não são os astros
que são mudos
nós é que somos
surdos, cegos
verdadeiros absurdos
26 dezembro 2008
23 dezembro 2008
04 dezembro 2008
Dona Aranha
Hoje eu tropecei pela primeira vez na dona aranha. É assim que meu pai a chama. Ele é muito respeitoso com as aranhas. Diz que elas são damas do reino animal e que algumas se tornam, depois, viúvas negras e alegres. Não entendi direito, mas rimos um bocado. Meu pai sempre me enche de pipoca para que eu assista o filme do homem-aranha com ele. Eu tenho medo de aranha, pai, digo, mas ele não me ouve. Repara no uniforme dele, insiste.
Realmente, a roupa do homem-aranha é bem bacana. Meu amiguinho José já foi com ela para a escolinha. Não queriam deixar ele entrar, pois só nas segundas-feiras é que podemos levar brinquedos, mas não vir vestido de brinquedo. O José não entendeu, chorou, esperneou e acabou conseguindo, ficou o dia todo sendo o próprio homem-aranha. Se bem que no meio da tarde ele já estava todo molhado. Acho que ser o homem-aranha deve ser muito cansativo.
Mas a aranha que eu esbarrei é menina e tem muitas perninhas. Eu pensava que elas tinham muitas perninhas para piscar a gente mais vezes. Meu pai fez uma careta e disse “ah, picar, você quer dizer... mas não é bem assim”. As perninhas eram para se segurar e correr mais rápido. Assim como as baratas. Arrgh. Não vamos falar delas agora não, pai. Que nojo! Mamãe, o papai está falando de baratas!
Ufa, meu pai mudou de assunto. Ele está dizendo que todos os miúdos têm algo muito precioso que é a vida. Hum... Miúdos é como ele chama tudo que é pequeno, bebês, plantinha, bichinhos e até eu que já não sou mais um bebê. Aliás, minha mãe perguntou outro dia se eu gostaria de ter um miudinho. Ela queria dizer um irmãozinho. Ah, seria bom mais um miúdo nesta casa.
Mas papai, a dona aranha tem outra coisa bem preciosa? Não sabe? É que eu acabei de esmagar aquele algo muito preciso da dona aranha. E todas as suas perninhas. Foi sem querer, papai!
[Meu primeiro texto infantil, que fará parte do livro MIÚDOS, histórias de gente e seres miúdos, tudo do ponto de vista de uma menina politicamente quase incorreta]
18 novembro 2008
Distâncias
Leitura de distância from virna teixeira on Vimeo.
[Apresentação da versão em espanhol do livro Distancia (lunarena editorial, 2007) pela poeta Virna Teixeira e os tradutores Berenice Huerta e Jair Cortés. Jornadas Lopezvelardeanas. Zacatecas, México, junho de 2008.]
Sopa de Poesia
Gustavo Felicíssimo - O que o contato com a música traz de relevante para a sua poesia?
Edson Cruz – O contato com a música para mim foi a própria abertura para a poesia e para a vida. Com ela (a música) apurei meus sentidos, meu ouvido, minha sensibilidade em relação às palavras e aos sentidos. Como já disse Shakespeare em O mercador de Veneza, “Todo homem que em si não traga música... É de traições, pilhagens, armadilhas. ... Não se confie em homem tal...”.
Por outro lado, embora saibamos que o isomorfismo entre o som e o signo tenha limites, não podemos desconsiderar o fato de que a própria comunicação através de palavras começou com onomatopéias, gestos vocais imitando a natureza das coisas, etc.
O psicólogo Wolfgang Köhler fez aquela famosa experiência para descobrir se ocorria para as pessoas uma ligação entre algumas formas visuais e certos sons. Inventou as palavras “takete” e “maluma”, que são foneticamente opostas, e apresentou-as a indivíduos de línguas diferentes com duas figuras geometricamente opostas. Uma figura era angulosa (parecia uma estrela), a outra curvilínea (como círculos concêntricos). A pergunta fatal era: qual das figuras poderia ser chamada “takete” e qual “maluma”? A maior parte das pessoas inquiridas (embora falassem línguas totalmente diferentes) associou a palavra “takete” à figura angulosa, estrelada e “maluma” à figura curvilínea. Coincidência? Não, de forma (de som) alguma (algum).
O que eu quero dizer com isso? Simples. A musicalidade é tudo em poesia. Se não houver ritmo, sonoridades encantatórias permeando o texto poético, poderá até haver tema, discurso, sentido, mas sempre faltará alguma coisa, a música, que para mim tende ao essencial. Isso não quer dizer que precisemos, necessariamente, de rimas.
Aquelas categorias aventadas por Ezra Pound são importantes: o enfoque nas imagens (a fanopéia), nas idéias (a logopéia) e nos sons (a melopéia). Um poema que permanecerá, em minha opinião, deverá ter os três elementos dialogando entre si. Mas há grandes poemas que privilegiam aspectos de um dos três enfoques. Agora, o poema pode até não contemplar as imagens, ou as idéias, mas, para mim, se não tiver melopéia, meu ser simplesmente o rejeita. É instintivo.
Isso, que não é nenhuma novidade desde os gregos, foi a maior influência que a música teve sobre mim e sobre a minha poesia — se é que eu a tenho.
GF – Você vê o poeta como um ser deslocado perante a sociedade prática em que vivemos?
EC – De certa forma isso já se tornou um clichê, e também deve ser combatido, como todos os clichês. O poeta, e todos os seres criativos, terão que desenvolver as habilidades necessárias para interferir e alterar o estado das coisas, gerado pelas pessoas que se dizem práticas e pragmáticas. Ele não deve aceitar passivamente ser colocado (ou colocar-se, o que é pior...) de escanteio no jogo da vida com a desculpa de que não sabe lidar com as coisas práticas do mundo. O poema de Baudelaire O Albatroz é lindo. Constata uma verdade que se relacionava ao mundo romântico.
...O Poeta se compara ao príncipe da altura [ao Albatroz] / Que habita os vendavais e ri da seta no ar; / Exilado no chão, em meio à turba obscura, / As asas de gigante impedem-no de andar. [em tradução de Ivan Junqueira]
É uma verdade relativa que não nos cabe mais. O mundo precisa ser transformado e não será com uma atitude “canhestra e envergonhada”, digna de um monarca em meio à turba obscura, que faremos a diferença.
É justamente por estarmos nessa sociedade pragmática, egoísta e desumana, que o poeta deve recolocar-se com voz e atitude dignas. Com consistência do princípio ao fim. Levar o potencial revolucionário da poesia para as coisas práticas da vida.
GF – Que sentido você atribui a esses seus versos: “o que não sei/ eu intuo/ o que sei/ é entulho”?
EC – Esse é um dos grandes trunfos/triunfos da poesia. Poder dizer em poucas palavras, com certa graça, o que de outra forma seria necessário um tratado, uma tese, uma dissertação. E há, com certeza, inúmeros textos, tanto na tradição oriental quanto na ocidental, que buscam esclarecer o que tento dizer com estes quatros versos: o excesso de conhecimento, de informação, não é sabedoria. Esse acúmulo de pretensos saberes, nas horas cruciais podem muitas vezes atrapalhar, mais do que ajudar. A intuição é o que nos salva, se ela não for completamente obliterada pela pretensa erudição.
Na hora em que você for atacado por uma onça, ou estiver na iminência de ser atropelado, ou de se apaixonar, se parar para pensar, já era. E muitos já foram salvos (ou criaram coisas novas, inovaram, atingiram a iluminação, acertaram na mega-sena, conquistam o amor) justamente porque deixaram a massa de informação de lado e permitiram que outra coisa atuasse. É como se deixar levar pela música. Não dá pra pensar muito em qual seria o próximo passo. Tem que se entregar e, de repente, surge uma estrela cintilante, um gesto, um passo jamais realizado, o poema, a dança, a saída, a resolução do problema, a beleza, enfim, a vida.
[Publicado no blog de Gustavo Felicíssimo, http://sopadepoesia.zip.net/]
Edson Cruz – O contato com a música para mim foi a própria abertura para a poesia e para a vida. Com ela (a música) apurei meus sentidos, meu ouvido, minha sensibilidade em relação às palavras e aos sentidos. Como já disse Shakespeare em O mercador de Veneza, “Todo homem que em si não traga música... É de traições, pilhagens, armadilhas. ... Não se confie em homem tal...”.
Por outro lado, embora saibamos que o isomorfismo entre o som e o signo tenha limites, não podemos desconsiderar o fato de que a própria comunicação através de palavras começou com onomatopéias, gestos vocais imitando a natureza das coisas, etc.
O psicólogo Wolfgang Köhler fez aquela famosa experiência para descobrir se ocorria para as pessoas uma ligação entre algumas formas visuais e certos sons. Inventou as palavras “takete” e “maluma”, que são foneticamente opostas, e apresentou-as a indivíduos de línguas diferentes com duas figuras geometricamente opostas. Uma figura era angulosa (parecia uma estrela), a outra curvilínea (como círculos concêntricos). A pergunta fatal era: qual das figuras poderia ser chamada “takete” e qual “maluma”? A maior parte das pessoas inquiridas (embora falassem línguas totalmente diferentes) associou a palavra “takete” à figura angulosa, estrelada e “maluma” à figura curvilínea. Coincidência? Não, de forma (de som) alguma (algum).
O que eu quero dizer com isso? Simples. A musicalidade é tudo em poesia. Se não houver ritmo, sonoridades encantatórias permeando o texto poético, poderá até haver tema, discurso, sentido, mas sempre faltará alguma coisa, a música, que para mim tende ao essencial. Isso não quer dizer que precisemos, necessariamente, de rimas.
Aquelas categorias aventadas por Ezra Pound são importantes: o enfoque nas imagens (a fanopéia), nas idéias (a logopéia) e nos sons (a melopéia). Um poema que permanecerá, em minha opinião, deverá ter os três elementos dialogando entre si. Mas há grandes poemas que privilegiam aspectos de um dos três enfoques. Agora, o poema pode até não contemplar as imagens, ou as idéias, mas, para mim, se não tiver melopéia, meu ser simplesmente o rejeita. É instintivo.
Isso, que não é nenhuma novidade desde os gregos, foi a maior influência que a música teve sobre mim e sobre a minha poesia — se é que eu a tenho.
GF – Você vê o poeta como um ser deslocado perante a sociedade prática em que vivemos?
EC – De certa forma isso já se tornou um clichê, e também deve ser combatido, como todos os clichês. O poeta, e todos os seres criativos, terão que desenvolver as habilidades necessárias para interferir e alterar o estado das coisas, gerado pelas pessoas que se dizem práticas e pragmáticas. Ele não deve aceitar passivamente ser colocado (ou colocar-se, o que é pior...) de escanteio no jogo da vida com a desculpa de que não sabe lidar com as coisas práticas do mundo. O poema de Baudelaire O Albatroz é lindo. Constata uma verdade que se relacionava ao mundo romântico.
...O Poeta se compara ao príncipe da altura [ao Albatroz] / Que habita os vendavais e ri da seta no ar; / Exilado no chão, em meio à turba obscura, / As asas de gigante impedem-no de andar. [em tradução de Ivan Junqueira]
É uma verdade relativa que não nos cabe mais. O mundo precisa ser transformado e não será com uma atitude “canhestra e envergonhada”, digna de um monarca em meio à turba obscura, que faremos a diferença.
É justamente por estarmos nessa sociedade pragmática, egoísta e desumana, que o poeta deve recolocar-se com voz e atitude dignas. Com consistência do princípio ao fim. Levar o potencial revolucionário da poesia para as coisas práticas da vida.
GF – Que sentido você atribui a esses seus versos: “o que não sei/ eu intuo/ o que sei/ é entulho”?
EC – Esse é um dos grandes trunfos/triunfos da poesia. Poder dizer em poucas palavras, com certa graça, o que de outra forma seria necessário um tratado, uma tese, uma dissertação. E há, com certeza, inúmeros textos, tanto na tradição oriental quanto na ocidental, que buscam esclarecer o que tento dizer com estes quatros versos: o excesso de conhecimento, de informação, não é sabedoria. Esse acúmulo de pretensos saberes, nas horas cruciais podem muitas vezes atrapalhar, mais do que ajudar. A intuição é o que nos salva, se ela não for completamente obliterada pela pretensa erudição.
Na hora em que você for atacado por uma onça, ou estiver na iminência de ser atropelado, ou de se apaixonar, se parar para pensar, já era. E muitos já foram salvos (ou criaram coisas novas, inovaram, atingiram a iluminação, acertaram na mega-sena, conquistam o amor) justamente porque deixaram a massa de informação de lado e permitiram que outra coisa atuasse. É como se deixar levar pela música. Não dá pra pensar muito em qual seria o próximo passo. Tem que se entregar e, de repente, surge uma estrela cintilante, um gesto, um passo jamais realizado, o poema, a dança, a saída, a resolução do problema, a beleza, enfim, a vida.
[Publicado no blog de Gustavo Felicíssimo, http://sopadepoesia.zip.net/]
16 novembro 2008
Viajes
Cuando los famas salen de viaje, sus costumbres al pernoctar en una ciudad son las siguientes: Un fama va al hotel y averigua cautelosamente los precios, la calidad de las sábanas y el color de las alfombras. El segundo se traslada a la comisaría y labra un acta declarando los muebles e inmuebles de los tres, así como el inventario del contenido de sus valijas. El tercer fama va al hospital y copia las listas de los médicos de guardia y sus especialidades.
Terminadas estas diligencias, los viajeros se reúnen en la plaza mayor de la ciudad, se comunican sus observaciones, y entran en el café a beber un aperitivo. Pero antes se toman de las manos y danzan en ronda. Esta danza recibe el nombre de "Alegría de los famas".
Cuando los cronopios van de viaje, encuentran los hoteles llenos, los trenes ya se han marchado, llueve a gritos, y los taxis no quieren llevarlos o les cobran precios altísimos. Los cronopios no se desaniman porque creen firmemente que estas cosas les ocurren a todos, y a la hora de dormir se dicen unos a otros: "La hermosa ciudad, la hermosísima ciudad". Y sueñan toda la noche que en la ciudad hay grandes fiestas y que ellos están invitados. Al otro día se levantan contentísimos, y así es como viajan los cronopios.
Las esperanzas, sedentarias, se dejan viajar por las cosas y los hombres, y son como las estatuas que hay que ir a verlas porque ellas ni se molestan.
[Do livro Historias de Cronopios y de Famas, de Julio Cortázar]
Terminadas estas diligencias, los viajeros se reúnen en la plaza mayor de la ciudad, se comunican sus observaciones, y entran en el café a beber un aperitivo. Pero antes se toman de las manos y danzan en ronda. Esta danza recibe el nombre de "Alegría de los famas".
Cuando los cronopios van de viaje, encuentran los hoteles llenos, los trenes ya se han marchado, llueve a gritos, y los taxis no quieren llevarlos o les cobran precios altísimos. Los cronopios no se desaniman porque creen firmemente que estas cosas les ocurren a todos, y a la hora de dormir se dicen unos a otros: "La hermosa ciudad, la hermosísima ciudad". Y sueñan toda la noche que en la ciudad hay grandes fiestas y que ellos están invitados. Al otro día se levantan contentísimos, y así es como viajan los cronopios.
Las esperanzas, sedentarias, se dejan viajar por las cosas y los hombres, y son como las estatuas que hay que ir a verlas porque ellas ni se molestan.
[Do livro Historias de Cronopios y de Famas, de Julio Cortázar]
01 novembro 2008
Diálogo com o Uruguai
1. ¿Dónde naciste y en que año?
Nasci em Ilhéus, no sul do estado da Bahia. Uma terra que foi palco de vários romances famosos de Jorge Amado (o escritor brasileiro mais conhecido no mundo, antes do fenômeno Paulo Coelho). Sou quase um velho, mas não aparento. Deve ser a herança genética misturada com africanos, holandeses e portugueses. Nasci em 1959, um ano depois da Bossa-Nova. Moro em São Paulo, cidade cosmopolita, desde os anos sessenta. Quando veio o golpe militar, em 1964, já estava por aqui. Vi os milicos de perto. Não sabia do que se tratava.
2. ¿Cómo fue tu infancia y tu adolescencia? ¿Quiénes son tus padres?
De minha infância não lembro muita coisa. Acho que não foi nada boa, nada aconchegante. Sempre em lugares que não eram meus. Minha mãe, Laurinda, se separou de meu pai, João, e veio para São Paulo. Ela diz que meu pai era militar e à noite cantava e tocava em boates pela cidade. Chegava em casa cheirando a álcool e a outras mulheres. Minha mãe não aguentou e pediu ajuda para sua irmã, Maria, que trabalhava em São Paulo, numa casa de família, como empregada doméstica. Eles nos hospedaram por dois anos. Eram ricos. Depois, minha mãe, que chegou grávida e teve meu irmão Luiz em São Paulo, arrumou um emprego e nos deixou morando em um bairro da periferia, na casa de seu irmão João. Não tenho boas lembranças deste período, pois minha tia não gostou nada da idéia de cuidar de mais dois pirralhos, fora os que ela já tinha. Minha mãe trabalhava durante a semana toda como empregada e só aparecia aos domingos, às vezes no sábado. Sofri muito neste período, mas fui crescendo.
Aos cinco anos minha mãe se casa novamente e, finalmente, a família se reune. Vamos morar todos juntos. Me lembro até hoje do trajeto que fizemos de trem da periferia até a Estação da Luz, onde descemos e fomos a pé até nossa casa. Era uma sensação de que algo que havia se quebrado estava começando a se recompor. Se fosse possível queria ser feliz. Foram anos de pobreza, mas de felicidade. Fui crescendo, entrei na escola, minha família aumentou. Lembro-me da quantidade imensa de pulgas que havia em casa. Depois, ratos, mas era tudo estimulante. Eu tinha minha família agora. Tinha amigos, gostava de estudar, de aprender.
Lembro-me que logo que aprendi a escrever fiz uma redação para o curso primário que a professora gostou muito. Leu em voz alta na classe. Tinha um trecho que dizia que era manhã de sábado, e no ar havia um cheiro de felicidade. A classe toda não entendeu. Como é que a felicidade pode ter cheiro. A professora entendeu e explicou para a moçadinha. Eu vibrei. Ali vislumbrei que poderia ser diferente e me expressar da forma que quisesse.
Quando estava entrando na adolescência, um padre (sim, eu frequentava as missas aos domingos… nem sei como cheguei lá… acho que foi através da primeira comunhão, curso de catecismo, estas coisas…) perguntou se eu não queria estudar no Seminário para me tornar um Padre. Me seduziu com as coisas boas que haveria por lá, como por exemplo, um pomar, uma biblioteca, um campo de futebol, uma piscina, etc.
Fiquei fascinado com a idéia de aprender Latim, Francês, ter uma biblioteca onde pudesse ler o que quisesse, conhecer outras coisas fora da pobreza de minha família. Topei.
Minha família adorou a idéia. Sim, eles pensavam, agora ele seria alguém. Se não pode ser médico ou advogado, pelo menos vai ser Padre.
Fui. Vi. Gostei de muitas coisas e detestei outras. Amadureci um pouco tendo que cuidar de minhas coisas, competir com os outros meninos, estar sozinho, ter que fazer amizades estratégicas, etc. Estudei bastante, li muita coisa da biblioteca. Aprendi a nadar e o principal, aprendi a tocar violão. O violão foi meu grande companheiro por toda a adolescência e na vida adulta. Quase virei músico profissional. Cheguei a estudar música muito tempo, composição, regência, violão erudito, cantar na noite, etc. A música me salvou. Me aproximou das pessoas e expandiu meu círculo de influência e minha percepção do mundo. Sou o que sou hoje graças as minhas leituras e a música. A escrita veio depois, ou melhor, acompanhou este processo todo, mas despreocupadamente, sem compromissos.
3. ¿Qué estudios realizaste?
Estudei alguns anos em Seminário, colégio para formação de padres, que me proporcionou o contato com muitas coisas: um pouco de espanhol, latim, francês, música. Depois, já fora do Seminário, fiz quase o curso completo de Psicologia; depois um pouco de formação em terapia reichiana. Estudei um pouco de composição e regência na Universidade e também um pouco de violão erudito e canto, com professores particulares. Também estudei um pouco de estética e misticismo com um professor genial aqui de São Paulo. Atualmente, termino o curso de Letras na Universidade de São Paulo – USP.
4. ¿Influencias filosóficas?
Sim. Várias. Nada muito aprofundado, mas sempre fui um leitor voraz e indisciplinado. Li muito Nietzsche e um pouco de Schopenhauer. Li, também, muita coisa do Oriente. Budismo. Taoismo. Pratico o budismo de Nitiren Daishonin há 15 anos e leio com frequência o filósofo, poeta e pacifista Daisaku Ikeda, que vem iluminando meu caminho e de minha esposa. Em suma, busco cada vez mais o humanismo e uma ação diária que gere valor, sempre embasado na consciência de causa e efeito.
5. ¿Algún poeta o persona que te haya inspirado en tu labor poética?
Todos os poetas que admiro me inspiraram ou inspiram de alguma forma: Carlos Drummond de Andrade, Augusto de Campos, Manoel de Barros, Rabindranath Tagore, Manuel Bandeira, Matsuo Bashô, Fernando Pessoa, Baudelaire, Jorge Luis Borges, Paulo Leminski e tantos outros…
6. ¿Cuál es tu hobby?
Assistir filmes em DVD, ouvir música e tocar violão.
7. ¿Podes contarme algo de un gran amor que hayas tenido en tu vida?
Meu grande amor é a mulher com que estou casado desde 2002 e com quem tenho uma pérola chamada Sophia. Foi com ela, Eliane, que decidi e senti o desejo de constituir uma família — algo que nunca havia sentido em relacionamentos anteriores. Veja o texto que escrevi quando do nascimento de Sophia.
8. ¿Qué es la poesía para ti?
Em cada momento de minha vida a poesia representou alguma coisa. Descobrimento de mim mesmo. Descobrimento do outro e de outras formas de encarar e dizer a vida. Hoje, ela representa um caminho que sigo lapidando; uma constante labuta com a palavra, com a forma e com o inesperado da expressão alinhavada em um poema. Tudo pode ser motivo ou tema da poesia, pois ela representa um sentimento do mundo que nos irmana, ao mesmo tempo que nos delimita enquanto diferenças. É pura magia, quando ela realmente acontece. Feitiço, como digo em um de meus poemas…
Feitiço
algo assim tão
inatural
que chega a ser
outra natureza
algo sim não
mais factício
por demais tal
coisa feita
que de tão artifício
vira arte
vira livro
vira ofício
9. ¿Qué es el poeta para ti? ¿Qué rol cumple en la sociedad si lo cumple? ¿o que rol cumple?
O poeta é um fazedor de inutensílios que tornam-se cada vez mais necessários. O poema em si não serve para nada. Não tem finalidade alguma. Nem mesmo emocionar como querem alguns. Ele apenas existe, como uma flor ou uma pedra. Nós é que damos finalidade para ele. A cultura é que precisa, eventualmente, de sua existência para nutrir-se e oxigenar-se. O poeta é alguém que decide, por vontade ou por imperiosa necessidade, dedicar-se à revelação que pode ressignificar o uso das palavras. A música inscrita na partitura dos fonemas e da semântica. Veja meu poema “Palimpsesto”:
palimpsesto
toda poesia já
escrita
não se equipara
a toda poesia
inscrita
a poesia jaz
10. ¿Cómo es la vida del poeta?
Como a de outro ser humano qualquer. O poeta não tem nada de especial. Ele pode até, como já existiram alguns, ser um assassino e usar muito bem as palavras. O poeta não está livre de seu carma. E quando ele se manifesta não há sentimento poético que possa encobri-lo. Mas é claro que a poesia pode salvar a vida do poeta, e talvez de algumas poucas pessoas. Assim como pode destruí-lo, como já aconteceu aos montes.
Para chegarmos mesmo ao âmago das coisas, precisamos perder a pretensão. Nos livrarmos do ego falastrão. Descascar os significados instituídos das palavras. As palavras mortas pelos usos mecânicos e repetitivos. O cara que faz um cartão de apresentação dizendo que é poeta já revela que não sabe do que está falando. A poesia não é uma instituição e ser poeta não é um cargo que possa ser ostentado. Pode ser um grande fardo, principalmente numa sociedade fadada ao desastre, consumista e imediatista como a nossa. Por isso precisamos cada vez mais de poetas e de boa poesia. E, devo dizer, da má poesia também.
11. ¿Cómo se siente el poeta en la sociedad?
Um pouco já respondi acima. Falando um pouco mais sobre isso, eu diria que o poeta quase sempre é um desajustado e inconformado com o que vê na sociedade. Ele vai aprendendo a identificar o que é ideologia onde todos vêem manifestação natural. É um chato, estraga prazeres. Está longe de ser aquele sentimentalóide que embala os namoricos e festas de altas sociedades. Ele, quando é autêntico, pôe o dedo em sua própria ferida, que fica exposta e sangrando sem dó… e muitas vezes, faz isso de uma forma bem musical… Veja este meu artigo.
12. ¿Por qué escribes poesía? ¿Qué te inspiro a hacerlo?
Me fascina a sonoridade das palavras e o discurso da inteligência que a poesia permite realizar. Creio que cheguei na poesia através da música. E aos poucos fui percebendo que levo jeito, intuitivamente, depois estudando e lendo outros poetas, buscando meu próprio jeito de fazê-la, etc. Aliás, a música é a musa de todos nós. Tudo conspira para se tornar música. Já escrevi sobre isso. Confira.
13. ¿Por qué se llama “Sortilegio” tu libro de poesía?
Sortilégio tanto pode ser uma coisa boa como má. É quase que sinônimo para feitiço, magia. Algo que está intrínseco em toda poesia que se preze, de todos os tempos, desde as culturas orais até as escritas e agora as que se utilizam dos recursos da web.
Uma definição de Sortilégio pode ser a seguinte: “Sedução ou fascinação exercida por dotes naturais ou por artifícios.” É a própria definição de poesia. Claro que na chave, clave, do artifício. Da construção. Da poiésis.
14. ¿Has escrito más libros? Cuéntame algo de ellos.
Estou com meu segundo livro de poesia pronto. Quero lançar por alguma editora que tenha um sistema de distribuição mais profissional, para que ele possa chegar ao maior número de pessoas possível. Você pode conferir em meu blog, vários poemas que certamente estarão neste segundo livro.
Preparo, também, uma adaptação para prosa do grande épico indiano, Mahabharata. Um trabalho hercúleo que está além de minhas capacidades, mas o farei.
15. Me llamó la atención del material que es hecho “Sortilégio” ¿Lo elegiste tú?
Sim. Sortilégio, como primeiro livro, é o sumo do que produzi nestes últimos 30 anos. Vários poemas foram reescritos, retrabalhados, retocados, como nosso querido João Gilberto retrabalha suas canções eleitas, com esmero. De mero José a impossível João. Aliás, meu primeiro nome é José. Você sabia?
A parte denominada “Parabolês”, são adaptações que fiz de parábolas budistas escritas em prosa.
16. ¿El símbolo que posee en la carátula tiene un significado especial?
Sim. É o símbolo do Oroboros. Tem muitos significados. Um deles é o eterno retorno. O ciclo transmigratório de Samsara. Paul Valery usou-o como símbolo do próprio pensamento que consome a si mesmo no ato de fazê-lo. Representa, também, a manifestação da linguagem, que se volta sobre si mesma em metalinguagem, que é uma característica essencial de toda poesia moderna.
17. ¿Cómo es concebida la literatura en la realidad brasileña?
A literatura brasileira é muito complexa, com inúmeras tendências, vertentes, igrejinhas, apóstolos e santos padroeiros. Geralmente quem se afina a uma tendência, ou igreja poética, tende a menosprezar e até a demonizar os autores que praticam outro tipo de poesia.
Por outro lado, devido ao grande poder cultural e econômico da região sudeste brasileira, impera a influência do modernismo (instigado pela “Semana de 22”, que aconteceu em São Paulo) e pelo retumbante e merecido sucesso mundial da “poesia concreta” (movimento poético que, também, surgiu em São Paulo, com os irmãos Haroldo e Augusto de Campo e Décio Pgnatari). Por conta disso, outras poéticas e práticas, principalmente aquelas que se desenvolviam em regiões do Brasil fora do eixo sul, não tiveram a recepção e crítica adequada, gerando uma multidão de consistentes poetas (outros incipientes) que simplesmente não são conhecidos, nem estudados no resto do país.
Os poetas jovens, que fazem a poesia brasileira atual, se ressentem dessa conjuntura toda. Muitos simplesmente são, ou epígonos da poesia concreta e modernista, ou reativos (a meu ver de forma não esteticamente saudável) a estas poéticas. Ambos procedimentos desastrosos para a linha evolutiva da poesia brasileira contemporânea.
Por outro lado, o Brasil teve/tem poetas tão grandiosos (como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Ferreira Gullar, Augusto de Campos, Manoel de Barros, Cecília Meireles, Mário Faustino, Haroldo de Campos, Paulo Leminski) que parecem sombrear os novos autores e seus respectivos projetos poéticos que demoram para mostrar uma dicção própria e interessante. A meu ver, muitos conseguiram e a cada mês novos poetas surgem aos borbotões. Os nomes que parecem ter conseguido seus leitores e uma boa recepção de seus projetos poéticos são: Renata Pallottini, Régis Bonvicino, Carlos Ávila, Fabrício Carpinejar, Frederico Barbosa, Bruno Tolentino, Armando Freitas Filho, Ivan Junqueira, Claudio Willer, Adélia Prado, Orides Fontella, Alexei Bueno, Ana Cristina César, Mario Quintana, entre outros que me fogem agora.
Concluindo, há poesia para todos os gostos. Aqueles que se dedicam as formas fixas, como sonetos, etc; aqueles que fazem uma poesia temática, urbana; aqueles que experimentam com a linguagem e com as formas; os que fazem uma poesia que se aproxima de aforismos; os que fazem poesia que parece prosa, a tão (mal) falada por aqui, prosa poética, e por aí vai. Poesia para todos os credos e adeptos…
18. ¿Cuál es el comportamiento que tiene la sociedad brasileña ante la literatura?
Literatura no Brasil é para poucos. Alta literatura, então, é para bem poucos: a elite pensante deste país. Os livros são caros. O escritor, normalmente, está distante de seu leitor. Talvez a Internet mude um pouco essa história. O Brasil é um país de analfabetos em todos os níveis.
19. Podrías decirme las cifras de cómo es el consumo de la literatura en el Brasil.
Bem… já que você pediu. Veja se me acompanha: 12% de nossa população é composta de Não Alfabetizados (21.269.591). 95,6 milhões de brasileiros declararam ter lido pelo menos 1 livro nos últimos 3 meses. Sendo que 47,4 milhões leram livros indicados nas escolas e didáticos. 30% dos Alfabetizados, estão em um nível rudimentar de alfabetização, ou seja, só lêem e entendem o título de uma revista, um anúncio não muito complexo, data do início de vacinação, etc.
Temos, aproximadamente, 2.676 livrarias no país, sendo que 53% delas estão na região sudeste que lhe falei, a mais rica do país.
Engraçado é que o centro do poder, aparentemente lê pouco, ou vai pouco a livraria. Em nosso Distrito Federal só há 71 livrarias (3% do montante).
Com esse quadro acima dá para deduzir que o consumo de literatura é muito baixo. Lê-se muito auto-ajuda (ou melhor, compra-se muito, que é diferente de ler…), bestseller e Paulo Coelho (que é um fenômeno e nosso maior orgulho, he he…).
20. ¿Cómo concibes al mundo?
Estes dias estive assistindo ao filme “Quem somos nós” (título em português), que trata justamente de nossa visão de mundo, baseado nas novas idéias e experimentos da física quântica. É bom saber que o mundo/a realidade é o que nós queremos que ela seja. Claro que um querer relativo, pois está limitado pela nossa capacidade de ver com maior amplidão. Resta-nos, então, quebrar paradigmas e tentar com nossa transformação pessoal e ações interferir positivamente no mundo. Ele urge ser transformado para melhor. Enquanto o mundo não for uma sociedade pacífica e próspera pouco poderá ser efetivamente criado (pelo menos não tanto quanto potencialmente poderíamos…).
21. ¿Cambiarías algo de él? ¿Cómo?
Para mudarmos o mundo (que se faz necessário) é preciso mudarmos inicialmente a nós mesmos. O mundo é o que nós somos. Há um conceito no budismo que pratico (o budismo de Nitiren Daishonin) que chama-se Esho Funi, a inseparabilidade do ser e seu meio ambiente. Diz ele que, quando o ser muda o ambiente também se transforma e não ao contrário como imaginamos ou fomos ensinados. A física quântica mostrou que a afirmação budista de 3 mil anos atrás está certíssima.
Enquanto ficarmos esperando que algo mude lá fora, socialmente, políticamente, ou mesmo que a natureza se ajuste por um passe de mágica, nada mudará.
22. ¿Qué piensas de la poesía concreta? ¿Sabes algo de ella?
Gosto muito da poesia concreta. Ela é importantíssima para o Brasil, para os brasileiros e para o mundo. Talvez, seja nossa única criação de vanguarda estética, com uma fundamentação teórica e prática admirável. Ela tem consistência do início ao fim. A poesia concreta inovou em vários aspectos: depois de trazer para o primeiro plano o verbal e o visual, inovou no campo semântico, sintético, no léxico, no campo fonético, morfológico e no campo topográfico (o uso construtivo dos espaços brancos da página, a abolição do verso e a não-linearidade).
Agora, ela foi uma experiência estética inovadora e incubadora e não podemos fazer dela (nós, leitores ou autores) uma camisa de força. Precisamos seguir adiante, incorporando o que ela tem de melhor, aprendendo e descartando o que já não nos serve mais, ou o que virou instituição. A poesia tem que renascer sempre.
23. ¿Por qué tienes un site de literatura y un blog? ¿Tienes alguna finalidad en especial?
O site Cronópios é um projeto que visa mapear e dar espaço para a literatura contemporânea feita no Brasil, em um momento de efervescência criativa não assimilada pelas editoras e que a Internet veio desengavetar. É uma experiência muito rica. Para mim valeu como duas universidades de letras. Abri minha cabeça e expandi meu conhecimento da produção literária brasileira de uma maneira exponencial, além de estar fazendo muitos amigos e interlocutores.
O Blog é algo pessoal. Para exercitar a escrita, mostrar e sentir como se dá a recepção do que escrevo. Para me forçar a escrever. Estou gostando muito da experiência. Meu próximo livro foi construído basicamente a partir da escrita no blog.
[Entrevista para Carina Loyarte, Estudiante de Profesorado de Lengua y Literatura en el Centro Regional de Profesores del Este, en la ciudad de Maldonado, Uruguay, que faz monografia sobre meu livro Sortilégio. E-mail: carinaloyarte@hotmail.com]
Nasci em Ilhéus, no sul do estado da Bahia. Uma terra que foi palco de vários romances famosos de Jorge Amado (o escritor brasileiro mais conhecido no mundo, antes do fenômeno Paulo Coelho). Sou quase um velho, mas não aparento. Deve ser a herança genética misturada com africanos, holandeses e portugueses. Nasci em 1959, um ano depois da Bossa-Nova. Moro em São Paulo, cidade cosmopolita, desde os anos sessenta. Quando veio o golpe militar, em 1964, já estava por aqui. Vi os milicos de perto. Não sabia do que se tratava.
2. ¿Cómo fue tu infancia y tu adolescencia? ¿Quiénes son tus padres?
De minha infância não lembro muita coisa. Acho que não foi nada boa, nada aconchegante. Sempre em lugares que não eram meus. Minha mãe, Laurinda, se separou de meu pai, João, e veio para São Paulo. Ela diz que meu pai era militar e à noite cantava e tocava em boates pela cidade. Chegava em casa cheirando a álcool e a outras mulheres. Minha mãe não aguentou e pediu ajuda para sua irmã, Maria, que trabalhava em São Paulo, numa casa de família, como empregada doméstica. Eles nos hospedaram por dois anos. Eram ricos. Depois, minha mãe, que chegou grávida e teve meu irmão Luiz em São Paulo, arrumou um emprego e nos deixou morando em um bairro da periferia, na casa de seu irmão João. Não tenho boas lembranças deste período, pois minha tia não gostou nada da idéia de cuidar de mais dois pirralhos, fora os que ela já tinha. Minha mãe trabalhava durante a semana toda como empregada e só aparecia aos domingos, às vezes no sábado. Sofri muito neste período, mas fui crescendo.
Aos cinco anos minha mãe se casa novamente e, finalmente, a família se reune. Vamos morar todos juntos. Me lembro até hoje do trajeto que fizemos de trem da periferia até a Estação da Luz, onde descemos e fomos a pé até nossa casa. Era uma sensação de que algo que havia se quebrado estava começando a se recompor. Se fosse possível queria ser feliz. Foram anos de pobreza, mas de felicidade. Fui crescendo, entrei na escola, minha família aumentou. Lembro-me da quantidade imensa de pulgas que havia em casa. Depois, ratos, mas era tudo estimulante. Eu tinha minha família agora. Tinha amigos, gostava de estudar, de aprender.
Lembro-me que logo que aprendi a escrever fiz uma redação para o curso primário que a professora gostou muito. Leu em voz alta na classe. Tinha um trecho que dizia que era manhã de sábado, e no ar havia um cheiro de felicidade. A classe toda não entendeu. Como é que a felicidade pode ter cheiro. A professora entendeu e explicou para a moçadinha. Eu vibrei. Ali vislumbrei que poderia ser diferente e me expressar da forma que quisesse.
Quando estava entrando na adolescência, um padre (sim, eu frequentava as missas aos domingos… nem sei como cheguei lá… acho que foi através da primeira comunhão, curso de catecismo, estas coisas…) perguntou se eu não queria estudar no Seminário para me tornar um Padre. Me seduziu com as coisas boas que haveria por lá, como por exemplo, um pomar, uma biblioteca, um campo de futebol, uma piscina, etc.
Fiquei fascinado com a idéia de aprender Latim, Francês, ter uma biblioteca onde pudesse ler o que quisesse, conhecer outras coisas fora da pobreza de minha família. Topei.
Minha família adorou a idéia. Sim, eles pensavam, agora ele seria alguém. Se não pode ser médico ou advogado, pelo menos vai ser Padre.
Fui. Vi. Gostei de muitas coisas e detestei outras. Amadureci um pouco tendo que cuidar de minhas coisas, competir com os outros meninos, estar sozinho, ter que fazer amizades estratégicas, etc. Estudei bastante, li muita coisa da biblioteca. Aprendi a nadar e o principal, aprendi a tocar violão. O violão foi meu grande companheiro por toda a adolescência e na vida adulta. Quase virei músico profissional. Cheguei a estudar música muito tempo, composição, regência, violão erudito, cantar na noite, etc. A música me salvou. Me aproximou das pessoas e expandiu meu círculo de influência e minha percepção do mundo. Sou o que sou hoje graças as minhas leituras e a música. A escrita veio depois, ou melhor, acompanhou este processo todo, mas despreocupadamente, sem compromissos.
3. ¿Qué estudios realizaste?
Estudei alguns anos em Seminário, colégio para formação de padres, que me proporcionou o contato com muitas coisas: um pouco de espanhol, latim, francês, música. Depois, já fora do Seminário, fiz quase o curso completo de Psicologia; depois um pouco de formação em terapia reichiana. Estudei um pouco de composição e regência na Universidade e também um pouco de violão erudito e canto, com professores particulares. Também estudei um pouco de estética e misticismo com um professor genial aqui de São Paulo. Atualmente, termino o curso de Letras na Universidade de São Paulo – USP.
4. ¿Influencias filosóficas?
Sim. Várias. Nada muito aprofundado, mas sempre fui um leitor voraz e indisciplinado. Li muito Nietzsche e um pouco de Schopenhauer. Li, também, muita coisa do Oriente. Budismo. Taoismo. Pratico o budismo de Nitiren Daishonin há 15 anos e leio com frequência o filósofo, poeta e pacifista Daisaku Ikeda, que vem iluminando meu caminho e de minha esposa. Em suma, busco cada vez mais o humanismo e uma ação diária que gere valor, sempre embasado na consciência de causa e efeito.
5. ¿Algún poeta o persona que te haya inspirado en tu labor poética?
Todos os poetas que admiro me inspiraram ou inspiram de alguma forma: Carlos Drummond de Andrade, Augusto de Campos, Manoel de Barros, Rabindranath Tagore, Manuel Bandeira, Matsuo Bashô, Fernando Pessoa, Baudelaire, Jorge Luis Borges, Paulo Leminski e tantos outros…
6. ¿Cuál es tu hobby?
Assistir filmes em DVD, ouvir música e tocar violão.
7. ¿Podes contarme algo de un gran amor que hayas tenido en tu vida?
Meu grande amor é a mulher com que estou casado desde 2002 e com quem tenho uma pérola chamada Sophia. Foi com ela, Eliane, que decidi e senti o desejo de constituir uma família — algo que nunca havia sentido em relacionamentos anteriores. Veja o texto que escrevi quando do nascimento de Sophia.
8. ¿Qué es la poesía para ti?
Em cada momento de minha vida a poesia representou alguma coisa. Descobrimento de mim mesmo. Descobrimento do outro e de outras formas de encarar e dizer a vida. Hoje, ela representa um caminho que sigo lapidando; uma constante labuta com a palavra, com a forma e com o inesperado da expressão alinhavada em um poema. Tudo pode ser motivo ou tema da poesia, pois ela representa um sentimento do mundo que nos irmana, ao mesmo tempo que nos delimita enquanto diferenças. É pura magia, quando ela realmente acontece. Feitiço, como digo em um de meus poemas…
Feitiço
algo assim tão
inatural
que chega a ser
outra natureza
algo sim não
mais factício
por demais tal
coisa feita
que de tão artifício
vira arte
vira livro
vira ofício
9. ¿Qué es el poeta para ti? ¿Qué rol cumple en la sociedad si lo cumple? ¿o que rol cumple?
O poeta é um fazedor de inutensílios que tornam-se cada vez mais necessários. O poema em si não serve para nada. Não tem finalidade alguma. Nem mesmo emocionar como querem alguns. Ele apenas existe, como uma flor ou uma pedra. Nós é que damos finalidade para ele. A cultura é que precisa, eventualmente, de sua existência para nutrir-se e oxigenar-se. O poeta é alguém que decide, por vontade ou por imperiosa necessidade, dedicar-se à revelação que pode ressignificar o uso das palavras. A música inscrita na partitura dos fonemas e da semântica. Veja meu poema “Palimpsesto”:
palimpsesto
toda poesia já
escrita
não se equipara
a toda poesia
inscrita
a poesia jaz
10. ¿Cómo es la vida del poeta?
Como a de outro ser humano qualquer. O poeta não tem nada de especial. Ele pode até, como já existiram alguns, ser um assassino e usar muito bem as palavras. O poeta não está livre de seu carma. E quando ele se manifesta não há sentimento poético que possa encobri-lo. Mas é claro que a poesia pode salvar a vida do poeta, e talvez de algumas poucas pessoas. Assim como pode destruí-lo, como já aconteceu aos montes.
Para chegarmos mesmo ao âmago das coisas, precisamos perder a pretensão. Nos livrarmos do ego falastrão. Descascar os significados instituídos das palavras. As palavras mortas pelos usos mecânicos e repetitivos. O cara que faz um cartão de apresentação dizendo que é poeta já revela que não sabe do que está falando. A poesia não é uma instituição e ser poeta não é um cargo que possa ser ostentado. Pode ser um grande fardo, principalmente numa sociedade fadada ao desastre, consumista e imediatista como a nossa. Por isso precisamos cada vez mais de poetas e de boa poesia. E, devo dizer, da má poesia também.
11. ¿Cómo se siente el poeta en la sociedad?
Um pouco já respondi acima. Falando um pouco mais sobre isso, eu diria que o poeta quase sempre é um desajustado e inconformado com o que vê na sociedade. Ele vai aprendendo a identificar o que é ideologia onde todos vêem manifestação natural. É um chato, estraga prazeres. Está longe de ser aquele sentimentalóide que embala os namoricos e festas de altas sociedades. Ele, quando é autêntico, pôe o dedo em sua própria ferida, que fica exposta e sangrando sem dó… e muitas vezes, faz isso de uma forma bem musical… Veja este meu artigo.
12. ¿Por qué escribes poesía? ¿Qué te inspiro a hacerlo?
Me fascina a sonoridade das palavras e o discurso da inteligência que a poesia permite realizar. Creio que cheguei na poesia através da música. E aos poucos fui percebendo que levo jeito, intuitivamente, depois estudando e lendo outros poetas, buscando meu próprio jeito de fazê-la, etc. Aliás, a música é a musa de todos nós. Tudo conspira para se tornar música. Já escrevi sobre isso. Confira.
13. ¿Por qué se llama “Sortilegio” tu libro de poesía?
Sortilégio tanto pode ser uma coisa boa como má. É quase que sinônimo para feitiço, magia. Algo que está intrínseco em toda poesia que se preze, de todos os tempos, desde as culturas orais até as escritas e agora as que se utilizam dos recursos da web.
Uma definição de Sortilégio pode ser a seguinte: “Sedução ou fascinação exercida por dotes naturais ou por artifícios.” É a própria definição de poesia. Claro que na chave, clave, do artifício. Da construção. Da poiésis.
14. ¿Has escrito más libros? Cuéntame algo de ellos.
Estou com meu segundo livro de poesia pronto. Quero lançar por alguma editora que tenha um sistema de distribuição mais profissional, para que ele possa chegar ao maior número de pessoas possível. Você pode conferir em meu blog, vários poemas que certamente estarão neste segundo livro.
Preparo, também, uma adaptação para prosa do grande épico indiano, Mahabharata. Um trabalho hercúleo que está além de minhas capacidades, mas o farei.
15. Me llamó la atención del material que es hecho “Sortilégio” ¿Lo elegiste tú?
Sim. Sortilégio, como primeiro livro, é o sumo do que produzi nestes últimos 30 anos. Vários poemas foram reescritos, retrabalhados, retocados, como nosso querido João Gilberto retrabalha suas canções eleitas, com esmero. De mero José a impossível João. Aliás, meu primeiro nome é José. Você sabia?
A parte denominada “Parabolês”, são adaptações que fiz de parábolas budistas escritas em prosa.
16. ¿El símbolo que posee en la carátula tiene un significado especial?
Sim. É o símbolo do Oroboros. Tem muitos significados. Um deles é o eterno retorno. O ciclo transmigratório de Samsara. Paul Valery usou-o como símbolo do próprio pensamento que consome a si mesmo no ato de fazê-lo. Representa, também, a manifestação da linguagem, que se volta sobre si mesma em metalinguagem, que é uma característica essencial de toda poesia moderna.
17. ¿Cómo es concebida la literatura en la realidad brasileña?
A literatura brasileira é muito complexa, com inúmeras tendências, vertentes, igrejinhas, apóstolos e santos padroeiros. Geralmente quem se afina a uma tendência, ou igreja poética, tende a menosprezar e até a demonizar os autores que praticam outro tipo de poesia.
Por outro lado, devido ao grande poder cultural e econômico da região sudeste brasileira, impera a influência do modernismo (instigado pela “Semana de 22”, que aconteceu em São Paulo) e pelo retumbante e merecido sucesso mundial da “poesia concreta” (movimento poético que, também, surgiu em São Paulo, com os irmãos Haroldo e Augusto de Campo e Décio Pgnatari). Por conta disso, outras poéticas e práticas, principalmente aquelas que se desenvolviam em regiões do Brasil fora do eixo sul, não tiveram a recepção e crítica adequada, gerando uma multidão de consistentes poetas (outros incipientes) que simplesmente não são conhecidos, nem estudados no resto do país.
Os poetas jovens, que fazem a poesia brasileira atual, se ressentem dessa conjuntura toda. Muitos simplesmente são, ou epígonos da poesia concreta e modernista, ou reativos (a meu ver de forma não esteticamente saudável) a estas poéticas. Ambos procedimentos desastrosos para a linha evolutiva da poesia brasileira contemporânea.
Por outro lado, o Brasil teve/tem poetas tão grandiosos (como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Ferreira Gullar, Augusto de Campos, Manoel de Barros, Cecília Meireles, Mário Faustino, Haroldo de Campos, Paulo Leminski) que parecem sombrear os novos autores e seus respectivos projetos poéticos que demoram para mostrar uma dicção própria e interessante. A meu ver, muitos conseguiram e a cada mês novos poetas surgem aos borbotões. Os nomes que parecem ter conseguido seus leitores e uma boa recepção de seus projetos poéticos são: Renata Pallottini, Régis Bonvicino, Carlos Ávila, Fabrício Carpinejar, Frederico Barbosa, Bruno Tolentino, Armando Freitas Filho, Ivan Junqueira, Claudio Willer, Adélia Prado, Orides Fontella, Alexei Bueno, Ana Cristina César, Mario Quintana, entre outros que me fogem agora.
Concluindo, há poesia para todos os gostos. Aqueles que se dedicam as formas fixas, como sonetos, etc; aqueles que fazem uma poesia temática, urbana; aqueles que experimentam com a linguagem e com as formas; os que fazem uma poesia que se aproxima de aforismos; os que fazem poesia que parece prosa, a tão (mal) falada por aqui, prosa poética, e por aí vai. Poesia para todos os credos e adeptos…
18. ¿Cuál es el comportamiento que tiene la sociedad brasileña ante la literatura?
Literatura no Brasil é para poucos. Alta literatura, então, é para bem poucos: a elite pensante deste país. Os livros são caros. O escritor, normalmente, está distante de seu leitor. Talvez a Internet mude um pouco essa história. O Brasil é um país de analfabetos em todos os níveis.
19. Podrías decirme las cifras de cómo es el consumo de la literatura en el Brasil.
Bem… já que você pediu. Veja se me acompanha: 12% de nossa população é composta de Não Alfabetizados (21.269.591). 95,6 milhões de brasileiros declararam ter lido pelo menos 1 livro nos últimos 3 meses. Sendo que 47,4 milhões leram livros indicados nas escolas e didáticos. 30% dos Alfabetizados, estão em um nível rudimentar de alfabetização, ou seja, só lêem e entendem o título de uma revista, um anúncio não muito complexo, data do início de vacinação, etc.
Temos, aproximadamente, 2.676 livrarias no país, sendo que 53% delas estão na região sudeste que lhe falei, a mais rica do país.
Engraçado é que o centro do poder, aparentemente lê pouco, ou vai pouco a livraria. Em nosso Distrito Federal só há 71 livrarias (3% do montante).
Com esse quadro acima dá para deduzir que o consumo de literatura é muito baixo. Lê-se muito auto-ajuda (ou melhor, compra-se muito, que é diferente de ler…), bestseller e Paulo Coelho (que é um fenômeno e nosso maior orgulho, he he…).
20. ¿Cómo concibes al mundo?
Estes dias estive assistindo ao filme “Quem somos nós” (título em português), que trata justamente de nossa visão de mundo, baseado nas novas idéias e experimentos da física quântica. É bom saber que o mundo/a realidade é o que nós queremos que ela seja. Claro que um querer relativo, pois está limitado pela nossa capacidade de ver com maior amplidão. Resta-nos, então, quebrar paradigmas e tentar com nossa transformação pessoal e ações interferir positivamente no mundo. Ele urge ser transformado para melhor. Enquanto o mundo não for uma sociedade pacífica e próspera pouco poderá ser efetivamente criado (pelo menos não tanto quanto potencialmente poderíamos…).
21. ¿Cambiarías algo de él? ¿Cómo?
Para mudarmos o mundo (que se faz necessário) é preciso mudarmos inicialmente a nós mesmos. O mundo é o que nós somos. Há um conceito no budismo que pratico (o budismo de Nitiren Daishonin) que chama-se Esho Funi, a inseparabilidade do ser e seu meio ambiente. Diz ele que, quando o ser muda o ambiente também se transforma e não ao contrário como imaginamos ou fomos ensinados. A física quântica mostrou que a afirmação budista de 3 mil anos atrás está certíssima.
Enquanto ficarmos esperando que algo mude lá fora, socialmente, políticamente, ou mesmo que a natureza se ajuste por um passe de mágica, nada mudará.
22. ¿Qué piensas de la poesía concreta? ¿Sabes algo de ella?
Gosto muito da poesia concreta. Ela é importantíssima para o Brasil, para os brasileiros e para o mundo. Talvez, seja nossa única criação de vanguarda estética, com uma fundamentação teórica e prática admirável. Ela tem consistência do início ao fim. A poesia concreta inovou em vários aspectos: depois de trazer para o primeiro plano o verbal e o visual, inovou no campo semântico, sintético, no léxico, no campo fonético, morfológico e no campo topográfico (o uso construtivo dos espaços brancos da página, a abolição do verso e a não-linearidade).
Agora, ela foi uma experiência estética inovadora e incubadora e não podemos fazer dela (nós, leitores ou autores) uma camisa de força. Precisamos seguir adiante, incorporando o que ela tem de melhor, aprendendo e descartando o que já não nos serve mais, ou o que virou instituição. A poesia tem que renascer sempre.
23. ¿Por qué tienes un site de literatura y un blog? ¿Tienes alguna finalidad en especial?
O site Cronópios é um projeto que visa mapear e dar espaço para a literatura contemporânea feita no Brasil, em um momento de efervescência criativa não assimilada pelas editoras e que a Internet veio desengavetar. É uma experiência muito rica. Para mim valeu como duas universidades de letras. Abri minha cabeça e expandi meu conhecimento da produção literária brasileira de uma maneira exponencial, além de estar fazendo muitos amigos e interlocutores.
O Blog é algo pessoal. Para exercitar a escrita, mostrar e sentir como se dá a recepção do que escrevo. Para me forçar a escrever. Estou gostando muito da experiência. Meu próximo livro foi construído basicamente a partir da escrita no blog.
[Entrevista para Carina Loyarte, Estudiante de Profesorado de Lengua y Literatura en el Centro Regional de Profesores del Este, en la ciudad de Maldonado, Uruguay, que faz monografia sobre meu livro Sortilégio. E-mail: carinaloyarte@hotmail.com]
25 setembro 2008
saudade de nada
de nada resta uma saudade
tempo sedimentado em gotas
idade turva de dias vividos
me acostumo com os fatos
desfile de horrores entrevisto
a certeza de que certos atos
existem fora de meu alcance
a beleza da vida vista
em relance não me tira
a ciência do nada
dificilmente verei um primitivo
homem nu a comer carne crua
no seio de uma selva desconhecida
não aprenderei mandarim
nem lerei os Vedas no original
não sei quase nada sobre o sim
meus pecados nada têm de natural
nenhuma saudade resta
de nada apenas a mesma dor
a mesma convicção de que não
há o que me impeça
de seguir adiante sem olhar
para trás
18 setembro 2008
O que pode me fazer feliz em Washington D.C.?
No dia em que eu fiz 40 anos, 12 de janeiro de 2008, você sabe, acordei meio baleada. Eram seis e cinquenta e um da matina. Minha tia me disse um dia que eu havia nascido em torno das cinco e meia. Mas isso, além de ter determinado meu ascendente, sagitário, já não importava mais. Sim, dizem que depois dos quarenta é o ascendente que toma conta de seus auspícios astrológicos. Então, quer dizer que consegui me livrar da influência do teimoso e determinado capricórnio? Mas isso, também não importava mais.
O que importa é que eu não consegui dar certo em quase nada, mãe. Quase. Parece pouco, mas pode ser muito. Depende do ponto de vista, claro. Tudo é uma questão de ponto de vista. Deve ter alguma coisa a ver com a teoria da relatividade. Maldito Einstein. Sempre ele. Não segui adiante em meus estudos por conta dele e de sua física incompreensível. Mas a prolixidade ainda me mata, mãe, pois não era isso que eu queria estar escrevendo agora. Queria dizer é que ninguém tem mais ouvidos e olhos para a Arte. Aliás, parece que quanto mais Arte menos olhos e ouvidos. Isso, também, não é nenhuma novidade, você sabe.
A única coisa que consegui, e esse é o quase que pode ser tudo, é estar um pouco mais atenta às minúsculas coisas da vida. Isso você me ensinou como ninguém. Bem, nem tão minúsculas assim. Afinal, não é todo dia que se pode tropeçar com um Stradivarius numa estação de Metrô. E ainda mais ouvi-lo? Dizem que há pouquíssimos no mundo. E são muito caros. Lembro daquela foto de Einstein tocando violino. Será que era um Stradivarius? Einsten, sempre ele. E quantos Paganinis ainda jovens você poderia encontrar pela frente neste mundão cheio de fronteiras e de catracas do Metrô?
Você, que nunca teve estudo nenhum, sempre se emocionou com um violino bem tocado. Queria que você estivesse aqui. O tempo parou. Tudo em volta ficou silencioso. Eu fiquei petrificada. Sei que você choraria. Eu não consigo mais, mas foi por pouco. Valeu a pena ter saído daí, mãe, e ter penado esses anos todos em Washington D.C. Afinal, pra alguma coisa deve servir estar no centro do poder. Mesmo que seja limpando os banheiros. Você mesmo me disse: “Se você não pode ser o poder, pelo menos esteja no centro dele”. Segui seu sábio conselho à risca. E foi arriscado. Mas, mãe, nestas duas últimas semanas meu futuro se iluminou. Conheci a Biblioteca do Congresso. E por um lapso da sorte, consegui entrar sem pagar numa apresentação de música clássica. Foi fantástico. Havia um jovem se apresentando ao violino. Divino. Era como sinos angelicais soando em meus ouvidos. Joshua era o nome dele. Belo nome para um netinho, né?
Mas, mãe, o que aconteceu é que meu presente de aniversário não poderia ser melhor. Não se preocupe. Eu que devo e vou presenteá-la. Mas hoje foi o meu dia. Estava um pouco atrasada. Às oito e meia deveria estar chegando no batente. Não deu. Atrasei-me um pouquinho, mas valeu a bronca. Pois não é que aquele anjo estava lá na estação. Sim, de boné, querendo disfarçar. Mas eu fui atraída por ele. Primeiro pela sua música. Depois pelo Stradivarius. Depois pelos seus olhos. Sim, mãe. Acho que seu netinho vai se chamar Joshua. E o sobrenome dele será Bell.
Por favor, não chore!
[Numa iniciativa do jornal Washington Post, o violinista Joshua Bell, com o seu Stradivarius de 1713 avaliado em 3,5 milhões de dólares, tocou durante 45 minutos na estação L`Enfant Plaza no centro de Washington entre as 07.15 e as 08:00. A apresentação não despertou a atenção de quase ninguém, com exceção dela que parou petrificada...]
12 setembro 2008
Nam-myoho-rengue-kyo
Meus caros, escutem a maravilhosa música acima. Parece que a moça, Olívia Newton-John (sim, aquela dos tempos da brilhantina), gravou-a depois de se recuperar de um câncer maligno. Ela recita, no que parece ser um refrão, o mantra que recito há 15 anos. Realmente é um mantra magnífico e regenerador em todos os sentidos. Recomendo-o. Se quiser saber mais sobre ele é só clicar aqui.
E mais não digo, embora seja a voz que executa o trabalho do Buda.
No labirinto com o Minotauro
Confira um bate-papo comigo e o simpático Marcelo Maluf em seu blog, http://www.labirintosnosotao.com/
19 agosto 2008
08 agosto 2008
Web Literária
12 terça 19h
As zonas de exclusão do mercado literário e o papel da internet
Heloísa Buarque de Hollanda * Fabrício Carpinejar * Carlos Emílio C. Lima * Vicente Franz Cecim * Raimundo Carrero
Moderador: Edson Cruz - portal cronópios
Leitura de textos inéditos com os escritores
13 quarta 19h
Publicação e distribuição da literatura em tempos digitais
Clarah Averbuck * Ana Paula Maia * Cardoso (André Czarnobai) * Artur Rogério * Lima Trindade
Moderador: Fabrício Carpinejar
leitura de textos e discotecagem com DJ Malásia
14 quinta 19h
Interfaces da literatura na web
André Vallias * Pipol * Mardônio França * Fábio Oliveira Nunes
Moderador: Lúcio Agra
apresentação de André Vallias com vídeo-poemas intermeado com traduções de obras de Hölderlin, Khlèbnikov, Gottfried Benn, Mandelstam, Trakl, entre outros / Performance apresentada por Lúcio Agra.
15 sexta 19h
Apreciação/crítica dos conteúdos de literatura veiculados na internet
Ivan Marques * Paulo Franchetti * Márcio-André * Linaldo Guedes * Floriano Martins *
Moderador: Leda Tenório da Motta
Márcio-André apresenta uma roldana de palavras-poesia-máquina de desautomatizar munido de vozes, violino e outros objetos sonoros.
16 sábado 15h
Sarau Cartográfico
Participação de autores, blogueiros, editores de sites de literatura, poetas, performers, dj e convidados do evento. Leituras de textos e apresentações de performances literárias.
Você poderá acompanhar on-line todas as mesas do Cartografia Web Literária. Elas serão transmitidas Ao Vivo pela TV Cronópios que faz parte do Portal Cronópios.
Além disso o Cronópios disponibilizará na ocasião um CHAT onde você poderá enviar suas perguntas para o mediador de cada mesa do Cartografia em tempo real.
Acesse www.cronopios.com.br e acompanhe a programação.
Local: Sesc Consolação
17 julho 2008
16 julho 2008
préstito negro
o carnaval acabou
mas o desfile continua
em todo caso a morte
sempre chega mesmo
mansa e nua em macios
passos de porta-bandeira
a equilibrar o mastro
em suas ancas de ossos
carcomidos pelos olhos
vorazes da avenida
corsos ensandecidos
mas o desfile continua
em todo caso a morte
sempre chega mesmo
mansa e nua em macios
passos de porta-bandeira
a equilibrar o mastro
em suas ancas de ossos
carcomidos pelos olhos
vorazes da avenida
corsos ensandecidos
09 julho 2008
No ponto
Esse poema foi trabalhado em Flash pelo craque Pipol. Como não sei colocar isso no blog, passo o link da Folha onde ele primeiramente apareceu. Lá você poderá conferir, também, trabalhos do Pipol, do André Vallias, do Augusto de Campos, do Ferreira Gullar, entre outros.
Clique aqui: E-Poemas
05 julho 2008
04 julho 2008
Comportamento do Autor
Estive navegando por alguns sites de editoras e encontrei estas dicas e comentários primorosos no site da Editora Novo Século. Recebo muitos e-mails pedindo dicas e contatos com editoras para uma possível publicação (como se eu mesmo não precisasse delas, no caso de querer editar em papel...). As dicas são mais pertinentes se você já tiver sido abraçado por uma editora. Mas no caso de ainda não, o bom-senso talvez seja mais importante ainda... ou não?
"O livro é um produto que carrega consigo um rótulo de prestígio, de elite e de trabalho de toda uma vida. Essa é uma visão distorcida. Apesar de os medos serem absolutamente normais como parte do processo de publicação de um livro, é bom lembrar que os profissionais de uma editora são da área da cultura, e não psicólogos. Desse modo, ter ataques de ansiedade, telefonemas diários ao editorial ou à produção, reclamações insistentes sobre atrasos e uma presença constante na editora sem que você tenha sido chamado, em vez de ajudar acaba atrapalhando a produção de seu livro, tendo em vista que você deixará os funcionários encarregados pela produção de seu livro muito irritados e de mau-humor, podendo isso até interferir no resultado final do trabalho. Tenha sempre muito bom senso e equilíbrio nestas horas, para que o trabalho possa ser produtivo para ambos os lados: autor e editora. Os dois têm interesse em um único objetivo: que o livro seja um sucesso e atinja ótimas vendas. Outro ponto importante é o fato de o autor confundir um editor com um empresário ou agente, e isso não é correto. O editor é o responsável por analisar a viabilidade de publicação de um livro e, depois de este ter sido aprovado, formalizar o contrato, dando andamento ao processo de produção. Para isso, ele tem pessoas que trabalham com ele, auxiliando-o, cada uma em seu respectivo setor, neste processo de produção. Desse modo, o autor deve se dirigir sempre ao funcionário responsável por cada departamento em que sua obra estiver passando, e não exigir que o editor o atenda, pois ele não tem disponibilidade para isso. Já o empresário ou o agente, estes sim têm a função de cuidar de uma outra parte, até em nível pessoal, no que diz respeito ao autor ou sua obra. Cabem a eles ajudar o autor a decidir sobre questões do tipo: faça isso, não faça aquilo; vá por este caminho, não por aquele; vamos mudar de estratégia, pois esta não está funcionando; haja desta forma, não daquela; coisas assim. Eles são um tipo de conselheiro pessoal/comercial do autor. Portanto, não adianta o autor querer atribuir o papel de "conselheiro" ao editor, pois sua função é exatamente outra. Outro lembrete: uma editora não é uma empresa em que o autor pode entrar e sair quando bem lhe convier. Jamais vá até a editora sem ter marcado um horário, pois isso pode atrapalhar toda a rotina dos funcionários, que procuram planejar minuciosamente seu dia-a-dia. E mesmo marcando um horário, não é de bom tom "alugar" o funcionário. Tenha bom senso e converse sobre tudo o que necessitar, no menor espaço de tempo possível. Isso vale também para horários agendados com o editor."
"O livro é um produto que carrega consigo um rótulo de prestígio, de elite e de trabalho de toda uma vida. Essa é uma visão distorcida. Apesar de os medos serem absolutamente normais como parte do processo de publicação de um livro, é bom lembrar que os profissionais de uma editora são da área da cultura, e não psicólogos. Desse modo, ter ataques de ansiedade, telefonemas diários ao editorial ou à produção, reclamações insistentes sobre atrasos e uma presença constante na editora sem que você tenha sido chamado, em vez de ajudar acaba atrapalhando a produção de seu livro, tendo em vista que você deixará os funcionários encarregados pela produção de seu livro muito irritados e de mau-humor, podendo isso até interferir no resultado final do trabalho. Tenha sempre muito bom senso e equilíbrio nestas horas, para que o trabalho possa ser produtivo para ambos os lados: autor e editora. Os dois têm interesse em um único objetivo: que o livro seja um sucesso e atinja ótimas vendas. Outro ponto importante é o fato de o autor confundir um editor com um empresário ou agente, e isso não é correto. O editor é o responsável por analisar a viabilidade de publicação de um livro e, depois de este ter sido aprovado, formalizar o contrato, dando andamento ao processo de produção. Para isso, ele tem pessoas que trabalham com ele, auxiliando-o, cada uma em seu respectivo setor, neste processo de produção. Desse modo, o autor deve se dirigir sempre ao funcionário responsável por cada departamento em que sua obra estiver passando, e não exigir que o editor o atenda, pois ele não tem disponibilidade para isso. Já o empresário ou o agente, estes sim têm a função de cuidar de uma outra parte, até em nível pessoal, no que diz respeito ao autor ou sua obra. Cabem a eles ajudar o autor a decidir sobre questões do tipo: faça isso, não faça aquilo; vá por este caminho, não por aquele; vamos mudar de estratégia, pois esta não está funcionando; haja desta forma, não daquela; coisas assim. Eles são um tipo de conselheiro pessoal/comercial do autor. Portanto, não adianta o autor querer atribuir o papel de "conselheiro" ao editor, pois sua função é exatamente outra. Outro lembrete: uma editora não é uma empresa em que o autor pode entrar e sair quando bem lhe convier. Jamais vá até a editora sem ter marcado um horário, pois isso pode atrapalhar toda a rotina dos funcionários, que procuram planejar minuciosamente seu dia-a-dia. E mesmo marcando um horário, não é de bom tom "alugar" o funcionário. Tenha bom senso e converse sobre tudo o que necessitar, no menor espaço de tempo possível. Isso vale também para horários agendados com o editor."
22 junho 2008
cortes
há um rio que nos separa
dos outros
rio
lethos de esquecimento
encalhes
duplos
o mundo é outro
segundo a dualidade
do ser
a margem que nos divide
é a pele
que nos irmana
quem vislumbra o tu
é nutriente
da relação
aquele que comunga
o isso não é
está
só
21 junho 2008
07 junho 2008
26 maio 2008
A cegueira em época de supervisualização
Ensaio sobre a cegueira foi o livro que mais me impactou nos últimos 12 anos e passei a respeitar com carinho o escritor português Jose Saramago.
Esse momento tão particular e tão emocionante (que invasivamente vemos acima), impossível de ser compartilhado em tempos pré-web, pré-YouTube, pré-visualização de coisas tão íntimas como essa, pré-big-brothers, me levou às lágrimas...
Aguardo o filme com ansiedade.
19 maio 2008
Mormaço na Floresta
Finalmente conheci o Amazonas. Naveguei pelo rio Solimões. Vi o abraço de suas águas claras com as negras do rio Negro. Entrei no Teatro Amazonas. Assisti a um ensaio de ópera. Encarei uma onça arredia nos olhos. Hospedei-me no mítico Hotel Tropical. Conheci o Centro de Estudos e Pesquisas Ecológicas da Amazônia - CEPEAM, um projeto do mestre Daisaku Ikeda. Vi pela primeira vez uma Ambulancha.
Fiz muitos amigos. Abracei muitos companheiros de ideal. Fortaleci minha unicidade de mestre e discípulo. Senti um pouco da grandeza do povo amazonense e dos desafios dos manauaras. Sobrevoei a extensa floresta. Comi tambaqui frito. Fiquei sabendo a história do candiru (peixinho que devasta a uretra do mijões em alguns rios).
Tudo isso só foi possível graças ao Grupo Alvorada da BSGI. Três vivas ao Grupo. Três vivas ao mestre.
E se tudo isso não bastasse, ainda apertei a mão, conversei, fui beijado e abraçado pelo poeta Thiago de Mello. Ganhei um afago do poeta depois de lhe dedicar um poema. "Você tem talento, menino. Gostei muito. Gostei da sonoridade. Escreva mais com versos em rima. Redondilhas.
O poema é este:
Coração Amazônico
para Thiago de Mello
na lentidão do rio Solimões
curtindo na pele
o mormaço de sua querida floresta
senti a imensidão
de seu coração
a grandeza sem fim
deste rico manancial de vida
no planeta
tudo ficou tão pequeno
tão ínfimo dentro de mim
igarapés de coisas desnecessárias
trastes de civilização
tudo o mais era silêncio
só o ronco do barco desafiava
a quietude
deslizando imponente
entre os igapós
ouvi seu grito
a ecoar na voz do filho amado
“não mate a mata”
a mata não mata
deixem a vida
vicejar em ritmo natural
deixem o rio
quietar em minha Barreirinha
para que possa desaguar
límpido em minhas mãos.
[Manaus, 17 de maio, XI Encontro do Grupo Alvorada da BSGI]
para Thiago de Mello
na lentidão do rio Solimões
curtindo na pele
o mormaço de sua querida floresta
senti a imensidão
de seu coração
a grandeza sem fim
deste rico manancial de vida
no planeta
tudo ficou tão pequeno
tão ínfimo dentro de mim
igarapés de coisas desnecessárias
trastes de civilização
tudo o mais era silêncio
só o ronco do barco desafiava
a quietude
deslizando imponente
entre os igapós
ouvi seu grito
a ecoar na voz do filho amado
“não mate a mata”
a mata não mata
deixem a vida
vicejar em ritmo natural
deixem o rio
quietar em minha Barreirinha
para que possa desaguar
límpido em minhas mãos.
[Manaus, 17 de maio, XI Encontro do Grupo Alvorada da BSGI]
11 maio 2008
A origem do Dia das Mães
A mais antiga comemoração dos dias das mães vem da Grécia antiga, quando a entrada da primavera era festejada em honra de Rhea, a Mãe dos Deuses.
Depois de muito tempo, no início do século XVII, a Inglaterra começou a dedicar o quarto domingo da Quaresma às mães das operárias inglesas. Nesse dia, as trabalhadoras tinham folga para ficar em casa com as mães. Era chamado de "Mothering Day", fato que deu origem ao "mothering cake", um bolo para as mães que tornaria o dia ainda mais festivo.
Mas foi uma americana, Ana Jarvis, no Estado da Virgínia Ocidental, que iniciou a campanha para instituir o Dia das Mães. Em 1905, Ana, filha de pastores, perdeu sua mãe e entrou em grande depressão. Preocupadas com aquele sofrimento, algumas amigas tiveram a idéia de perpetuar a memória de sua mãe com uma festa. Ana quis que a festa fosse estendida a todas as mães, vivas ou mortas, com um dia em que todas as crianças se lembrassem e homenageassem suas mães. A idéia era fortalecer os laços familiares e o respeito pelos pais.
Durante três anos seguidos, Anna lutou para que fosse criado o Dia das Mães. A primeira celebração oficial aconteceu somente em 26 de abril de 1910, quando o governador de Virgínia Ocidental, William E. Glasscock, incorporou o Dia das Mães ao calendário de datas comemorativas daquele estado. Rapidamente, outros estados norte-americanos aderiram à comemoração.
Finalmente, em 1914, o então presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson (1913-1921), unificou a celebração em todos os estados, estabelecendo que o Dia Nacional das Mães deveria ser comemorado sempre no segundo domingo de maio. A sugestão foi da própria Anna Jarvis. Em breve tempo, mais de 40 países adotaram a data.
"O amor de uma mãe é diariamente novo", afirmou certa vez. Anna morreu em 1948, aos 84 anos.
O primeiro Dia das Mães brasileiro foi promovido pela Associação Cristã de Moços de Porto Alegre, no dia 12 de maio de 1918. Em 1932, o então presidente Getúlio Vargas oficializou a data no segundo domingo de maio. Em 1947, Dom Jaime de Barros Câmara, Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, determinou que essa data fizesse parte também no calendário oficial da Igreja Católica.
Desde então, mesmo contra a vontade de Anna, que chegou a entrar com um processo em 1923 para cancelar o Dia das Mães, sem sucesso, muita coisa aconteceu e entre as filas nos Shoppings, o trânsito infernal, as lojas lotadas, e essa homenagem se transformou em algo diferente.
E isso pode ser muito simbólico. Sendo a mãe o núcleo da família, o equilíbrio do lar, essa “nova” situação desencaminhou a luta de Anna. O reconhecimento da importância das mães no dia-a-dia foi subestimado.
Os tempos modernos (ai que saudades da aurora da minha vida...) conseguiram, através do incremento do comércio, de promoções tipo compre 1 e leve 2, distorcer o grande feito de Anna Jarvis.
Será que aí não pode estar uma das razões para os atos de violência, da desestruturação familiar que nós temos observado, ainda estarrecidos, nos dias de hoje?
Vocês sabem o que foi escolhido por Anna Jarvis como presente, simbolizando a pureza, a fidelidade, o amor, a caridade e beleza para uma mãe?
Um simples cravo branco.
Dr. Yechiel Moises Chencinski – médico pediatra e homeopata
http://www.doutormoises.com.br/
P.S.: Anna Jarvis morreu em 1948, aos 84 anos, sem ter sido mãe.
Depois de muito tempo, no início do século XVII, a Inglaterra começou a dedicar o quarto domingo da Quaresma às mães das operárias inglesas. Nesse dia, as trabalhadoras tinham folga para ficar em casa com as mães. Era chamado de "Mothering Day", fato que deu origem ao "mothering cake", um bolo para as mães que tornaria o dia ainda mais festivo.
Mas foi uma americana, Ana Jarvis, no Estado da Virgínia Ocidental, que iniciou a campanha para instituir o Dia das Mães. Em 1905, Ana, filha de pastores, perdeu sua mãe e entrou em grande depressão. Preocupadas com aquele sofrimento, algumas amigas tiveram a idéia de perpetuar a memória de sua mãe com uma festa. Ana quis que a festa fosse estendida a todas as mães, vivas ou mortas, com um dia em que todas as crianças se lembrassem e homenageassem suas mães. A idéia era fortalecer os laços familiares e o respeito pelos pais.
Durante três anos seguidos, Anna lutou para que fosse criado o Dia das Mães. A primeira celebração oficial aconteceu somente em 26 de abril de 1910, quando o governador de Virgínia Ocidental, William E. Glasscock, incorporou o Dia das Mães ao calendário de datas comemorativas daquele estado. Rapidamente, outros estados norte-americanos aderiram à comemoração.
Finalmente, em 1914, o então presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson (1913-1921), unificou a celebração em todos os estados, estabelecendo que o Dia Nacional das Mães deveria ser comemorado sempre no segundo domingo de maio. A sugestão foi da própria Anna Jarvis. Em breve tempo, mais de 40 países adotaram a data.
"O amor de uma mãe é diariamente novo", afirmou certa vez. Anna morreu em 1948, aos 84 anos.
O primeiro Dia das Mães brasileiro foi promovido pela Associação Cristã de Moços de Porto Alegre, no dia 12 de maio de 1918. Em 1932, o então presidente Getúlio Vargas oficializou a data no segundo domingo de maio. Em 1947, Dom Jaime de Barros Câmara, Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, determinou que essa data fizesse parte também no calendário oficial da Igreja Católica.
Desde então, mesmo contra a vontade de Anna, que chegou a entrar com um processo em 1923 para cancelar o Dia das Mães, sem sucesso, muita coisa aconteceu e entre as filas nos Shoppings, o trânsito infernal, as lojas lotadas, e essa homenagem se transformou em algo diferente.
E isso pode ser muito simbólico. Sendo a mãe o núcleo da família, o equilíbrio do lar, essa “nova” situação desencaminhou a luta de Anna. O reconhecimento da importância das mães no dia-a-dia foi subestimado.
Os tempos modernos (ai que saudades da aurora da minha vida...) conseguiram, através do incremento do comércio, de promoções tipo compre 1 e leve 2, distorcer o grande feito de Anna Jarvis.
Será que aí não pode estar uma das razões para os atos de violência, da desestruturação familiar que nós temos observado, ainda estarrecidos, nos dias de hoje?
Vocês sabem o que foi escolhido por Anna Jarvis como presente, simbolizando a pureza, a fidelidade, o amor, a caridade e beleza para uma mãe?
Um simples cravo branco.
Dr. Yechiel Moises Chencinski – médico pediatra e homeopata
http://www.doutormoises.com.br/
P.S.: Anna Jarvis morreu em 1948, aos 84 anos, sem ter sido mãe.
01 maio 2008
Fonction França
Na terça-feira estivemos na livraria Martins Fontes entrevistando e depois dialogando, sobre literatura na internet, com a simpaticíssima escritora e editora francesa Laure Limongi, Claudio Willer, Solange Rebuzzi, Sonia Goldfeder (a incansável Assessora de Imprensa da melhor livraria da cidade de São Paulo) e convidados.
Foi uma noite mais do que agradável. Muito interessante conhecer o trabalho de Laure em vários aspectos. Desde seus escritos, suas idéias e sua relação com os novos escritores franceses. A editora em que ela trabalha, Éditions Léo Scheer, e onde organiza a Coleção Laureli, é das mais interessantes. Seu site é dinâmico e dá um banho nos sites de editoras brasileiras, que parecem muito ingênuos e preguiçosos em relação aos recursos e criatividade que a internet possibilita. Vejam com os próprios olhos.
Ela deu dicas de sites e blogs bacanérrimos da nova cena literária francesa. Confiram os comentários da senhorita Limongi, sobre a passagem por São Paulo, em seu blog, http://www.rougelarsenrose.blogspot.com/ , e no final desse texto os links que ela citou na noite.
A entrevista que fizemos, com a participação da poeta carioca Solange Rebuzzi e a tradução simultânea da Sonia Goldfeder foi muito bacana. Logo que o Pipol conseguir editar entrará na TV Cronópios.
No final do bate-papo ela fez leitura de alguns textos seus que depois foram traduzidos (anteriormente) e lidos em português pela poeta Solange Rebuzzi. Vamos publicá-los, oportunamente, no Cronópios. Solange leu, também, um poema de sua autoria dedicada a Laure Limongi, que havia conhecido na semana anterior em evento no Rio de Janeiro.
O poeta Claudio Willer tinha esquecido os óculos e preferiu não ler nada, depois de comentar e falar sobre a Revista Agulha, site que co-edita com o poeta Floriano Martins.
Dois dos poemas que li, em tradução generosa de Sonia Goldfeder, foram o “Eu”, e o “Palimpsesto” que ficaram assim:
Moi
un être
etonné comme um dieu
abasourdi
sur mon visage
des goûtes de la mer
morte
Palimpseste
toute poèsie déjá
écrite
n’equivaut
a aucune poesie
inscrite
la poesie crève
Links indicados por Laure Limongi:
http://towardgrace.blogspot.com/
www.tierslivre.net/spip
www.publie.net/
www.jcbourdaily.net/
http://correcteurs.blog.lemonde.fr/
http://www.desordre.net/
http://www.t-pas-net.com/libr-critique/
http://www.berlol.net/dotclear/
Foi uma noite mais do que agradável. Muito interessante conhecer o trabalho de Laure em vários aspectos. Desde seus escritos, suas idéias e sua relação com os novos escritores franceses. A editora em que ela trabalha, Éditions Léo Scheer, e onde organiza a Coleção Laureli, é das mais interessantes. Seu site é dinâmico e dá um banho nos sites de editoras brasileiras, que parecem muito ingênuos e preguiçosos em relação aos recursos e criatividade que a internet possibilita. Vejam com os próprios olhos.
Ela deu dicas de sites e blogs bacanérrimos da nova cena literária francesa. Confiram os comentários da senhorita Limongi, sobre a passagem por São Paulo, em seu blog, http://www.rougelarsenrose.blogspot.com/ , e no final desse texto os links que ela citou na noite.
A entrevista que fizemos, com a participação da poeta carioca Solange Rebuzzi e a tradução simultânea da Sonia Goldfeder foi muito bacana. Logo que o Pipol conseguir editar entrará na TV Cronópios.
No final do bate-papo ela fez leitura de alguns textos seus que depois foram traduzidos (anteriormente) e lidos em português pela poeta Solange Rebuzzi. Vamos publicá-los, oportunamente, no Cronópios. Solange leu, também, um poema de sua autoria dedicada a Laure Limongi, que havia conhecido na semana anterior em evento no Rio de Janeiro.
O poeta Claudio Willer tinha esquecido os óculos e preferiu não ler nada, depois de comentar e falar sobre a Revista Agulha, site que co-edita com o poeta Floriano Martins.
Dois dos poemas que li, em tradução generosa de Sonia Goldfeder, foram o “Eu”, e o “Palimpsesto” que ficaram assim:
Moi
un être
etonné comme um dieu
abasourdi
sur mon visage
des goûtes de la mer
morte
Palimpseste
toute poèsie déjá
écrite
n’equivaut
a aucune poesie
inscrite
la poesie crève
Links indicados por Laure Limongi:
http://towardgrace.blogspot.com/
www.tierslivre.net/spip
www.publie.net/
www.jcbourdaily.net/
http://correcteurs.blog.lemonde.fr/
http://www.desordre.net/
http://www.t-pas-net.com/libr-critique/
http://www.berlol.net/dotclear/
20 abril 2008
O jogo da vida
não adianta, tempo
tu não gozarás de minha velhice
tuas construções erigidas sobre nossas cabeças
não me surpreendem, não estranham
apenas revelam o quanto tu és antigo
o quanto é breve a parte que me cabe
não me importo com o passado
a mim, interessa o presente
matriz de tudo que há de vir
desafio-te como um dia o fez o bardo
pois tuas lendas, livros e tudo o que vemos
são aparência e revelam o quão imperfeito és
serei lento, único e delicado artesão
tecerei uma obra que te anulará com um sopro
algo de mim continuará e permanecerá
zombando de ti e de tua afiada foice
[frame de "O Sétimo Selo", de Ingmar Bergman]
06 abril 2008
Allen Ginsberg & Paul McCartney
[The Ballad Of The Skeletons, Live at the Royal Albert Hall, October 16, 1995. Site: http://www.allenginsberg.org/]
18 março 2008
saliva
hoje eu não vou falar
sobre aquilo tudo que
não sei e faço de conta
não vou nomear o que
não carece fazer aquela
pergunta desnecessária
constelação de saliva
em boca úmida
hoje vou ficar aqui
só eu e meu teclado
sobre aquilo tudo que
não sei e faço de conta
não vou nomear o que
não carece fazer aquela
pergunta desnecessária
constelação de saliva
em boca úmida
hoje vou ficar aqui
só eu e meu teclado
amarelado meu monitor
Flatron a piscar
o documento Word
o documento Word
a esperar
palavras palavras palavras
mundos não mudos
habitados por
ninguém.
palavras palavras palavras
mundos não mudos
habitados por
ninguém.
16 março 2008
encaixes [emboîtement]
02 março 2008
22 fevereiro 2008
aurora
neste instante onde
meu ser se compraz
ouve-se o marulho
ouve-se o marulho
do tempo a tecer fios
do carma em névoa
sutis emaranhados
de causas e efeitos
sua voz suave a
sua voz suave a
sibilar no ouvido
dos seres a sussurrar
que no espaço infindo
desta hora
de hoje
de hoje
do amanhã
ou de outrora
há algo que quer
pode
deve
triunfar
ou de outrora
há algo que quer
pode
deve
triunfar
17 fevereiro 2008
A casa do ser
sou a inescapável casa que habito
a fonte que busco iluminada
o paraíso eterno e impalpável
o eco que retorna após o grito
sou o lugar que tanto almejo
o instante que entoa o infinito
o estar na ação que se conclui
o bem que neste mundo entrevejo
sou aquele que é já se fazendo
partícula por quem o todo se apaixona
a vida que permeia o ambiente
sombra que acompanha o movimento
um bom lugar será que sou,
ou só preencho a casca que me restou?
13 fevereiro 2008
Coisas que aprendi com Koellreutter
Já contei em minha coluna no Cronópios como me enfiei numa sala de aula do flautista e professor alemão (ou será que era suíço?) - que morou até o fim de seus dias no Brasil ensinando e influenciando dezenas de músicos, compositores, maestros e professores – Hans-Joachim Koellreutter.
Era um velhinho muito inspirador, e insistia o tempo todo que precisávamos questionar a tudo e a todos: principalmente aos professores.
Ele dizia que a função do artista é transmitir, informar, através de sua arte, as grandes idéias do momento em que vive. E as grandes idéias, os pilares da cultura do nosso querido século 20 (aliás, as aulas anotadas aconteceram no século passado… he he), foram: o conceito de tempo; a superação do dualismo e a superação da causalidade.
Tempo, para ele, era a questão central. É fácil de entender o porquê, pois trata-se de um músico e na música esse é o xis da questão. Se o conceito de tempo muda, tudo mudará na música. E sabemos (ou pensamos que sabemos, mas não colocamos em nosso dia-a-dia) que depois de Einstein e de Niels Bohr a noção de tempo como um fluxo constante do passado infinito até o futuro infinito não existe mais.
O tempo deixa de ser um fator puramente físico para ser uma forma de percepção, ou seja, o tempo não pode ser critério de avaliação porque ele muda de pessoa para pessoa. Os fenômenos do tempo como os da cor dependem da percepção. Esse redimensionamento do conceito de tempo, para ele, é o tema da música da segunda metade do século 20.
A música reproduz a visão do novo mundo. E nesse novo mundo, com essa nova percepção de tempo, tudo é movimento. No universo não há referenciais fixos, portanto, não se pode querer uma percepção rigorosamente objetiva.
Por outro lado, fomos educados dualisticamente e a música composta na segunda metade do século 20 procura superar esses dualismos. O dualismo é consequência do dualismo que fazemos entre tempo e espaço. Na realidade não existe essa divisão e sim um continuum.
Na música tradicional, ou seja, em 99,999% do que ouvimos supõe-se a existência de consonância versus dissonância; tempo forte versus tempo fraco; modo maior versus modo menor. A nova música transcende esses dualismos. Os contrários são complementares.
Para Koellreutter, a superação dos contrários talvez seja um dos problemas mais urgentes para se construir uma cultura mais humanista. É difícil para nós, mas ainda chegará o momentuum onde não sentiremos mais diferença entre a vida e a morte, a melodia e o acorde, a tônica e a dominante, o bem e o mal, a transcendência e a imanência. Teremos uma forma de pensar e de agir que relacionará os contrários, na formação de um todo.
Na arte, a estética relativista será a base da criação e da fruição artística.
A estética relativista já é a base da composição musical contemporânea. Ela não considera, em princípio, alturas e intervalos absolutos, mas graduações e tendências. Não trata mais de acordes e sim de graus de densidade. Não trata de ritmos e andamentos determinados, mas de graus de velocidade. De mudanças de andamento, de tendências, enfim.
Mas o fato é que nossa cabeça e percepção ainda estão, e agem de acordo, em estágios bem anteriores a esses conhecimentos. Ainda pensamos e ouvimos de forma linear, com começo meio e fim. E ficamos incomodados quando nos é feita outra proposta. Inclusive pela arte, pela música. Ou deveria dizer, inclusive pela vida. Nos defendemos como podemos desses desconfortos. Por isso não ouvimos música contemporânea (que aliás já é música do século passado), ou pior, não sabemos como ouví-la. Não aprendemos. Não queremos.
O que Koellreutter revelava é que os cientistas e os artistas deixaram de ser observadores do mundo e passaram a ser co-autores. E nesse processo de co-autoria a preparação dos espíritos e das mentes para a apreensão de um mundo novo (que alias é velhíssimo, sempre esteve aqui, nossa percepção e compreensão é que foram embotadas) é uma função importantíssima da arte e da ciência.
[Exemplos de escuta para assimilar as idéias de Koellreutter: “Pranam”, de Gacinto Scelsi; “Anaklasis”, de Penderecki; “Tschel”, para sax tenor, de Hespor; “Acronon”, de H. J. Koellreutter]
08 fevereiro 2008
Desfile das campeãs
tempo de carnança,
eis então minha ciranda
pra encantar mulher muzamba
o samba é nome angolês
mas, dizem, quem é bamba
canta até em tirolês
chega mais, vem ver a bagunça
vou mostrar a minha dança
rimar morte com criança
tranformar o que é binário
numa síncope sem lambança
valsa em compasso quaternário
é o jeitinho brasileiro
rolar na ginga
sentir o osso do ritmo
tudo no passo do batuque
regado a samboca, cachaça
rechaça de antigos problemas
baião vem lá de baiano
maculelê sei lá do que
o futuro vamos esquecer
começou a quaresma
somos pó, damos dó
e ao pó vamos voltar
eis então minha ciranda
pra encantar mulher muzamba
o samba é nome angolês
mas, dizem, quem é bamba
canta até em tirolês
chega mais, vem ver a bagunça
vou mostrar a minha dança
rimar morte com criança
tranformar o que é binário
numa síncope sem lambança
valsa em compasso quaternário
é o jeitinho brasileiro
rolar na ginga
sentir o osso do ritmo
tudo no passo do batuque
regado a samboca, cachaça
rechaça de antigos problemas
baião vem lá de baiano
maculelê sei lá do que
o futuro vamos esquecer
começou a quaresma
somos pó, damos dó
e ao pó vamos voltar
05 fevereiro 2008
Para não esquecer
“Nada é mais importante do que a consciência, que se mantém alerta e proíbe o homem de se apoderar do que deseja da vida e depois acomodar-se, gordo e satisfeito.”
Essa frase é do cineasta russo, Tarkovski, que conheci e passei a amar graças a meu contato com o professor Ricardo Rizek. Lembro-me da primeira vez que o vi. Era a aula inaugural do curso de composição e regência da FAAM. Eu havia me preparado durante um ano para a prova teórica e prática. A prática foi a mais difícil, pois tive que tocar ao violão uma peça do século XVIII. Fiquei nervoso, toquei mal, mas passei. E o tão esperado e desejado curso que não sabia direito o que seria estava começando. Compositor? Regente? Eu? Sei lá, vamos ver...
Bem, mas a aula inaugural seria sobre musicologia, ou algo assim. Interessei-me. E ele começou a falar. Parecia o mago Merlin mais jovem, mas já grisalho e com o cabelo comprido preso para trás da cabeça. Quando terminou seu discurso inaugural eu tinha certeza que havia entrado naquela confusão musical toda só pra conhecê-lo. Não sabia explicar, mas cheguei junto, me apresentei e falei que queria estudar aquelas coisas com ele.
Ele me olhou meio desconfiado e convidou-me para algumas aulas extras que estava dando aos sábados. Compareci, e logo de cara vi que além de pouca gente, só havia alunos do terceiro, quarto anos, alguns já formados. De lá comecei a freqüentar algumas aulas de sexta-feira à noite nos fundos da casa da sua mãe. Chamava-se de Aulas de Estética. Ia até altas horas. Era um turbilhão de informações. Um misto de conhecimento musical, filosófico, tradições antigas, e sei lá mais o que. Tudo difícil de explicar. O homem tinha um carisma danado. Ficava falando, como que pensando em voz alta, e tragando seus intermináveis cigarros. Eu poderia ficar, e ficava, horas e horas ouvindo-o falar. Para acompanhar melhor aquele fluxo de pensamento lembro-me que passei a levar cigarros de cravo e ficava tragando enquanto ouvia aquelas coisas que para mim soavam como revelações.
Qual a relação da música de Bach com a arquitetura daquelas fantásticas catedrais góticas? Parecia loucura, mas ouvindo-o tudo fazia sentido. Como eu nunca ouvira falar antes daquelas relações? Lei áurea? Cacilda! Era um curso de matemática/filosofia e música avançada. Muito mais do que meus parcos conhecimentos poderiam acompanhar.
Eu que pensava que um acorde básico era o que era: a tônica, a terça e a quinta. Não, não! A tríade significa muito mais do que isso, remete-nos a conhecimentos da Ciência Sagrada, a ensinamentos de uma ordem tradicional que o Rizek destrinchava e atualizava de maneira ímpar, mesmo que ancorado nos estudos de René Guénon e outros mestres que não me lembro agora. Para Rizek a tradição era um resíduo não documentário que permeava a tudo e estava velado por nossa pressa e incapacidade contemporânea de mergulhar ativamente no significado profundo das coisas.
Fiquei tão intelectualmente excitado em conhecê-lo que fiz questão de levar meus amigos mais chegados a conhecê-lo. Eu não poderia compartilhar aquilo sozinho. Alguns riram depois e me diziam: você está louco? Aquilo é um conhecimento iniciático, parece mais uma igreja.
Bem... o que fazer? Continuei a ouvi-lo falar sobre a imaginação criativa ativa. Aquilo me fascinava.
Uma vez perguntaram para ele: você tem certeza que o artista pensou em tudo isso, que você detalhou, quando criou a obra? E ele, sabiamente, respondeu: não importa. O que interessa é que tudo isso está lá.
Bingo!
Era essa a chave. Era o que me atraía. Como exercitar a imaginação criativa no dia a dia? Comecei a perseguir esse conhecimento.
Ele claramente distinguia a imaginação ativa da passiva. Na passiva a sensação vinha até você e os dados do sentido eram recolhidos. Na ativa exigia uma elaboração, uma forja. Você se dirigia até a sensação. Era um misto de razão e sensibilidade.
Para quem estava chegando, e suas aulas abertas constantemente abrigavam alunos novos (havia alunos que o acompanhavam há 12 anos), pensamentos como “as musas modularão os padrões cósmicos guardados pela mnemosine”, ou, “o fígado é o órgão que representa o olho imaginativo, e se relaciona com sagitário” eram herméticas ou nebulosas demais. Para mim tudo fazia sentido. Pelo menos assim eu achava naquelas noites.
É impossível reproduzir o que foram aqueles anos de convívio. Fuçando agora em minhas anotações vejo que tenho um roteiro, ainda não totalmente explorado por mim, de intuições e reflexões que precisam ser confirmadas e avalizadas por meu ser. Aquelas aulas eram explanações, reflexões, como deviam fazer os antigos que iam falando, andando e pensando. Articulando o pensamento ali, remexendo acolá. Um pensamento que buscava a reconciliação entre o sensual e o espiritual.
Ele dizia que era a afirmação dentro de si que poderia corrigir a desafinação que imperava na natureza. E este era o papel do homem: ordenar o caos. E não era tarefa só do músico, não. Era de todos e foi perseguida por muitos antigos. O calendário criado pelo homem era uma tentativa de fazer essa correção. Mecânica, mas uma tentativa. Assim como o Cravo Bem Temperado de Bach foi uma tentativa de ordenar o caos criativo da natureza. Tirar proveito da série harmônica, organizar o que na natureza se repete já modificado.
O homem é um vaso receptor de uma natureza naturante, ou seja, uma natureza que dá natureza. Entendeu? Tudo bem, eu também não.
A última das virtudes divinas é a primeira das virtudes divinas.
Em quantas camadas podemos separar e definir, hierarquicamente, a razão? Qualquer dúvida, consultar o “Timeu” de Platão. Só merece ser chamado de pensamento aquilo que atinge nossos sentidos juntamente com seus contrários. O homem, então, é um mediador. É aquele que medita entre esses contrários. A razão só trabalha a posteriori com os dados dos sentidos. Intuição intelectual é igual a intuição espiritual. Intuição, no sentido de ir para dentro, in-tuir, contemplar o interior. O mesmo que conhecimento direto. A sensibilidade não julga, conhece.
No início era o Logos, a razão universal. Agora, bem, agora é o caos. Por isso precisamos de músicos, ou melhor, por isso precisamos da música.
Qual a função da arte: Através das formas resgatar as pistas de um anjo. Anjo aqui, como um ângulo de Deus.
Mil existências e uma existência carregam a mesma questão. Então vamos resolver essa.
O amor é o ato de existenciar o que sempre ainda não é, no amado. É como ouvir música.
Depois de um tempo tive que me afastar para deglutir tudo o que ouvira e anotara. Entre os alunos de música corria o boato, meio difamatório, de que quem estudava com o Rizek acabava não compondo nada. Só analisando, pensando, divagando. Era uma bobagem, claro. Uma defesa medíocre devido a incapacidade de se aproximar daquele conhecimento primacial.
Não posso deixar de encerrar essas minhas palavras confusas e emocionadas pelas lembranças, sem citar as experiências estéticas que foram assistir as suas análises de filmes. Eram um acontecimento.
Jamais vou esquecer o que senti ao assistir com ele “O Sacrifício” de Tarkovski.
Lembro-me que era um sábado e cheguei no local da análise às 15h. A sessão do filme com a análise acabou às 21h. Saí de lá suando frio, com tremedeira e chegando em casa tive que ir direto pra cama dormir. Dormi 12 horas seguidas. Foi tanta informação, revelação, conhecimento tão vital que eu passara mal. O que era aquilo? Será que era assim que se estudava na Idade Média. O Trívium; o Quadrivium? Não. Não havia cinema, nem videocassete para parar as cenas e mostrar o que ninguém vira antes.
Termino com o poema de Arseni Tarkovski, pai de Andrei Tarkovski, que jamais poderá ser lido por mim sem que a lembrança de Ricardo Rikek aflore. Sim, tem de haver mais.
Agora o verão se foi
E poderia nunca ter vindo.
No sol está quente.
Mas tem de haver mais.
Tudo aconteceu,
Tudo caiu em minhas mãos
Como uma folha de cinco pontas,
Mas tem de haver mais.
A vida me recolheu
À segurança de suas asas,
Minha sorte nunca falhou,
Mas tem de haver mais.
Nem uma folha queimada,
Nem um graveto partido.
Claro como um vidro é o dia,
Mas tem de haver mais.
Essa frase é do cineasta russo, Tarkovski, que conheci e passei a amar graças a meu contato com o professor Ricardo Rizek. Lembro-me da primeira vez que o vi. Era a aula inaugural do curso de composição e regência da FAAM. Eu havia me preparado durante um ano para a prova teórica e prática. A prática foi a mais difícil, pois tive que tocar ao violão uma peça do século XVIII. Fiquei nervoso, toquei mal, mas passei. E o tão esperado e desejado curso que não sabia direito o que seria estava começando. Compositor? Regente? Eu? Sei lá, vamos ver...
Bem, mas a aula inaugural seria sobre musicologia, ou algo assim. Interessei-me. E ele começou a falar. Parecia o mago Merlin mais jovem, mas já grisalho e com o cabelo comprido preso para trás da cabeça. Quando terminou seu discurso inaugural eu tinha certeza que havia entrado naquela confusão musical toda só pra conhecê-lo. Não sabia explicar, mas cheguei junto, me apresentei e falei que queria estudar aquelas coisas com ele.
Ele me olhou meio desconfiado e convidou-me para algumas aulas extras que estava dando aos sábados. Compareci, e logo de cara vi que além de pouca gente, só havia alunos do terceiro, quarto anos, alguns já formados. De lá comecei a freqüentar algumas aulas de sexta-feira à noite nos fundos da casa da sua mãe. Chamava-se de Aulas de Estética. Ia até altas horas. Era um turbilhão de informações. Um misto de conhecimento musical, filosófico, tradições antigas, e sei lá mais o que. Tudo difícil de explicar. O homem tinha um carisma danado. Ficava falando, como que pensando em voz alta, e tragando seus intermináveis cigarros. Eu poderia ficar, e ficava, horas e horas ouvindo-o falar. Para acompanhar melhor aquele fluxo de pensamento lembro-me que passei a levar cigarros de cravo e ficava tragando enquanto ouvia aquelas coisas que para mim soavam como revelações.
Qual a relação da música de Bach com a arquitetura daquelas fantásticas catedrais góticas? Parecia loucura, mas ouvindo-o tudo fazia sentido. Como eu nunca ouvira falar antes daquelas relações? Lei áurea? Cacilda! Era um curso de matemática/filosofia e música avançada. Muito mais do que meus parcos conhecimentos poderiam acompanhar.
Eu que pensava que um acorde básico era o que era: a tônica, a terça e a quinta. Não, não! A tríade significa muito mais do que isso, remete-nos a conhecimentos da Ciência Sagrada, a ensinamentos de uma ordem tradicional que o Rizek destrinchava e atualizava de maneira ímpar, mesmo que ancorado nos estudos de René Guénon e outros mestres que não me lembro agora. Para Rizek a tradição era um resíduo não documentário que permeava a tudo e estava velado por nossa pressa e incapacidade contemporânea de mergulhar ativamente no significado profundo das coisas.
Fiquei tão intelectualmente excitado em conhecê-lo que fiz questão de levar meus amigos mais chegados a conhecê-lo. Eu não poderia compartilhar aquilo sozinho. Alguns riram depois e me diziam: você está louco? Aquilo é um conhecimento iniciático, parece mais uma igreja.
Bem... o que fazer? Continuei a ouvi-lo falar sobre a imaginação criativa ativa. Aquilo me fascinava.
Uma vez perguntaram para ele: você tem certeza que o artista pensou em tudo isso, que você detalhou, quando criou a obra? E ele, sabiamente, respondeu: não importa. O que interessa é que tudo isso está lá.
Bingo!
Era essa a chave. Era o que me atraía. Como exercitar a imaginação criativa no dia a dia? Comecei a perseguir esse conhecimento.
Ele claramente distinguia a imaginação ativa da passiva. Na passiva a sensação vinha até você e os dados do sentido eram recolhidos. Na ativa exigia uma elaboração, uma forja. Você se dirigia até a sensação. Era um misto de razão e sensibilidade.
Para quem estava chegando, e suas aulas abertas constantemente abrigavam alunos novos (havia alunos que o acompanhavam há 12 anos), pensamentos como “as musas modularão os padrões cósmicos guardados pela mnemosine”, ou, “o fígado é o órgão que representa o olho imaginativo, e se relaciona com sagitário” eram herméticas ou nebulosas demais. Para mim tudo fazia sentido. Pelo menos assim eu achava naquelas noites.
É impossível reproduzir o que foram aqueles anos de convívio. Fuçando agora em minhas anotações vejo que tenho um roteiro, ainda não totalmente explorado por mim, de intuições e reflexões que precisam ser confirmadas e avalizadas por meu ser. Aquelas aulas eram explanações, reflexões, como deviam fazer os antigos que iam falando, andando e pensando. Articulando o pensamento ali, remexendo acolá. Um pensamento que buscava a reconciliação entre o sensual e o espiritual.
Ele dizia que era a afirmação dentro de si que poderia corrigir a desafinação que imperava na natureza. E este era o papel do homem: ordenar o caos. E não era tarefa só do músico, não. Era de todos e foi perseguida por muitos antigos. O calendário criado pelo homem era uma tentativa de fazer essa correção. Mecânica, mas uma tentativa. Assim como o Cravo Bem Temperado de Bach foi uma tentativa de ordenar o caos criativo da natureza. Tirar proveito da série harmônica, organizar o que na natureza se repete já modificado.
O homem é um vaso receptor de uma natureza naturante, ou seja, uma natureza que dá natureza. Entendeu? Tudo bem, eu também não.
A última das virtudes divinas é a primeira das virtudes divinas.
Em quantas camadas podemos separar e definir, hierarquicamente, a razão? Qualquer dúvida, consultar o “Timeu” de Platão. Só merece ser chamado de pensamento aquilo que atinge nossos sentidos juntamente com seus contrários. O homem, então, é um mediador. É aquele que medita entre esses contrários. A razão só trabalha a posteriori com os dados dos sentidos. Intuição intelectual é igual a intuição espiritual. Intuição, no sentido de ir para dentro, in-tuir, contemplar o interior. O mesmo que conhecimento direto. A sensibilidade não julga, conhece.
No início era o Logos, a razão universal. Agora, bem, agora é o caos. Por isso precisamos de músicos, ou melhor, por isso precisamos da música.
Qual a função da arte: Através das formas resgatar as pistas de um anjo. Anjo aqui, como um ângulo de Deus.
Mil existências e uma existência carregam a mesma questão. Então vamos resolver essa.
O amor é o ato de existenciar o que sempre ainda não é, no amado. É como ouvir música.
Depois de um tempo tive que me afastar para deglutir tudo o que ouvira e anotara. Entre os alunos de música corria o boato, meio difamatório, de que quem estudava com o Rizek acabava não compondo nada. Só analisando, pensando, divagando. Era uma bobagem, claro. Uma defesa medíocre devido a incapacidade de se aproximar daquele conhecimento primacial.
Não posso deixar de encerrar essas minhas palavras confusas e emocionadas pelas lembranças, sem citar as experiências estéticas que foram assistir as suas análises de filmes. Eram um acontecimento.
Jamais vou esquecer o que senti ao assistir com ele “O Sacrifício” de Tarkovski.
Lembro-me que era um sábado e cheguei no local da análise às 15h. A sessão do filme com a análise acabou às 21h. Saí de lá suando frio, com tremedeira e chegando em casa tive que ir direto pra cama dormir. Dormi 12 horas seguidas. Foi tanta informação, revelação, conhecimento tão vital que eu passara mal. O que era aquilo? Será que era assim que se estudava na Idade Média. O Trívium; o Quadrivium? Não. Não havia cinema, nem videocassete para parar as cenas e mostrar o que ninguém vira antes.
Termino com o poema de Arseni Tarkovski, pai de Andrei Tarkovski, que jamais poderá ser lido por mim sem que a lembrança de Ricardo Rikek aflore. Sim, tem de haver mais.
Agora o verão se foi
E poderia nunca ter vindo.
No sol está quente.
Mas tem de haver mais.
Tudo aconteceu,
Tudo caiu em minhas mãos
Como uma folha de cinco pontas,
Mas tem de haver mais.
A vida me recolheu
À segurança de suas asas,
Minha sorte nunca falhou,
Mas tem de haver mais.
Nem uma folha queimada,
Nem um graveto partido.
Claro como um vidro é o dia,
Mas tem de haver mais.
02 fevereiro 2008
OROBORO
Palavra bonita essa. Quase perfeita, sonora. Cheia de ‘o’, a revelar o oco escuro do universo. Começa e termina com O. No centro uma labial B. ORO nas duas pontas. Palavra palíndromo de significados múltiplos.
A imagem alquímica e simbólica de tal palavra delimita a permanente e necessária mutação que preside todos os elementos do universo, e claro, a linguagem não ficaria de fora. Nem quando, ela própria, cria um ou mais universos paralelos.
A poesia é muito bem representada por esta palavra mágica.
Nas palavras do poeta português Herberto Helder resume-se a importância do labor poético em qualquer época, em qualquer suporte:
“A transmutação é o fundamento geral e universal do mundo. Alcança as coisas, os animais e o homem como o seu corpo e a sua linguagem. Trabalhar na transmutação, na transformação, na metamorfose, é obra própria nossa. (...) o poema é o corpo da transmutação, a árvore do ouro, vida transformada: a obra.”
(O Corpo O Luxo A Obra, 1977)
“Trabalha naquilo antigo enquanto o mundo se move
para o centro de si mesmo,
como se todos os pontos em que trabalhas fossem o centro do mundo.”
(Do Mundo [1994] Poesia Toda: 614)
“Penso que deve existir para cada um
uma só palavra que a inspiração dos povos deixasse
virgem de sentido e que,
vinda de um ponto fogoso da treva, batesse
como um raio
nos telhados de uma vida, e o céu
com águas e astros
caísse sobre esse rosto dormente, essa fechada
exaltação. Que palavra seria, ignoro. O nome talvez
de um instrumento antigo, um nome ligado
à morte – veneno, punhal, rio
bárbaro onde
os afogados aparecem cegamente abraçados a enormes
luas impassíveis. Um abstracto nome de mulher ou pássaro.
Quem sabe? – Espelho, Cotovia, ou a desconhecida
palavra Amor.”
(“Poema”, III, A Colher na Boca [1960], Poesia Toda: 30- 32)
Quem sabe a palavra procurada por Helder não fosse OROBORO? Palavra esta que bem poderia sintetizar sua obra, ou busca poética. Oroboro, ou aquele/aquilo/aquela que já carrega o fim em seu começo: a finalidade de sua tessitura. O fazer poético e artístico de vários povos. Devora o rabo e regurgita o ovo, pois se nada há de novo é necessário chocá-lo, vitalizá-lo.
A etimologia do fazer poético. Poiesis.
Oros, em grego, pode ser várias coisas: termo, limite, meta, regra ou definição. Boros, pode ser traduzido por boca, ou voracidade. Oroboro ou aquilo que se delimita ou se atinge pela boca, ou aquilo que se define pela própria função que realiza.
A imagem alquímica e simbólica de tal palavra delimita a permanente e necessária mutação que preside todos os elementos do universo, e claro, a linguagem não ficaria de fora. Nem quando, ela própria, cria um ou mais universos paralelos.
A poesia é muito bem representada por esta palavra mágica.
Nas palavras do poeta português Herberto Helder resume-se a importância do labor poético em qualquer época, em qualquer suporte:
“A transmutação é o fundamento geral e universal do mundo. Alcança as coisas, os animais e o homem como o seu corpo e a sua linguagem. Trabalhar na transmutação, na transformação, na metamorfose, é obra própria nossa. (...) o poema é o corpo da transmutação, a árvore do ouro, vida transformada: a obra.”
(O Corpo O Luxo A Obra, 1977)
“Trabalha naquilo antigo enquanto o mundo se move
para o centro de si mesmo,
como se todos os pontos em que trabalhas fossem o centro do mundo.”
(Do Mundo [1994] Poesia Toda: 614)
“Penso que deve existir para cada um
uma só palavra que a inspiração dos povos deixasse
virgem de sentido e que,
vinda de um ponto fogoso da treva, batesse
como um raio
nos telhados de uma vida, e o céu
com águas e astros
caísse sobre esse rosto dormente, essa fechada
exaltação. Que palavra seria, ignoro. O nome talvez
de um instrumento antigo, um nome ligado
à morte – veneno, punhal, rio
bárbaro onde
os afogados aparecem cegamente abraçados a enormes
luas impassíveis. Um abstracto nome de mulher ou pássaro.
Quem sabe? – Espelho, Cotovia, ou a desconhecida
palavra Amor.”
(“Poema”, III, A Colher na Boca [1960], Poesia Toda: 30- 32)
Quem sabe a palavra procurada por Helder não fosse OROBORO? Palavra esta que bem poderia sintetizar sua obra, ou busca poética. Oroboro, ou aquele/aquilo/aquela que já carrega o fim em seu começo: a finalidade de sua tessitura. O fazer poético e artístico de vários povos. Devora o rabo e regurgita o ovo, pois se nada há de novo é necessário chocá-lo, vitalizá-lo.
A etimologia do fazer poético. Poiesis.
Oros, em grego, pode ser várias coisas: termo, limite, meta, regra ou definição. Boros, pode ser traduzido por boca, ou voracidade. Oroboro ou aquilo que se delimita ou se atinge pela boca, ou aquilo que se define pela própria função que realiza.
...
[Ilustração de M. C. Escher, Smaller and Smaller 1956 ]
30 janeiro 2008
Poemas dispersos III
quando estou sozinho
sou só
sou só eu
eu sou eu
quando estás comigo
sou quase eu
sou mais que eu
sou voz
***
é preciso cantar
para vencer
o silêncio da noite
sou só
sou só eu
eu sou eu
quando estás comigo
sou quase eu
sou mais que eu
sou voz
***
é preciso cantar
para vencer
o silêncio da noite
28 janeiro 2008
caos cintilante
afinar é relativizar
o som afinado é pretensioso
quer instaurar uma ordem
no universo
eu me desafino de quando
em sempre meu diapasão
ressoa desmedidas
me afirmo para relativizar
meu ouvido é absoluto
de incertezas
o princípio de Heisenberg
me delimita
seu produto associado
ao valor de uma coordenada
cicatrizada
e a não-certeza associada
ao correspondente momento
linear picaresco
não pode ser inferior
em magreza à constante
de plânctons normalizados
em minha saliva
me afirmo para relativizar
meu ouvido é absoluto
de incertezas
o princípio de Heisenberg
me delimita
seu produto associado
ao valor de uma coordenada
cicatrizada
e a não-certeza associada
ao correspondente momento
linear picaresco
não pode ser inferior
em magreza à constante
de plânctons normalizados
em minha saliva
27 janeiro 2008
25 janeiro 2008
Poemas dispersos II
um girassol ilumina
o silêncio
das coisas sem voz
dos seres sem vez
de tudo que nunca
veio a ser
***
quando não ouvimos
a própria voz
desafinamos
o silêncio
das coisas sem voz
dos seres sem vez
de tudo que nunca
veio a ser
***
quando não ouvimos
a própria voz
desafinamos
24 janeiro 2008
Poemas dispersos
um poema de amor
poderia assim começar:
amo porque pressinto.
***
o que dizes anoto
sem nomear
já não faz diferença
se foi eu
ou você.
***
ainda sofro de
metáforas
um preconceito
poético
do real
***
a arte tropeçou numa pedra brilhante...
poderia assim começar:
amo porque pressinto.
***
o que dizes anoto
sem nomear
já não faz diferença
se foi eu
ou você.
***
ainda sofro de
metáforas
um preconceito
poético
do real
***
a arte tropeçou numa pedra brilhante...
19 janeiro 2008
No Dia Mundial Sem Carro
SONETO PROMOCIONAL [898]
Glauco Mattoso
Nas ruas já não cabe tanto carro,
e a indústria do automóvel continua
querendo que inda caiba em nossa rua
aquele último tipo em que me amarro!
Vontade é o que não falta, mas esbarro
no preço do veículo: insinua
a falsa propaganda ser a sua
faceta a "popular", mas cheira a sarro!
Apenas porque o banco é reclinável
ou vem na cor de burro quando foge,
a loja já arredonda algum centavo!
Comigo não tem dessa! Inda que enoje
pisar num cocozinho, eis que desbravo
a pé minha calçada, olhando um Dodge...
Glauco Mattoso (paulistano de 1951) é poeta, ficcionista e ensaísta, autor de mais de trinta títulos, entre os quais as antologias "VÍCIOS PERVERSOS: CONTOS ACONTECIDOS" e "POESIA DIGESTA: 1974-2004", além dos romances "MANUAL DO PODÓLATRA AMADOR: AVENTURAS & LEITURAS DE UM TARADO POR PÉS" e "A PLANTA DA DONZELA".
E-mail: glaucomattoso@uol.com.br
***
no começo foi a roda
uma, duas, três, quatro
virou carro, virou moda
no final, acabou em cova
****
carro
caro
car
ar
a
...
cadê o ar?
Edson Cruz nasceu em Ilhéus e mora em São Paulo há uma eternidade. É co-fundador do site Cronópios e editor. Edita também, com os amigos Pipol e Marcelo Tápia a revista eletrônica Mnemozine (www.cronopios.com.br/mnemozine). E-mail: edsoncruz@cronopios.com.br
Glauco Mattoso
Nas ruas já não cabe tanto carro,
e a indústria do automóvel continua
querendo que inda caiba em nossa rua
aquele último tipo em que me amarro!
Vontade é o que não falta, mas esbarro
no preço do veículo: insinua
a falsa propaganda ser a sua
faceta a "popular", mas cheira a sarro!
Apenas porque o banco é reclinável
ou vem na cor de burro quando foge,
a loja já arredonda algum centavo!
Comigo não tem dessa! Inda que enoje
pisar num cocozinho, eis que desbravo
a pé minha calçada, olhando um Dodge...
Glauco Mattoso (paulistano de 1951) é poeta, ficcionista e ensaísta, autor de mais de trinta títulos, entre os quais as antologias "VÍCIOS PERVERSOS: CONTOS ACONTECIDOS" e "POESIA DIGESTA: 1974-2004", além dos romances "MANUAL DO PODÓLATRA AMADOR: AVENTURAS & LEITURAS DE UM TARADO POR PÉS" e "A PLANTA DA DONZELA".
E-mail: glaucomattoso@uol.com.br
***
no começo foi a roda
uma, duas, três, quatro
virou carro, virou moda
no final, acabou em cova
****
carro
caro
car
ar
a
...
cadê o ar?
Edson Cruz nasceu em Ilhéus e mora em São Paulo há uma eternidade. É co-fundador do site Cronópios e editor. Edita também, com os amigos Pipol e Marcelo Tápia a revista eletrônica Mnemozine (www.cronopios.com.br/mnemozine). E-mail: edsoncruz@cronopios.com.br
16 janeiro 2008
Diálogos sobre a PAZ
"A paz não é um conceito abstrato e remoto de nossa vida diária. É uma questão de como cada um de nós planta e cultiva as sementes da paz em nosso mundo real, em nosso cotidiano, nas profundezas de nosso ser e por toda nossa vida. Tenho certeza de que nisso se encontra o caminho mais seguro para a paz duradoura.
A paz não se concretiza com uma espera passiva. Deve ser trabalhada com energia e concentração. A "arma" mais poderosa daqueles que desejam criar a paz é o diálogo, a recusa em abandonar a capacidade da linguagem, que é o que nos faz humanos. O diálogo e a comunicação - seja qual for o resultado imediato - são em si um ato de fé em nossa humanidade. É essa fé que devemos nos empenhar incessantemente para fortalecer e reafirmar. A luta para compreender e ser compreendido requer que cada um de nós retorne à fonte mais profunda de nossa humanidade, além das diferenças históricas, culturais e de crença.
Nós todos fazemos parte da grande família da humanidade e somos moradores em comum de uma imensa casa chamada Terra. Não há outra forma se não nos entendermos. Mesmo que ressalte a importância de sua raça ou de sua crença, sem a paz, não existe nem a religião nem a prosperidade do povo.
Cada um de nós tem diferentes personalidades e temperamentos. Cada qual pensa de um modo diferente. Nossas bagagens culturais diferem, assim como nossos costumes. A fim de superarmos essas diferenças, a primeira coisa que devemos fazer é nos tornarmos amigos.
Os alegres intercâmbios de amizade entre as pessoas ampliam o caminho para a paz.
Como aspiramos a concretizar um século de união global, é mais do que natural que diálogos pela paz e intercâmbios educacionais e culturais que transcendam as fronteiras de religião, raça e nacionalidade tornem-se cada vez mais importantes.
Uma transformação em nossa determinação inicialmente produzirá uma transformação nos limites internos de nossa vida; isso nos possibilita a manifestar qualidades de excelente saúde, uma força abundante e uma ilimitada sabedoria. Uma vida que foi transformada dessa forma conduzirá outras em direção à felicidade e se comprometerá em extinguir o mal. Também terá um impacto na sociedade e no meio ambiente, transformando ambos num paraíso de paz e prosperidade.
A paz mundial inicia-se com uma grande revolução humana de uma única pessoa. Em primeiro lugar, deve-se realizar decididamente uma mudança pessoal -- uma revolução do próprio ser. Se mesmo uma única pessoa fizer sua revolução humana, a felicidade se espalhará entre aqueles que estão ao seu redor, assim como a água molha a terra seca. Uma esfera de paz e felicidade se formará ao redor dessa pessoa.
"Auto-aprimoramento" e "levar paz e segurança às pessoas" pode parecer muito simples. Mas Confúcio ensinou que aquele que pode realizar isso é de fato um líder da mais alta qualidade.
A compreensão budista de benevolência pode, estou certo, servir para criar uma nova cultura de simbiose que seja baseada no respeito pela pessoa humana, ou para criar um novo relacionamento com a natureza que seja de florescimento mútuo da humanidade e do meio ambiente global. Além disso, ela encoraja o tipo de ação altruística ou prática de Bodhisattva que pode redirecionar a história humana da divisão para a unidade, da confrontação para a harmonia, da guerra para paz.
A tolerância é o pré-requisito para a coexistência pacífica de todos os povos da Terra e a única alternativa para o ódio que leva aos horríveis crimes contra a humanidade. O ódio é o lado maligno da tolerância."
[Extraído do site da Associação Brasil Soka Gakkai Internacional
Veja também: Proposta de Paz, de 2007, do filósofo humanista Daisaku Ikeda]
15 janeiro 2008
Paz e Marcelino Freire
Um escritor pode falar da paz de forma enviesada como o fez Marcelino Freire no texto abaixo publicado na Revista da Folha, neste domingo passado. A ironia também é uma grande arma na luta pela paz. Veja que as palavras que usei quase que se anulam: paz, arma, luta. Num país semiletrado como o nosso, o analfabetismo funcional impera. Quase que não se distingue o que é conotação de denotação. Personagem, de autor. Isso não é culpa dos escritores. Marcelino é o cara mais "da paz" que eu conheço.
da paz paulista
Eu não sou da paz. Paz é coisa de rico. Uma desgraça. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. Prefeito e senador. Vou não. A paz fica bonita na televisão. Falsa. É uma senhora que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito pálida. Branca. A paz precisa de sangue. Cansei de passeata. Quem vai ressuscitar o meu filho? Hein? A minha vontade é sair atirando. Matando todo mundo. Eu matava, pode ter certeza. Mas a paz é que é culpada, sabe? A paz é que não deixa.
________________________________________
Marcelino Freire, 40, escreveu, entre outros, "Contos Negreiros" (Record), livro vencedor do Jabuti 2006. Idealizou e organizou a antologia "Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século" (Ateliê).
da paz paulista
Eu não sou da paz. Paz é coisa de rico. Uma desgraça. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. Prefeito e senador. Vou não. A paz fica bonita na televisão. Falsa. É uma senhora que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito pálida. Branca. A paz precisa de sangue. Cansei de passeata. Quem vai ressuscitar o meu filho? Hein? A minha vontade é sair atirando. Matando todo mundo. Eu matava, pode ter certeza. Mas a paz é que é culpada, sabe? A paz é que não deixa.
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Marcelino Freire, 40, escreveu, entre outros, "Contos Negreiros" (Record), livro vencedor do Jabuti 2006. Idealizou e organizou a antologia "Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século" (Ateliê).
12 janeiro 2008
CEP 20.00O
Adorei conhecer essa moçada do Rio de Janeiro. Nada de meninos do Rio sem nada pra dizer. Grande Guilherme Zarvos. Abraço ao Chacal. E aí Tavinho Paes? Confraria da boa. Poeta radioativo. Diga lá Márcio-André. No dia de meu aniversário, uma homenagem a vocês!
[Um Documentário de Daniel Zarvos - Várias partes no YouTube, ou em DVD]
11 janeiro 2008
A BUREKA TAIWANESA
O paulistano Denny Yang está em Taiwan, trabalhando e estudando. Os pais dele são de lá e ele, desde criança que não pisa por lá. Diz que vai tocar um pouco de bossa nova para os chineses e escrever o máximo possível. Talvez, aprender a ler os impossíveis ideogramas. Já sabe uns 50. O cara é rápido. Abaixo um recado de Taipei.
Dizem que escritor adora café, seja com ou sem cigarro. Não sei se é verdade, mas para mim, é um fato. Adoro um bom café, aprecio tomar um café bem tirado, com grãos honestos, e que seja um café barato.
Ainda no Brasil, havia um Café – que creio que ainda está lá – chamado Bureka, bem, ao menos assim eu o chamava, sempre ia tomar café por ali, uma a duas vezes por dia. Conhecia todo mundo lá, a gerente, as meninas que trabalhavam ali, e sempre conversava muito com elas. Tive que abandoná-las em prol de uma viagem a Taiwan, a fim de tirar um pouco de “férias” do Brasil, reabastecer minhas baterias, e resgatar e descobrir de onde vieram os valores que nortearam a minha família e a mim (consequentemente), ao longo de minha vida.
Quando vim para Taiwan, dois meses atrás, pensei que não havia nada que fosse insubstituível, pois com a internet a distância e a saudade dos amigos e contatos profissionais diminui muito, mas eu sabia que não haveria mais uma Bureka por aqui. Surpresa foi a minha quando vi que aqui em Taipei há – e muitos – Cafés pelas ruas e calcadas da cidade, e o café, surpreendentemente, é tão bom quanto o brasileiro. Starbucks, Barista, Dante, tem um monte de redes de Cafés por aqui, e do lado do escritório onde estou trabalhando há um Café que, no meu primeiro dia de trabalho, comecei a freqüentar. A dona do Café, ainda no primeiro dia, achou muito estranho eu não saber falar chinês, apenas um inglês mixado com algumas parcas palavras que eu sabia, de tanto ouvir meus pais falando entre si. E, mesmo depois de entender que eu era estrangeiro, ainda ficava desconfiada, ela e sua garçonete.
Ao longo desses dois meses, trabalhando e também estudando - numa escola de língua chinesa -, freqüentando o Café, comecei a fazer amizade com o pessoal deste Café em Taiwan, e o combinado era que eu ensinasse inglês para elas, e elas chinês para mim. Começamos a conversar muito, e meu chinês, graças a Deus, deu uma crescida que hoje já posso dizer que falo a língua, muito embora ainda não saiba ler nem escrever os ideogramas chineses, apenas alguns mais básicos. Falando muito a respeito do Brasil, expliquei o que significava a palavra “saudade”, que, dizem os lingüistas, não tem tradução para outra língua. Expliquei o problema de desigualdade social, racismo, e violência que acomete o Brasil. Disse a quantidade de amigos que deixei na terra-pátria, e a saudade que era quando chegava o sábado, quando, vivendo em São Paulo, eu sempre saía com uma grande turma.
Na semana passada, elas – a Tou Tou e a Mei Mei – me convidaram para sair num sábado, fomos no cinema, e depois num bar onde se tocava música taiwanesa. Agora, vou todos os dias no Café, na minha Bureka taiwanesa, duas vezes por dia, como se eu estivesse conversando com as meninas da Bureka de São Paulo. Ontem, novamente, fomos todos num bar e restaurante de jazz, ao que bebemos cerveja e voltamos de táxi, todos um pouco altos... As coisas aqui, felizmente, ainda são muito baratas, a empregabilidade é alta, o custo de vida baixo, e (surpreendentemente!), o café, além de barato, é muito bom e saboroso...
um abraco,
Denny Yang
http://acasadacolina.blogspot.com/
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