desde 2000, atua na internet com mais de 10 canais ativos e atualizados que podem ser acessados através de seu sítio pessoal...
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