06 março 2009
Luis Serguilha à queima-roupa
[Foto: Jackeline Walendy]
1) O que é poesia para você?
Não aceito qualquer definição de poesia, qualquer técnica na reformulação/conceptualização poética, por isso há que expulsar “o que é a poesia”, os seus sistemas explicativos-teoréticos-interpretativos e expandir/germinar a correnteza da heterogeneidade:____________ QUANDO HÁ POESIA?_____________________
__________(HÁ a substância energética-obscura do mundo)_____________________
Há POESIA quando regressamos ao centro iluminador do desmesurado, à devastação-criação, ao labirinto, à transmigração de signos buscadores da autenticidade secreta, das fecundações hipnóticas, da essência-do-mundo.
Há POESIA quando existe o lugar dramático, a sedução da vertigem, o ritmo do abismo, a energia encantatória-transmutadora, a esfinge e a perscrutação das danças do universo.
Contra todas as doutrinas o Poeta ergue e faz irromper a metamorfose da substância do cosmos, as vozes genésicas do mundo-outro porque no seu corpo há o grito-eco antiquíssimo, indomável, emancipatório que se projecta na busca da unidade perdida-original, no vazio, no não-lugar, no exílio, nas moradas flamejantes como a libertação mais profunda/interior dos cânticos do coração-do-mundo.
Há poesia quando as aberturas cristalográficas das palavras constróem os hinos astrais da transformação da vida, na infinitude hieroglífica: a poesia acontece na força eléctrica-germinativa, nas múltiplas travessias dos ecossistemas, na espontaneidade das vozes, nos espelhos das profundezas da existência______e o poeta resiste como os soldados de Siracusa recitando os versos de Homero para sobreviverem.
Há poesia quando as explosões rítmicas descobrem os cânticos da fertilidade da terra, a incandescência do nada , a materialidade/espiritualidade do ser, o desassossego primitivo da nossa constituição, a interrogação antropofágica, o tempo e o espaço na absoluta renovação imagética, as epifanias infinitas da linguagem. Então há que defrontar olhos-nos-olhos os críticos, académicos, blogueiros que departamentalizam, standartizam , delimitam, classificam estupidamente os poetas e a poesia: porque QUANDO HÁ POESIA a pulsionalidade libertadora reconcilia o relâmpago idiomático-astrológico-polimórfico-polinizador-indecifrável-eruptivo onde surge o recolhimento uterino-febril-nutritivo da palavra até à louca desocultação do mundo.
QUANDO Há POESIA a indeterminação, a ambivalência da realidade humana expandem a ritmicidade dos seus icebergues numa luta entre o consciente e o inconsciente:________ a linguagem primitiva da presença e da ausência forma-se, regenera-se na transformação simultânea , na navegação crepuscular, nas constelações irrepetíveis.
QUANDO Há POESIA a ebulição perceptiva religa a luz da geografia ontológica aos fluxos da heterogeneidade, às fractalizações da reconquista das origens:________o poeta transgride todos os limites ao refazer o vazio , ao imergir no insondável, ao magnetizar-se nos engolfamentos abíssicos do deserto como um instante obscuro e ardente a reactualizar as revelações pré-babélicas, a integridade alucinante do ser, a fulguração enigmática.
NÃO ACEITO DEFINIÇÕES DA POESIA, porque o impulso da matéria poética procura o ilimitado, alimenta-se do informulável , da composição imaginária-radical-interrogativa , da revelação do relâmpago da existência absoluta, do magnetismo da estranheza, da regressão incomensurável do ser à anterioridade da palavra, ao território genesíaco.
Há POESIA quando a liberdade criadora se abre ao mundo, à originalidade, à transgressão instauradora da independência selvática____aqui o poeta tenta denvendar a esfinge, o segredo do universo através das viagens utópicas, do desejo da visão-própria, da eclosão do corpo-resistente que acolhe a disseminação dos sentidos, as alucinantes sensorialidades, o cântico transmissor do livro da NATUREZA.
Há POESIA na transmigração alquímica da luz-sombra, do firmamento-terra, da matéria (in)orgánica-mutante.
QUANDO Há POESIA o silencio anuncia a sua força das efusões puramente iniciáticas sacralizando as atmosferas do inexplicável , do indizível, do não sentido. O SILÊNCIO da invenção profunda destrói a tentativa da DEFINIÇÃO-DA-POESIA, da significabilidade, da tradução , da exegese , porque a sua incubação obscura transforma o poema numa coexistência incontaminada e selvagem.
QUANDO Há POESIA a exteriorização dos caminhos racionalizadores-totalizadores-delimitadores é dizimada pelo desabrochamento do relâmpago da correspondência entre a linguagem, o silêncio, o desconhecido, o (in)visível, a germinalidade da raiz da vida, o abismo-do-devir .
QUANDO Há POESIA a energia , a violência pulsional do deserto, a regressão ao magma primordial propicia-nos a subjectividade infinita , a transgressão dos limites até à vida absoluta, à obscuridade.
Quando HÁ POESIA o sol-abre-se-na-pedra(HÚMUS-ÊXTASE) e leva-nos para lá do verbo até aos espelhamentos-intercepções das outras artes(cinematográficas, pictóricas, escultóricas,musicais, DA DANÇA( como um Corpo em incandescência e espontâneo a recriar as expansões cosmogónicas-mágicas entre as visões de Merce Cunningham, Olga Roriz, Pina baush, Bill T Jones, Pilobolus Dance Theatre, as telas de Pollock, Rothko, o flamenco de Manuel de Falla, os cantares de Giacometti, o trompete de Miles Davis, as (re)montagens de Buñuel-Rosselini-Fellini, as liberdades perceptivas de Elida Tessler, Dione Veiga Vieira, Cutileiro, a revelação do sublime-informulável dos poetas “exilados de Florença”.........) ___________________________quando há poesia__________________________________________________
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
A cosmovisão dos poetas projecta-se rizomaticamente através do grito iniciático_____________este grito de desnudamentos emancipatórios-lunares prismatiza-se na intemporalidade ininterpretável, na essência-integridade do ser.
Reiniciamos continuamente “no fazer poético” como uma cavalgadura da incerteza-orgiástica-fundente ressuscitadora do delírio jazzístico, dos múltiplos reflexos do mundo. O mistério da linguagem e do silêncio projecta em nós a urgência de regressarmos ao inicio selvagem, à pulsação do estonteamento, à inflorescência das alteridades-ipseidades, à polifonia vibratória, ao magma primordial. Todos desejamos a purificação pristina-instintiva das palavras porque caminhamos como “iniciantes”
(nomadismo mitológico-afectivo) na impulsão da parábola, na faiscação/unificação da interioridade/exterioridade________
A interrogação absoluta-tectónica “no inicio do fazer poético” reconcilia-nos nas línguas edénicas: galáxia silenciosa propulsora do nosso desejo sobre-infra a erotização-reencarnação-transmigração-recriação da linguagem cósmica, do Livro da Natureza
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Procuro os poetas que reunificam os cânticos translatórios dos homens, do verbo, do firmamento e da mãe-natureza....
( constituindo o UNO)
Procuro os poetas-devoradores-de-fogo e da substância energética construtora do ritmo do mundo.
Procuro os poetas meteóricos-petrológicos-isossísticos-piroclásticos(do desconhecido)
Procuro os poetas da linguagem da plenitude corporal, da profundidade da matéria.
Procuro os poetas que resistem à barbárie(como diz Eduardo Lourenço “uma só rosa no meio do inferno é o paraíso inteiro”)
Procuro os poetas das imersões do nada, da centelha-obscuridade, da expansão instintiva-imaginal, das transumâncias aborígenes, das visageidades, do transcendentalismo, dos simulacros, “da liberdade livre”. Nesta correnteza relampagueante estou a reler as obras de Oliverio Girondo, Dylan Thomas, Vicente Aleixandre, Arthur Rimbaud, René Char e “sem pontos fixos no espaço” descubro a “actual” poesia brasileira_________ __________outros serão recolhidos porque na poesia a ausência transforma-se em presença e a presença instaura a ausência____fulguração/atracção da aventura do ser-estar-no-mundo_______
Luis Serguilha nasceu em Vila Nova de Famalicão, Portugal. Poeta e ensaísta, suas obras são: O périplo do cacho (1998), O outro (1999), Lorosa´e - Boca de Sândalo (2001), O externo tatuado da visão (2002), O murmúrio livre do pássaro (2003), Embarcações (2004), A singradura do capinador (2005), Hangares do Vendaval (2007), As processionárias (2008), Roberto Piva e Francisco dos Santos: na sacralidade do deserto, na autofagia idiomática-pictórica, no êxtase místico e na violenta condição humana (2008), estes últimos em edições brasileiras. Recebeu em 2000 o Prêmio de Literatura Poeta Júlio Brandão. Participou em vários encontros internacionais de literatura e possui textos publicados em diversas revistas de literatura no Brasil, Espanha e em Portugal, além de outros trabalhos traduzidos em língua espanhola e catalão. Email: lf.serguilha@hotmail.com
04 março 2009
Ricardo Corona à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
Tenho pensado na poesia como um lugar (ou não-lugar) de sentidos incessantes, palimpsestos do sensível na frincha da significação, um lugar em que a poesia resiste independentemente do “poético”, do “poema” e do “poeta”. Poesia furtada da literatura, não figurada, mas que assume o seu sentido de ‘poesia’ como um sentido sempre por fazer. Esse lugar é antes da própria poesia, sem sê-lo propriamente poesia, mas distendido em todas as artes. Um lugar de tartamudez e prenhe de silêncios, na fresta da língua: ali, aqui...
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Bashô disse algo sobre isso (veio-me isso, aceito e cito de memória): procure o que os mais velhos não encontraram.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Hoje (também no sentido de “agora”) uma resposta para essa pergunta:
1) Arturo Carrera (poeta argentino), por causa do seu escrito con un nictógrafo, poema-livro que se compõe na escuridão para o leitor e deseja oferecer-lhe instantes luminosos, iniciando-se com uma entrega: “el escriba ha desaparecido”. Desorbitado, no lugar em que a linguagem está para todos, lugar vazio, no qual também estão as palavras, talvez distraídas, talvez atentas, mas na sua condição ante todos nós, na inadequação permanente entre significado e significante, no embaraço quando se quer atribuir significado ao desconhecido, conforme Lévi-Strauss: “o universo significou bem antes que se começasse saber o que ele significava...”.
2) Édouard Glissant, poeta, antropólogo e filósofo antilhano, autor de um livro-conferência bastante intrigante chamado Introdução a uma poética da diversidade (o único com tradução brasileira, feita por Enilce Albergaria Rocha) e, principalmente, Poétique de la Relation. Glissant, autor que discutimos muito esse ano em aulas instigantes com o professor e tradutor Maurício Mendonça Cardozo. Glissant põe em jogo muitas questões, mas o que mais repercutiu no meu trabalho poético, talvez pelo livro que escrevo no momento, foram suas idéias em relação ao épico. Ajudaram-me a concluir que pode ser possível escrever um épico hoje, mas não um épico no seu formato clássico, cujo movimento, segundo Glissant, movimento auto-afirmativo de culturas e línguas que apreendeu (cooptou) e, portanto, centralizou nesta forma quase todas as expressões e gêneros da antiguidade. Pode-se com isso perceber esta formação “atávica” das culturas, ao lado de procedimentos que levaram ao aniquilamento das línguas, por exemplo. E hoje, em meio à multiplicidade, à diversidade de expressões e formas, fora o que isso tenha de simulacro, de mentira, de ninho de nadas, e por isso, só por isso, tem que ser dito com cautela o que disse em relação ao épico, pois faz parte da formação histórica das culturas, mas, enfim, quero dizer que hoje não faz mais sentido um épico clássico, a feitura de um épico clássico, e abandonemo-lo à legitimidade histórica. Um épico contemporâneo, no meu entender, só pode ser de força centrífuga, num movimento para o fora, para o depois dos gêneros e da unidade, um épico fractal, feito de múltiplas implosões descentralizadoras – talvez eu o chamasse épico por amor ao épico clássico.
3) Raul Bopp, certamente um precursor da etnopoesia no mundo, lançou mão de procedimentos que merecem estudo mais cuidadoso, verdadeiras filigranas da fala. Bopp era um mestre na seqüência de imagens, espécie de orquestração imagética que propicia o clima ideal para o ouvido pensante, tanto na oralidade imagética de “Cobranorato” quanto na genialidade dos jogos sonoros em poemas de menor fôlego. Basta ver/ouvir “Caboclo”: (...) “O escuro apaga as árvores / Fogo desanimou na cozinha / Mia um gatinho magro no terreiro: M-i-s-é-r-i-a” (...). A sugestão da onomatopéia (“miau”) da voz do gato, mas não inscrita, revela a cena cabocla miserável. É a semântica do som. E som é para ouvir.
Ricardo Corona, poeta, tradutor; autor dos livros de poesia Cinemaginário (1999), Tortografia, em parceria com a artista plástica Eliana Borges (2003), Corpo sutil (2005) – todos publicados pela Editora Iluminuras. Na área de poesia sonora, lançou o CD Ladrão de fogo (2001, Medusa) e o livro-disco Sonorizador (Iluminuras, 2007). Organizou a antologia de poesia Outras praias / Other Shores (Iluminuras, 1997). Criou em parceria com Eliana Borges as revistas de poesia e arte Medusa (1998-2000) e Oroboro (2004-2006). Com Joca Wolff, traduziu o livro-poema aA Momento de simetria (Medusa, 2005) e a coletânea Máscara âmbar (Lumme, 2008), de Arturo Carrera. Em 2009, seus livros Cinemaginário e Corpo sutil serão lançados em Portugal, em único volume intitulado Amphibia, pela editora Cosmorama. E-mail: ricardocorona@terra.com.br
02 março 2009
João Rasteiro à queima-roupa
O que é a poesia para você?
Na juventude era sobretudo estranhamento, depois passou a ser brincadeira e prosápia, só que agora é medo e sofrimento. Poderia talvez dizer que a poesia é. Talvez substanciá-la como espanto e descoberta, caos e criação, vida e morte, verbo e substantivo. Poderia até dizer que a poesia é o lugar mais recôndito e primordial da alucinada linguagem em seus mundos e corpus de perplexidade. Poderia talvez, como refere Herberto Helder, dizer que ela é “Esta mão que escreve a ardente melancolia//da idade//é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça, //que à imagem do mundo aberta de têmpora//a têmpora//ateia a sumptuosidade do coração.”
Eu sei, eu estou também plenamente convencido de que hoje cada vez mais, quando olho Gaza, Darfur, Bagdá, ou Tibete, a poesia não serve para nada, como diz o poeta e amigo Ricardo Aleixo, “A poesia não serve para nada, não se compra pão com palavras, mas não se vive sem ela. O dizer poético é a dimensão amplificada da crise do humano. Não acalma. Ao contrário, nos mostra o quanto ao vivo é muito pior”. Eu sei, eu também ambiciono que cada vez mais a poesia seja acto e não produto. Agora, poesia?
Como comparou Samuel Johnson, “Senhor, o que é a poesia? – Bem, senhor, é muito mais fácil dizer o que não é. Todos nós sabemos o que é a luz, mas não é fácil dizer o que é.” Por isso, talvez como afiança Jean Cocteau, “A poesia é uma religião sem esperança”. E no entanto o mundo (os mundos) e a linguagem precisam agora mais do que nunca desta religião para ainda ter esperança.
O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de maneira?
Ousar pensar/sonhar a palavra outra, a transgressão outra, a linguagem outra. E naturalmente deverá ler, ler, ler – ler incessantemente. Depois, escrever, escrever, escrever – escrever/ver/reescrever/ser. Até se viciar no sabor do sangue entre carne e verbo. Por fim, avançar simplesmente, avançar com a expectativa de ser escutado e de se escutar. Ser escutado, mesmo se apenas por alguns – pois será inolvidável e mágico. Até porque, como refere o poeta norte-americano Charles Bernstein, “não interessa a quantidade ou mesmo serem lidos, a árvore não necessita obrigatoriamente de ter alguém debaixo dos ramos à sombra, mas se precisarem, a sombra está lá”.
Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Afinal são duas perguntas numa só. Apontar três poetas é tão difícil como apontar um, seis ou até nove – Homero, Dante, Shakespeare, Camões, Rilk, Lorca, Pound, Breton ou Kavafis. E no entanto atrevo-me, embora por múltiplas e variadas razões, a apontar os seguintes poetas:
Herberto Helder, pelo terramoto que o seu acto criador, decorrente da transgressão que o seu fluxo verbal, respirando uma mitológica e mágica linguagem, carnal, quase animalesca, provocou na poesia portuguesa contemporânea e que nos impele para um poder encantatório e deslumbrante, sufocando-nos de uma emoção sublime. O corpo poético herbertiano mostra-se luminescente gerando luz própria (o que só acontece talvez na genialidade de alguma poesia) como as estrelas, conforme refere Maria Estela Guedes.
T.S.Eliot, possuidor de uma poesia da fragmentação e da desconstrução e uma das mais difíceis de ser criticada e analisada, em permanente questionamento, onde o retorno é uma inevitabilidade. Poesia a um só tempo clássica e moderna, revolucionária e subversiva e reaccionária, realista e metafísica, está na própria raiz que informa e conforma a mentalidade poética de nossos dias. Como nos mostra The Waste Land, o seu poema mais famoso, onde primam mudanças retóricas constantes e a justaposição de estilos contrastantes, a linguagem de Eliot rejeita a noção de poesia enquanto efusão individual e reabilita o quotidiano transcendendo-o brutalmente. É a poesia assente na permanente procura de uma linguagem nova, perturbadora e catalisadora do mundo e seus sonhos.
Fernando Pessoa, poética também da fragmentação, onde se pretende um percurso que conduza a uma profunda reflexão sobre a relação entre verdade, existência e identidade. Poesia que mesmo com algumas contradições, possui uma visão simultaneamente múltipla e unitária da vida. É sem dúvida uma poesia que pode ser encarada como um paradigma da poiésis, quer seja ao nível da poesia como da arte em geral. Poética que é acima de tudo um acto demolidor, desmistificador e psicologicamente, como disse Jorge de Sena, um "indisciplinador de almas", eu digo da linguagem, do mundo(s), do acto de ser corpus de linguagem viva.
Relativamente aos textos, mais uma vez transgrido e aponto cinco textos poético - ensaísticos: A Poética de Aristóteles, Bíblia (com predominância para o Cântico dos Cânticos), A Divina Comédia, de Dante Alighieri, toda a obra de Shakespeare (“o pequeno irmão de deus”, como o apelidou Schwanitz) e A-Poética, de Charles Bernstein, até como contraponto e /ou complemento da Poética de Aristóteles.
João Rasteiro (Coimbra - Portugal, 1965). Poeta e ensaísta. É sócio da Associação Portuguesa de Escritores, membro do Conselho de Redacção da Revista Oficina de Poesia e do Conselho Editorial da revista brasileira Confraria do Vento. Tem poemas publicados em várias Revistas e Antologias em Portugal, Brasil, Colômbia, Itália e Espanha e possui poemas traduzidos para o Espanhol, Italiano, Inglês, Francês e Finlandês. Publicou os livros de poesia, A Respiração das Vértebras (Sagesse, 2001), No Centro do Arco (Palimage, 2003), Os Cílios Maternos (Palimage, 2005) e O Búzio de Istambul (Palimage, 2008). Obteve vários prémios, nomeadamente a Segnalazione di Merito no Concurso Internacionale de Poesia: Publio Virgilio Marone(Itália-2003) e o 1º prémio no Concurso de Poesia e Conto: Cinco Povos Cinco Nações, 2004. Em 2005 integrou a antologia: “Cânticos da Fronteira/Cánticos de la Frontera (Trilce Ediciones – Salamanca). Em 2007 foi um dos poetas participantes nos VI Encontros Internacionais de Poetas de Coimbra, F.L.U.C. - Universidade de Coimbra. Em 2007 integrou a antologia: “Transnatural” (projecto multidisciplinar que tem como tema o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra), Editora Artez. Em 2008 participou na exposição e antologia “O Reverso do Olhar” – exposição internacional do surrealismo actual. Em 2009 integrará a antologia: “Portuguesia: Minas entre os povos da mesma língua – antropologia de uma poética”, organizada pelo poeta brasileiro Wilmar Silva e que engloba poéticas de Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique São Tomé e Príncipe, Timor-leste, Goa, Macau e Galiza. Em 2009 a revista “Arquitrave” da Colômbia editará um número especial dedicado à “Nova Poesia Portuguesa”, do qual será o responsável. Em 2001 englobou um conjunto de pessoas de várias áreas artísticas, nomeadamente a poesia, música, dança, pintura, teatro, etc., em BELGAIS (Centro para o estudo das artes, dirigido pela pianista Maria João Pires) trabalhando com crianças das aldeias limítrofes. Prepara-se para editar um novo livro, que se chamará: “Diacrítico”.Vive e trabalha em Coimbra. Mantém em permanente irrupção o fulgor do blogue: http://www.nocentrodoarco.blogspot.com/ Email: rasteiro.j@gmail.com
28 fevereiro 2009
Ronald Augusto à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
Não faz muito tempo eu tinha muitas certezas a respeito desta questão. Hoje, tenho não sei quantas dúvidas. Ainda acho que o conceito de invenção pode vir a colaborar numa eventual definição que se ensaie a propósito do gênero, mas já não tenho um apetite tão grande para, digamos assim, me solidarizar de modo indiscriminado com os adeptos da invenção. Aqui e acolá a todo instante se publicam livros que pretendem reunir o melhor da invenção surgido na última estação. Em poesia invenção virou commodity. Ou bolha especulativa. Mas, poesia não é apenas invenção. Em muitos poemas velhos a beleza está mesmo nessa condição do texto que envelheceu onde podia envelhecer. Em poesia a reiteração talvez seja até mais valiosa que a invenção. Uma resposta mais objetiva à pergunta poderia ser proposta nestes termos: não sei, eu escrevo poesia na perspectiva de que cada poema realizado possa levar acesa em seu bojo essa questão.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
A pergunta incita em cada um de nós o desabrochar de uma figura nefasta: a do conselheiro (hoje em dia já temos uma variação kitsch: a do facilitador). A coisa mais importante a fazer é a seguinte: se o iniciante perceber que não tem jeito para coisa, o melhor é desistir logo. Se a pessoa não atrapalha ou não empata a vida dos outros é certo que deixará um belo legado. Mas, se o iniciante, antes de mais nada, aprendeu a ser um verdadeiro leitor, então ser poeta ou não, para todos os efeitos, tornar-se-á irrelevante.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Os poetas: Manuel Bandeira, Dante Alighieri e Ezra Pound. Quanto aos textos de referência para o meu trabalho poético, cabe uma observação. Citarei textos de intervenção crítica produzidos por poetas-críticos, pois está implícito, me parece, no item relativo aos poetas de minha predileção que o convívio com suas obras poéticas foi — e ainda é — decisivo do ponto de vista do aprofundamento meu artesanato. E como situo o meu trabalho também dentro da perspectiva do poeta-crítico, acho importante evocar aqueles textos que me ajudaram a desenvolver uma consciência de linguagem e uma visada menos emocionada em relação ao poema, são eles: Intinerário de Pasárgada de Manuel Bandeira; os ensaios de Ezra Pound (reunidos em dois livros, ABC da Literatura e A arte de poesia); e, por fim, a crítica ensaística dos poetas concretos, inclusive o que depois vieram a produzir já na condição, por assim dizer, de ex-concretos — e para não ficar devendo uma referência cito, deles, Haroldo, Augusto e Décio, a Teoria da poesia concreta (textos críticos e manifestos, 1950-1960).
Ronald Augusto nasceu em Rio Grande (RS) a 04 de agosto de 1961. Poeta, músico, editor e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Homem ao rubro (1983), Puya (1987), Kanhamo (1987), Vá de valha (1992), Confissões Aplicadas (2004) e No assoalho duro (2007). É editor associado do website www.sibila.com.br. Dá expediente nos blogs: www.poesia-pau.blogspot.com e www.poesiacoisanenhuma.blogspot.com E-mail: ronaldaugustoc@yahoo.com.br
26 fevereiro 2009
Linaldo Guedes à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
- Poesia é mais do que um estado de espírito, como apregoam alguns. Poesia é, antes de tudo, uma busca incessante pelo seu EU através da linguagem. Este EU não é apenas o indivíduo em si, mas, principalmente, a forma como ele se relaciona com o mundo. Afinal, nosso EU é forjado dentro do contexto social e cultural em que estamos inseridos. Poesia é também descoberta e surpresa. Descoberta dos potenciais da linguagem, sobretudo. E surpresa ao perceber que somos capazes de construir utopias apenas com palavras.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
- O iniciante deve perseguir preferencialmente a linguagem. Não a linguagem rebuscada, elitizada. Nem tampouco a linguagem sem consistência, vulgar. Falo de Linguagem como algo maior. Como a fonte de todo o bom poema. Linguagem esta que é adquirida através da leitura de livros e poetas. Sem preconceitos, o iniciante deve visitar autores de todas as escolas literárias, de todas as tendências. A partir daí, começar a criar seu estilo, que é fundamental em qualquer pessoa que se atreva a ser escritor ou poeta. O estilo é o próprio poeta, parodio Buffon. Dono de um estilo, deve passar a ler também teoria e crítica literária, para moldar melhor sua poesia dentro daquele estilo que escolheu para escrever.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
- Teria vários poetas, mas vou ficar em três brasileiros: Gregório de Matos, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. São três autores de tempos, escolas e épocas diferentes, mas fundamentais para uma melhor compreensão da importância da poesia brasileira no contexto atual. Em Gregório, vejo o pioneirismo poético, aliado ao seu estilo múltiplo, que ia do deboche ao erótico, sem esquecer do religioso e do político. Em Drummond, a multiplicidade de faces em sua poesia, a grandeza da metafísica e a permanência como o grande nome da poesia brasileira do século XX. E em Cabral, a consciência rigorosa da importância da linguagem e o Nordeste ecoando em seus versos com a secura do nosso clima.
Citaria três textos referenciais de cada um desses poetas. De Gregório, o poema "A cada canto um grande conselheiro". Escolho este por representar uma crítica aos governantes da Bahia, mas, também uma crítica, com muita perspicácia, à hipocrisia do indivíduo comum, quando diz “não sabem governar sua cozinha, mas podem governar o mundo inteiro". Como aquele velho ditado de que o macaco nunca dá fé do seu rabo, o poema ironiza com isso, com o fato de a pessoa ficar olhando a vida alheia e não reparar nos seus próprios erros.
De Drummond, eu escolheria o “Poema de sete faces”. Publicado no primeiro livro do poeta, penso que ele representa um resumo de toda a poesia drummondiana. Estão nele o misticismo do anjo torto, o erotismo implícito (“a tarde talvez fosse azul não houvesse tantos desejos”), o cotidiano ( “o bonde passa cheio de pernas...”), a solidão (“o homem atrás do bigode (...) tem poucos – raros – amigos”), o medo (“meu Deus porque me abandonaste”), a metafísica (“Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é o meu coração”) e a busca do prazer (mas essa lua, mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo). É um poema-síntese de todos os principais temas abordados na poesia de Drummond.
E de Cabral, eu indicaria “Tecendo a manhã”, poema que é exemplo claro da perfeição do poeta na construção de sua linguagem poética. "Um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos”, afirma o poeta. E a partir daí vai tecendo um dos poemas mais perfeitos da literatura brasileira. Não é a manhã que tece entre outros galos, como determina o poema. É Cabral que vai enredando sua teia poética entre outros poetas brasileiros e educando poeticamente, mesmo que para isso tenha que usar e abusar da metáfora da pedra.
Linaldo Guedes nasceu em Cajazeiras (Alto Sertão da Paraíba), em 16 de junho de 1968. É poeta, tendo publicado seu primeiro livro “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” (Textoarte Editora), em 1998, e o segundo, “Intervalo Lírico” (Dinâmica Editora), em 2006. Tem poemas seu incluídos em vários sites de literatura. Lançou, ainda, “Singular e Plural na poesia de Augusto dos Anjos” (ensaio, editora A União) e co-organizou os livros “Correio das Artes, 50 anos”, volumes de poesia e contos (Editoras A União e Universitária, 1999) e “Diálogos” (Editora Aboio, 2004). Ganhou dois prêmios seguidos como destaque literário, concedidos pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Paraíba, em 1999 e 2000. Recebeu, em 2006, a Medalha do Mérito Cultural, concedida pela Fundação Casa de José Américo. Seu nome está incluído como verbete na Enciclopédia de Literatura Brasileira, organizada por Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa. É também jornalista, tendo atuado pelos principais jornais de João Pessoa, como O Momento, Correio da Paraíba, Norte e A União, além de ter trabalhado, ainda, na TV Tambaú e na Rádio Tabajara FM. Participou de diversos eventos literários, como o Encontro de Interrogações (São Paulo, 2004), VII Bienal Internacional do Livro (Fortaleza, 2006), Colóquio Rumos Literatura - Edição João Pessoa, promovido pelo Itaú Cultural (2007), 4º Festival Recifense de Literatura (Recife, 2007), XII Festival Nacional de Artes (Fenart) (João Pessoa, 2008) e Cartografia Web Literária (São Paulo, 2008). Atualmente edita o caderno de Cultura e o suplemento literário Correio das Artes, ambos do jornal A União. É também professor de Literatura do ensino médio. Tem um blogue na internet desde janeiro de 2004, no seguinte endereço: http://linaldoguedes.blog.uol.com.br
E-mail: linaldoguedes@uol.com.br
24 fevereiro 2009
Gustavo Lopez à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
Las definiciones de poesia me parecen siempre problemáticas por que cuando queremos cerrarle el paso para definirla automáticamente da un salto y se convierte en otra cosa, diferente distinta. Pero si me apuran hoy diría que la poesia es una forma de conocimiento, un instrumento de investigación y una practica de las mas copadas para investigar la existencia, el mundo, la historia y lo que esta por venir.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Dar cuenta de lo que esta mirando.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
En relación a lo que dije antes podría armar una larga lista de poetas, voy a elegir a tres argentinos para aprovechar además a difundirlos:
JOAQUÍN GIANUZZI
Poética
La poesía no nace.
Está allí, al alcance
de toda boca
para ser doblada, repetida, citada
total y textualmente.
Usted, al despertar esta mañana,
vio cosas, aquí y allá,
objetos, por ejemplo.
Sobre su mesa de luz
digamos que vio una lámpara,
una radio portátil, una taza azul.
Vio cada cosa solitaria
y vio su conjunto.
Todo eso ya tenía nombre.
Lo hubiera escrito así.
¿Necesitaba otro lenguaje,
otra mano, otro par de ojos, otra flauta?
No agregue. No distorsione.
No cambie
la música de lugar.
Poesía es la que se está viendo.
LEONIDAS LAMBORGHINI
Me detengo un momento
por averiguación de antecedentes
trato de solucionar importantísimos
problemas de estado;
vena mía poética susúrrame contracto
planteo, combinación
y remate.
En vez
tú no tienes voz propia
ni virtud
dijo
y escribes sólo para
yo quise decirle mentira mentira
para purificarme
La pista se rodea
de todas las especies, de todos los órdenes
y clases
sobre todo de público
en la primera fila van
los relegados.
Siempre algún gobernante
algún guerrero ilustre, algún
funcionario aventajado
da el puntapié inicial
entonces entro yo
entrando por el aro.
Tome asiento
nadie debe perderse
un espectáculo
abro mi risa negra
a función continuada.
Y a la bartola
haciendo de las mías
en el país del tuerto
es rey.
RICARDO ZELARAYAN
La Gran Salina
La locomotora ilumina la sal inmensa,
los bloques de sal de los costados,
los yuyos mezclados con sal que crecen entre las vías.
Yo vacilo....
y callo....
porque estoy pensando en los trenes de carga
que pasan de noche por la Gran Salina.
La palabra misterio hay que aplastarla
como se aplasta una pulga,
entre los dos pulgares.
La palabra misterio ya no explica nada.
(El misterio es nada y la nada no se explica por sí misma.)
Habría que reemplazar la palabra misterio
(al menos por hoy, al menos por este "poema" )
por lo que yo siento cuando pienso en los trenes de carga
que pasan de noche por la Gran Salina.
La pera trepida en el plato.
La miel se desespera en el frasco cerrado,
para desesperación de las moscas que le acechan posadas al vidrio.
Pero yo no me explico
y hasta ahora nadie ha podido explicarme
por qué me sorprendo pensando
en la Gran Salina.
El hombre de chaleco del salón comedor
se ha quitado los anteojos.
Los anteojos trepidan sobre el mantel de la mesa tendida.
Todo trepida,
todo se estremece,
en el tren que pasa a mediodía por la Gran Salina.
Yo me he sorprendido mirando
la sombra del avión que pasa por la Gran Salina.
Pero eso no explica nada.
Es como una gota que se evapora enseguida.
Hay que distraerse, dicen.
Hay que distraerse mirando y recordando
para tapar el sueño
de la Gran Salina.
Un piano colgado como una araña del hilo
se ha detenido entre los pisos doce y trece...
Un camión pasa cargado de ventiladores de pie
que mueven alegremente sus hélices.
En 1948, en Salta,
fuimos de noche a cazar vizcachas y ranas,
y la conversación se apagó con el fuego del asado,
abrumados como estábamos por el cielo negro
y estrellado.
Nerviosamente encendíamos y apagábamos las linternas
hasta quedarnos sin pilas.
Tampoco puedo explicarme por qué sueño con pilas de linternas,
con pilas para radios a transistores.
Ni por qué sueño con lamparitas de luz,
delicadamente guardadas en sus cajas respectivas.
Ni por qué me sorprendo mirando el filamento roto
de una lamparita quemada.
Nunca he visto...
nunca he podido imaginarme
la lluvia cayendo sobre la Gran Salina.
Yo no tengo objetivos pero me gusta objetivar.
Desde chico intenté cortar una gota de agua en dos
(con una tijera).
Aún hoy intento,
apartando las cosas de la mesa
o ahuyentando amigos,
imitar, imaginarme, la lluvia sobre la Gran Salina.
Tomo una plancha caliente y le salpico gotas de agua.
Pero aunque pueda imaginarme todo,
nunca podré imaginarme
el olor a salina mojada.
Anoche llegué a mi casa a las tres de la mañana.
En la oscuridad, tropecé con un mueble...
y allí nomás me quedé pensando
en lo que no quería pensar...
en lo que creía bien olvidado!
Pero en realidad me estaba escapando
del sueño estremecedor de la Gran Salina.
Y ahora me interrogo a mí mismo
como si estuviera preso y declarara:
"La Gran Salina o Salina Grande
está situada al norte de Córdoba,
cerca (o dentro, no recuerdo)
del límite con Santiago del Estero."
Estoy mirando el mapa...
pero esto no explica nada.
La caja de fósforos queda vacía
a las cuatro de la mañana
y yo me palpo a mí mismo, desesperado,
con el cigarrillo en la boca...
Habría que inventar el fuego, pensarían algunos.
Yo en cambio pienso en los reflejos del tren
que pasa de noche junto al río Salado.
No puedo dormir cuando viajando de noche
sé que tengo a mi derecha
el río Salado.
Paro aún así sigo escapando del gran misterio...
del misterio de la sal inagotable de la Gran Salina.
Recuerdo cuando arrojábamos impunemente naranjas chupadas
al espejo ciejo y enceguecedor de la Gran Salina.
A la siesta, cuando la resolana enceguece más que el sol.
Esperábamos llegar a Tucumán a las siete
y a las dos de la tarde tuvimos que cambiar una rueda
junto a la Gran Salina.
Un diario volaba por el aire...
el sol calcinaba las arrugadas noticias del mundo
del diario que caía sobre la Gran Salina.
Y vi pasar varios trenes
y hasta un jet...
Los pasajeros de los Caravelle
o de los Bac One-Eleven,
no saben que esa mancha azulada,
que a lo mejor están viendo en este mismo momento,
desde ocho mil metros de altura,
esa mancha azulada que permanece durante escasos minutos,
es la Gran Salina,
la Salina Grande.
Pero el jet anda muy alto.
La Gran Salina no conoce su sombra que pasa.
Los pasajeros del jet duermen...
se sienten muy seguros.
En el jet no hay paracaídas.
Los jets no caen. Explotan.
Hace unos años,
un avión que no era un jet volaba, creo, sobre Santa Fe.
De pronto se abrió una puerta
y una camarera tuvo que obedecer calladita
a las sagradas leyes de la física,
y demostrar su inequívoco apego a la ley de la gravedad.
Una ley dura como las piedras metidas en la boca de Demóstenes
que, según dicen, hablaba mucho.
Aquí hay que hacer un minuto de silencio.
Primero, por la dócil camarera sin cama del avión.
Después, por las palabras muertas,
muertas por no decir nada...
misterio, por ejemplo,
que sirve para no explicar lo inexplicable,
lo que yo siento cuando pienso en la Gran Salina,
lo que traté de no pensar un día que caminaba por la Gran Salina
tratando de distraerme y de no pensar dónde estaba,
escuchando una canción de Leo Dan
que pasaba LV12 Radio Aconquija
y el Concierto en sol de Ravel por la filial de Radio Nacional.
¿Qué pensaría Ravel, el finado,
si caminara como yo en ese momento
por la Gran Salina.
Ravel, púdico sentimental,
te imagino tocando el piano que hoy vi colgado
entre el piso 12 y el piso 13.
Sí, pobre Ravel de 1932
con un tumor en la cabeza que ya no lo dejaba componer.
Ravel tocando solo,
de noche (pero eso sí, absolutamente solo)
los "Valses nobles y sentimentales" en medio de la Gran Salina.
Estoy seguro que se hubiera interrumpido
al escuchar el silbato lejano de la locomotora,
para ver el haz de luz a la distancia
y la penumbra sobre la Gran Salina.
Días pasados fui al Hospital.
Hace años yo andaba por allí,
despreocupado y con mi guardapolvo blanco.
Pero ahora, de simple paciente,
sentí el ruidito angustioso
!Trank!
de la máquina de sacar radiografías.
!Y que pase otro! gritó el enfermero.
Pero el otro no podrá explicarme
por qué tengo sed,
por qué voy detrás del agua cautiva de la botella
y de la sal capturada en el salero,
yo, tan luego yo,
capturado en el sueño de la Gran Salina.
Un amigo, alto funcionario estatal,
me ofreció su pase libre para viajar por todo el país.
Total, me dijo, es un pase innominado,
cualquiera lo puede usar...
si se lo presto.
El pase sin nombre me deslumbró
como la marca de la cubierta que leí y releí
cuando cambiábamos la rueda junto a la Gran Salina.
Pero después pensé en Tucumán
(mi segunda provincia)
y en las vértebras azules del Aconquija
horadando las nubes blancas.
Ahora me entero que mi amigo,
el del pase sin nombre,
se separó de la mujer.
Aquí me callo...
Pero el silencio me hace pensar ahora
en lo que no quise pensar cuando miré el pase sin nombre que me ofrecían,
en lo que dejé de pensar hace un momento...
cuando vi pasar el ascensor con una mujer silenciosa
que no me quiso llevar.
Olvidemos el ascensor perdido
y pensemos de nuevo, de frente, en la sal
(cloruro de sodio)
y en el misterio...
Pero como nada es misterio
hagamos una traducción de apuro:
miss Terio
o miss Tedio
o chica rodeada de teros asustados
o algo por el estilo.
Pero no hay distracción que valga.
El ayudante de cocina del vagón comedor
se rasca la cabeza de tanto en tanto
pero sigue pelando papas sin distraerse
en el tren que se acerca a la Gran Salina.
Y el ascensor perdido con la mujer silenciosa
sigue recorriendo kilómetros entre la planta baja
y el piso quince.
El sastre de enfrente que ya comió
se asoma a tomar aire con el metro colgado en el cuello.
Yo pienso en comer, como se ve...
Son exactamente las 14 horas, 8 minutos, 30 segundos.
Y también, no sé por qué,
pienso en el acorazado de bolsillo Graf Spee
que en los comienzos de la última guerra
se suicidó antes que su capitán
frente a Punta del Este.
El Graf Spee yace a treinta metros de profundidad.
Ya nadie se acuerda de él.
Ni siquiera los hombres-rana
que bajaron a explorar sus entrañas.
Pero hasta los hombre-rana
salen a comer a mediodía.
Y a veces, para comer,
sólo se quitan las antiparras y los tubos de oxígeno.
Todavía hay gente que se asombra viendo comer a esos hombres...
con patas de rana.
Los hombres-rana reclaman al mozo la sal que se olvidó!
Dale!... Dale!
Hoy almuerzo con amigos
(si es que no se fueron).
Miraré de costado la sal y pediré pimienta en vez,
porque tengo miedo de quedarme callado,
ya se sabe por qué.
No quiero quedarme callado
ni distraerme,
ya se sabe por qué.
En realidad no se sabe nada
del sueño de la pilas,
de la lluvia sobre la sal,
de la chica del ascensor,
del sastre asomado con el metro colgado
o del tren que pasa de noche indiferente
junto a lo que ya se sabe
y no se sabe.
....................................................
....................................................
....................................................
Hace años creía
que "después del almuerzo es otra cosa"...
es decir que las cosas son otras
después del almuerzo.
Este poema (llamémoslo así),
partido en dos por el almuerzo
y reanudado después, me contradice.
No comí postre.
!Siento la boca salada!
Pero no voy a insistir.
El domingo pasado,
en casa de un amigo poeta,
conocí a un chileno novelista e izquierdista
que se fue a Pekín y que, posiblemente,
no vuelva a ver en mi vida.
Tímidamente, entre cinco porteños y un chileno izquierdista,
metí una frase de Lautréamont
que como buen franchute es uruguayo
y si es uruguayo es entrerriano.
Una frase (salada) para terminar (o interrumpir) este poema:
"Toda el agua del mar no bastaría para lavar una mancha de sangre intelectual"
Gustavo Darío López Bahía Blanca, Argentina.1959. Trabaja desde 1982 en la coordinando acciones de gestión cultural en distintos organismos e instituciones. Desde 1995 dirige la revista-objeto VOX y la colección de libros de poesía ediciones VOX. Es artista plástico y curador. E-mail: senda@criba.edu.ar
22 fevereiro 2009
Márcio-André à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
Um espaço de tempo não maior que o clarão de um relâmpago, mas que abrange todo o universo de uma só vez, arrebatando o que estiver à volta.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
1. Leitura. É preciso ser um leitor, sempre, mesmo quando se escreve. Portanto, é preciso ler muito. Ler odiando o que ama e amando o que odeia. Este é o exercício da diferença. Mas, sobretudo, ler o que ninguém mais quer ler. É ali, no espaço do esquecimento, que alguns universos se abrem mais verdadeiros.
2. Dúvida. Duvidar do que se acredita é fundamental. A obra de arte é o espaço para se fazer o que duvida, não o que se gosta (o que não impede que possamos amar a dúvida). Um auscultômetro interno é muito útil, e se calibra com a seguinte pergunta: "Sonhar para dentro das coisas ou permanecer num simulacro de si mesmo"? É só duvidando do próprio eu que podemos, enquanto outro, ser poetas, ao contrário do senso comum, no qual poeta é aquele que impõe, de maneira irresponsável e agressiva, a sua subjetividade ao outro.
3. Paciência. Para ser poeta é preciso ser minimamente sábio – "ser sábio é ser feliz". Na sociedade em que vivemos, a poesia foi assimilada de forma estranha, abrindo mão do que ela tem de mais virulento. Todos querem ser poetas, mas poucos são aqueles que querem saber o que isso significa, pois tal questionamento não traz respostas imediatas nem precisas, frente ao imediatismo que se busca no mundo de hoje. O sistema de bens de consumo exige compensação por tudo, mas a poesia não pode ser contaminada por essa lógica. É preciso atacar com a arma mais violenta da própria poesia contra o sistema: paciência. Concentrar-se no trabalho e no caminho sem se preocupar com a reta de chegada. Eis a maior das virtudes.
4. Ousadia. Ousar de maneira que nada ou ninguém jamais permaneça impassível diante do que escreve. Ousar é simples: basta, na escrita, corresponder aos apelos do mundo e não ao que as institucionalizações da poesia determinaram como a escrita deve se dar. Ousar é dizer o mundo como ele realmente surge – e esse surgimento é sempre um ressurgimento e se dá a todo instante de maneira diferente – e não o que se convencionou a dizer dele. Ousar é trazer realidades ainda não sonhadas. Só assim podemos levar as coisas ao seu extremo e ao seu fundo.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Dentre tantas obras que gostaria de citar, enumero as mais icônicas:
Fernando Pessoa: O guardador de rebanhos – por ter me ensinado a duvidar
Allen Ginsberg: O uivo - por ter me ensinado a acreditar
Murilo Mendes: O menino experimental - por não ter me ensinado nada
Márcio-André é poeta, tradutor, ensaísta, performer, compositor e editor da Revista Confraria do Vento. Publicou os livros Movimento Perpétuo (2002), Intradoxos (2007) e Ensaios Radioativos (2008). Com seu trabalho de poesia sonora, fez apresentações solo em São Paulo, Rio de Janeiro, Ouro Preto, Belo Horizonte, Coimbra, Paris, Buenos Aires, Conventry e Londres. Realizou também uma performance na cidade fantasma de Chernobyl, na Ucrânia, se tornando o primeiro poeta radioativo do mundo. Em 2008, recebeu o prêmio Bolsa Fundação Biblioteca Nacional. Atualmente, é poeta residente em Monsanto, Portugal, onde dá um curso de extensão na Universidade de Coimbra. Email: marcio-andre@confrariadovento.com site: www.marcioandre.com
20 fevereiro 2009
Floriano Martins à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
O mais absoluto estado de entrega ao mundo.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Errar, errar intensamente. Não há melhor escola. Deve perseguir o erro obsessivamente, até alcançar a sua outra margem, o que evidentemente não lhe dará garantia alguma de que um novo erro não se produza. Porém cuidar, com grau igual de obsessão, para não repetir erro algum, por maior que seja. Bom, mas como conselho não é coisa que se dê...
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
A opera-rock 200 Motels, do Frank Zappa, ainda na adolescência, foi algo de grande impacto para mim, o ambiente operístico mesclado ao teatro do absurdo. Outra leitura marcante foi The dark Knight, o Batman na versão do Frank Miller, não só pela recriação do personagem como também pela estrutura do comic, com todo aquele tratamento de crônica policial e reportagem jornalística. O Balcão, de Jean Genet, completa a trilogia, pela ousadia cênica, as dificuldades que impunha à sua montagem. Foram três grandes impactos aos quais não correspondeu jamais a leitura de um só poema.
Floriano Martins (Fortaleza, 1957). Poeta, editor, ensaísta e tradutor. Tem se dedicado, em particular, ao estudo da literatura hispano-americana, sobretudo no que diz respeito à poesia. Foi editor do jornal Resto do Mundo (1988/89) e da revista Xilo (1999). Em janeiro de 2001, a convite de Soares Feitosa, criou o projeto Banda Hispânica, banco de dados permanente sobre poesia de língua espanhola, de circulação virtual, integrado ao Jornal de Poesia. Críticas sobre sua obra, assim como entrevistas com o poeta, têm sido publicadas no Brasil e no exterior.
Igualmente extensa tem sido sua trajetória de colaboração à imprensa, através de artigos sobre música, artes plásticas e literatura. Organizou algumas mostras especiais dedicadas à literatura brasileira para revistas em países hispano-americanos: “Narradores y poetas de Brasil” (Blanco Móvil, México, 1998), “La poesía brasileña bajo el espejo de la contemporaneidad” (Alforja, México, 2001), “Poesía brasileña” (Poesia, Venezuela, 2006), e “Letras del Brasil” (El Búho, Ecuador, 2007). Também organizou a mostra “Poesia peruana no século XX” (Poesia Sempre, Brasil, 2008), ao mesmo tempo em que foi co-responsável pelas edições especiais “Poetas y narradores portugueses” (Blanco Móvil, México, 2003), “Surrealismo” (Atalaia Intermundos, Lisboa, 2003) e “Poetas y prosadores venezolanos” (Blanco Móvil, México, 2006).
Em maio de 2000 realizou o espetáculo Altares do Caos (leitura dramática acompanhada de música e dança), no Museu de Arte Contemporânea do Panamá. Um ano antes também havia realizado uma leitura dramática de William Burroughs: a montagem (colagem de textos com música incidental), na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo; e posteriormente a mostra Teatro Impossível, reunindo leitura de poemas, canções, colagens e fotografias (Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, 2006). Esteve presente em festivais de poesia realizados no Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Espanha, México e Venezuela.
Dentre seus livros de poesia mais recentes, encontram-se Tres estudios para un amor loco (trad. Marta Spagnuolo. Alforja Arte y Literatura A.C. México, 2006), Duas mentiras (Projeto Dulcinéia Catadora. São Paulo, 2008), e Teatro Imposible (trad. Marta Spagnuolo. Fundación Editorial El Perro y la Rana. Venezuela, 2008). Juntamente com Lucila Nogueira, organizou e traduziu o volume Mundo mágico: Colômbia (Poesia colombiana no século XX) (Edições Bagaço. Pernambuco, 2007), também sendo autor de Un nuevo continente (Antología del surrealismo en la poesía de nuestra América) (Monte Ávila Editores. Venezuela, 2008).
Curador da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará. Juntamente com Claudio Willer, dirige a revista Agulha (www.revista.agulha.nom.br) - Prêmio Antonio Bento (difusão das artes visuais na mídia) da ABCA/2007.
18 fevereiro 2009
Virna Teixeira à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
Uma tensão entre linguagem, silêncio e música.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Concentrar-se na sua verdade, na sua técnica, de forma autêntica. Deve informar-se, escolher boas leituras que lhe sirvam de exemplo, com as quais tenha afinidade. Exercitar-se constantemente, questionar o próprio trabalho.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
3 poetas: Lorine Niedecker, pela concisão e musicalidade (Lorine foi a Emily Dickinson da sua época), o escocês Edwin Morgan pela sua versatilidade e inventividade, e pelo seu trabalho extraordinário como tradutor e Ana Cristina César, pela audácia e criatividade – leio a Ana Cristina desde a década de 80 e sempre encontro referências novas no seu trabalho, surpreendentes.
3 livros: Destruição do pai/ reconstrução do pai, de Louise Bourgeois – um eterno aprendizado emocional e formal; Devil’s playground, da fotógrafa Nan Goldin – não me canso da força e da intensidade de suas imagens e qualquer texto de Gertrude Stein – pela forma que lida com a linguagem, por sua inteligência e ironia.
Virna Teixeira nasceu em Fortaleza em 1971, formou-se em Medicina pela UFC, com residência médica em Neurologia pela USP. Publicou Visita (2000) e Distância (2005) pela 7Letras e os livros de tradução Na Estação Central, uma seleção de poemas do escocês Edwin Morgan (Editora UnB, 2006), Ovelha Negra, uma antologia de poesia da Escócia (Lumme Editor, 2007), e Livro Universal, do poeta chileno Héctor Hernandez Montecinos, em parceria com Vanderley Mendonça (Demônio Negro, 2008). Tem dois livros publicados no exterior: Distancia (Lunarena Editorial, México, 2007) e Fin de Siècle (Editorial Universidad de La Plata, Argentina, 2007), Edita na internet o blog Papel de Rascunho: http://www.papelderascunho.net E-mail: virnagontei@yahoo.com.br
16 fevereiro 2009
Marco Aqueiva à quema-roupa
1) O que é poesia para você?
Para mim, poesia é sempre uma palavra virtual que reinaugura origens e visão, reengendra outros mundos, materializa o possível, como já dizia o sábio estagirita. Na direção do fazer, conhecimento e expressão, gesto, logos e mito, um dinamismo que converte o amorfo em forma, a beira em figura inteira, em que emerge o ignorado outro, nós mesmos com toda sua rutilância de brilhos e fezes. Lótus miraculoso.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Não desperdiçar seu tempo contemplando sua própria face sem desencantar-se consigo mesmo. É preciso vestir-se com admiração aos e pelos clássicos. Por clássicos entenda-se os que despiram-se à frente do espelho e, com toda a nudez necessária, refizeram com toda obsessão, incorporação e fatalidade sua voz. Rasgar suas vestes iniciais vezes sem conta e no limite do reflexo alheio descobrir-se. É tarefa para muitos anos e voltas, embrulhos e gramáticas, até chegar ao enovelado lado de dentro de sua própria voz.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Sabe-me a literatura que pratico tão a sebastianismo racionalizante de um Fernando Pessoa dos heterônimos quanto a das Metamorfoses de um Murilo Mendes. Sei-me tanto a Sá-Carneiro de Dispersão quanto a engenheiro João Cabral.
Marco Aqueiva é o nome literário de Marco Antonio Queiroz Silva, vencedor do III Prêmio Literário Livraria Asabeça, na categoria Poesia, com Neste Embrulho de Nós. Atua presentemente no magistério do ensino superior como professor de literatura e coordenador de curso. É editor associado do portal da UBE União Brasileira de Escritores e idealizador/editor do Projeto Valise 2008. http://aqueiva.wordpress.com/ E-mail: marcoaqueiva@yahoo.com.br
14 fevereiro 2009
Rodrigo Petrônio à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
Em uma entrevista recente, Yves Bonnefoy diz que, quando jovem, responderia a essa pergunta longamente. Hoje, preferiria o silêncio. Entre a resposta e o quase-silêncio, vejo a poesia como o lado terrível da inocência. Penso nela como uma busca obsessiva de superar toda a contingência. Por isso, a poesia atravessa os limites do instituído até quebrar os seus diques. Essa é sua proximidade essencial com a loucura. O olhar radicalmente inocente é o olhar que se vê e vê tudo de fora. O poeta ama o mundo na mesma proporção em que se sente completamente alheio a ele. Esse paradoxo funda a poesia. É a emoção poética mesma.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Ele deve escrever para a poesia, nunca para o poema, para o público ou para si mesmo. Essa é uma maneira de atingir outro lado da vida e da linguagem. Para isso, é preciso fazer a travessia. Mas isso não é possível explicar. Eu mesmo sinto que apenas comecei a minha.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que estas escolhas?
Pensando na poesia mais recente, ou seja, do último século e meio, em vez de três poetas e três textos, prefiro mencionar três famílias de poetas que admiro. Em primeiro lugar, penso nos órficos, nos poetas da Iniciação, acima de tudo Rilke. Em segundo, nos poetas da Terra: Saint-John Perse, Herberto Helder, Rimbaud, Whitman, Lorca. E em terceiro, nos poetas do Negativo: Trakl, Benn, Celan, Bernhardt, Pessoa. Esse tem sido meu alimento nos últimos anos. Sinto que grande parte do meu interesse pela poesia está em autores dessas naturezas.
Rodrigo Petrônio nasceu em 1975, em São Paulo. É editor, escritor, professor e pesquisador. Formado em Letras Clássicas e Vernáculas pela USP. Professor e coordenador da Academia Internacional de Literatura (AIL) e do Centro de Estudos Cavalo Azul, fundado pela poeta Dora Ferreira da Silva, bem como coordenador de grupos de leitura do Instituto Fernand Braudel. Trabalha no mercado editorial há mais de dez anos, e atualmente presta serviços para diversas editoras, sobretudo na área de livros didáticos e infanto-juvenis. Colabora para diversos veículos da imprensa. Recebeu prêmios nacionais e internacionais nas categorias poesia, prosa de ficção e ensaio. Tem poemas, contos e ensaios publicados em revistas nacionais e estrangeiras. Participou de encontros de escritores em instituições brasileiras e em Portugal. É autor dos livros História Natural (poemas, 2000), Transversal do Tempo (ensaios, 2002) e Assinatura do Sol (poemas, 2005), este último publicado em Portugal, e organizou com a poeta Rosa Alice Branco o livro Animal Olhar (Escrituras, 2005), primeira antologia do poeta português António Ramos Rosa publicada no Brasil. É membro do conselho editorial da revista de filosofia, cultura e literatura Nova Águia (Lisboa). Lançou, pela editora A Girafa, o livro de poemas Pedra de Luz, finalista do Prêmio Jabuti 2006. Foi congratulado com o Prêmio Academia de Letras da Bahia/Braskem de 2007, com a obra Venho de um País Selvagem, que será publicada em 2009. Contato: rodrigopetronio@gmail.com
12 fevereiro 2009
Laure Limongi à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
Avant tout, une vaste question!
Pour moi, la poésie est question (des formes, des émotions) mais surtout pas réponse.
Comme l’écrit l’écrivain français Francis Ponge dans Comment une figue de paroles et pourquoi (1977): «Je ne sais pas du tout ce que c’est la poésie, mais assez bien ce que c’est qu’une figue.»
Je pourrais très bien décrire ce qu’on m’a désigné comme «poésie» tout au long de mon parcours scolaire et en tirer une définition. Mais pour moi, la poésie n’est pas circonscrite, justement, par des éléments formels. Dans mon propre travail, par exemple, ce qui m’intéresse, c’est de confronter la poésie à d’autres genres, le roman, en particulier. De sorte que je suis bien en peine de définir la nature de mes écrits…
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Je n’aime pas les postures prescriptrices, à vrai dire… J’imagine que quelqu’un qui décide de se consacrer à la poésie sait ou sent ce qu’il doit poursuivre.
Selon moi, la sincérité de sa posture est essentielle: la nécessité du faire. L’évidence de la forme. Être entièrement dans le processus que l’on crée. Ne pas se laisser influencer par la mode, les désirs des éditeurs, le sens du vent… Mais tracer sa route en sentant que c’est bien sa propre route que l’on trace.
Évidemment, les lectures sont importantes, toutes les influences sont importantes, littéraires, musicales, plastiques, quelles qu’elles soient… Mais il faut rapidement franchir la frontière qui sépare le lecteur/écrivant (figé par la fascination, ressassant plus ou moins ses lectures) de l’écrivain.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
1- Un poème de Jodelle (1532-1573), tiré du recueil Les Amours:
«Comme un qui s'est perdu dans la forest profonde
Loing de chemin, d'orée et d'adresse, et de gens:
Comme un qui en la mer grosse d'horribles vens,
Se voit presque engloutir des grans vagues de l'onde:
Comme un qui erre aux champs, lors que la nuict au monde
Ravit toute clarté, j'avois perdu long temps
Voye, route, et lumiere, et presque avec le sens,
Perdu long temps l'object, où plus mon heur se fonde.
Mais quand on voit, ayans ces maux fini leur tour,
Aux bois, en mer, aux champs, le bout, le port, le jour,
Ce bien present plus grand que son mal on vient croire.
Moy donc qui ay tout tel en vostre absence esté,
J'oublie, en revoyant vostre heureuse clarté,
Forest, tourmente, et nuict, longue, orageuse, et noire.»
Ce poème exerce une étrange fascination sur moi, depuis longtemps, sans que je puisse vraiment l’expliquer. Peut-être son atmosphère, l’utilisation de la répétition et des assonances, le fait que, s’inscrivant dans une forme stricte, réglementée (le sonnet), il l’excède et la transcende.
Parenthèse: le poète français Christophe Tarkos semblait également aimer ce sonnet puisqu’il le cite dans son livre Processe: http://www.pol-editeur.fr/catalogue/fichelivre.asp?Clef=6231
2- Le travail poétique de Francis Ponge (1899-1988). J’aurais bien du mal à choisir un seul de ses poèmes… Pour moi, il y a un avant et un après Le Parti pris des choses (1942). Cette œuvre s’attache à décrire des objets, dans un travail vertical de la langue qui en faire ressortir l’histoire, l’étymologie. «Parti pris des choses = compte tenu des mots.»
Et puis la notion d’«objeu», aussi (contraction d' «objet» et «jeu») – illustrée dans La Rage de l'expression (1952). La parole est comme une «obsession», les répétitions et les variantes se lisent comme la preuve du mouvement perpétuel tendant à l'infini de l'écriture, montrant ainsi que la création a pour corollaire indispensable l’absence d’achèvement – «Ne cherchez pas mes brouillons, ils sont tous imprimés.» Mais le corollaire de l’«objeu» et l’ «objoie» (contraction d' «objet» et «joie»), c’est-à-dire, la jouissance de l’écriture.
3- L’œuvre de Denis Roche (né en 1937), à la fois poétique, «romanesque» (si l’on peut dire, la question du genre est délicate chez Denis Roche) et même son travail photographique. Tous ces éléments participent d’une esthétique fondamentale, hors genre, justement. Parmi les œuvres de Denis Roche, Louve basse (1976), m’a particulièrement marquée. Concrétion emportée d’éléments hétérogènes qui se coltine la mort à bras le corps, dans une frénésie physique, sexuelle, crue, une Vanité des temps modernes terriblement audacieuse.
Laure Limongi est née en 1976 à Bastia et vit à Paris. Elle a publié cinq livres: Éros Peccadille (Al Dante, 2002), Je ne sais rien d’un homme quand je sais qu’il s’appelle Jacques (AL Dante, 2004), La Rumeur des espaces négatifs (avec Thomas Lélu, Éditions Léo Scheer, 2005), Fonction Elvis (Éditions Léo Scheer, 2006), Le Travail de rivière (Dissonances, 2009). Elle publie également en revues et collectifs ainsi qu’en tant que critique, notamment sur le site Cronòpios. Elle dirige la collection Laureli aux Éditions Léo Scheer (www.leoscheer.com)
Blog de création: www.rougelarsenrose.blogspot.com
Email: laurelimongi@gmail.com
10 fevereiro 2009
Elisa Andrade Buzzo à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
Poesia é um conceito volúvel. No momento posso dizer que é um modo de enxergar a vida ou aquilo que posso criar, me expressando em poema ou prosa, a partir do que o mundo me revela.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira
Um iniciante no fazer poético a princípio não tem deveres, mas deveria fazer o que sua impulsão pedir. No entanto, pode ser útil observar muito, saber reler e cortar um texto, ler autores clássicos. Também é interessante ter uma idéia de como sua escrita está inserida na contemporaneidade.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Paulicea Desvairada, de Mário de Andrade (porque com ele comecei a vislumbrar as possibilidades de poesia sobre São Paulo e a querer estudar literatura)
A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade (porque com ele aprendi a ser doce e austera diante do nosso mundo)
Cânticos, de Cecília Meireles (porque com ela aprendo a mostrar o mundo interior e o lirismo)
Elisa Andrade Buzzo nasceu na cidade de São Paulo em 1981. É jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Depois de seu primeiro livro de poesias, Se lá no sol (Rio de Janeiro, 7Letras, 2005), seus trabalhos apareceram em antologias no Brasil e exterior como Oitavas (São Paulo, Demônio Negro, 2006), Cuatro poetas recientes del Brasil (Buenos Aires, Black&Vermelho, 2006), Caos portátil, poesía contemporánea del Brasil (Cidade do México, El Billar de Lucrecia, 2007, Antologia Vacamarela (São Paulo, 2007) e Poesia do dia – poetas de hoje para leitores de agora (São Paulo, Ática, 2008).
Teve poemas publicados em revistas e suplementos literários como Revista Viento en Vela, Poesia Sempre, Revista de Autofagia, Claudia, pisc!, DiVersos, Originais Reprovados, Rattapallax e Suplemento Literário de Minas Gerais. Na internet seus poemas podem ser encontrados nas revistas online Germina Literatura (http://www.germinaliteratura.com.br) e sèrieAlfa (http://www.seriealfa.com).
Co-edita a revista de literatura e artes visuais Mininas. Na internet, mantém o blog Calíope (http://caliope.zip.net) e uma coluna no Digestivo Cultural (http://www.digestivocultural.com). Email: elisabuzzo@gmail.com
08 fevereiro 2009
Fabiano Calixto à queima-roupa
1. O que é poesia para você?
A arte da vida. A arte da palavra. Uma gaúcha linda por quem estou apaixonado. Na verdade, as três coisas juntas. O resto é literatura.
2. O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Deve perseguir a leitura incessante e crítica. Desconfiar das “bulas estéticas”, dos mestres da literatura universal, dos críticos e da própria poesia. Ser desconfiado e curioso como um detetive de HQ noir.
3. Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Charles Baudelaire, Murilo Mendes e Chico Buarque. Porque são os poetas que fazem chover no endomingado piquenique, que encantam, não só pela surpresa, mas pela extrema beleza de suas obras. Porque operam imensas revoluções nas coisas da vida.
*
“The man with the blue guitar” (Wallace Stevens): É um poema que tem um fôlego raro, musical, que propõe novos modo de respiração e que emociona o coração e o cérebro.
The Cantos (Ezra Pound): A liberdade e a inteligência numa aglutinação perfeita.
Galáxias (Haroldo de Campos): Porque nos ensina a ler.
FABIANO CALIXTO nasceu em Garanhuns, PE, em 8 de junho de 1973. Cursa mestrado em Letras na USP. Publicou os seguintes livros de poesia: Algum (edição do autor, 1998); Fábrica (Alpharrabio Edições, 2000); Um mundo só para cada par (Alpharrabio Edições, 2001) – este com Kleber Mantovani e Tarso de Melo; Música possível (CosacNaify/ 7Letras, 2006) e Sangüínea (Editora 34, 2007). Publicou também o livro de poemas infantis Pão com bife (Edições SM, 2007). Organizou, com André Dick, o livro de crítica A linha que nunca termina – Pensando Paulo Leminski (Lamparina, 2005). Tem poemas publicados em vários jornais e suplementos do Brasil e do exterior. Traduziu poemas de León Félix Baptista, Jim Morrison, Gonzalo Rojas, Guillaume Apollinaire, Charles Olson, John Lennon, Allen Ginsberg. Traduz atualmente a obra de Benjamin Prado. Edita, com Angélica Freitas, Marília Garcia e Ricardo Domeneck, a revista de poesia Modo de Usar & Co. Prepara Nominata morfina, sua próxima coletânea de poemas.
06 fevereiro 2009
Flávia Rocha à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
É uma forma única de se ligar a uma sensibilidade mais profunda. Há séculos e até milênios as pessoas recorrem à poesia como forma de expressão interior. Lendo e escrevendo poesia, eu me sinto ligada à essa corrente humana e histórica, e me realizo intelectualmente e emocionalmente.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Deve ler muito, claro, instrumentalizar-se. A poesia exige um grau técnico refinadíssimo, que só é possível alcançar quando nos dedicamos profundamente ao seu estudo e entendimento. Mas essa paixão pela poesia é tão real quanto mais natural, e não exige esforço -- o importante é seguir o seu coração, acreditar na sua sensibilidade e seguir os seus impulsos.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
São muitos os poetas e poemas. Nem todos os poemas de um mesmo poeta me tocam da mesma maneira. Já li coisas incríveis de Cecília Meireles, por exemplo, e outras que não me interessam da mesma maneira. Cito, em língua portuguesa, Cecília Meireles, Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade (mas como fazer isso sem incluir Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e tantos outros?!). Poetas de que gosto muito, em geral, em outras línguas: Rainer Maria Rilke, Paul Celan, Elizabeth Bishop, Eugenio Montale, John Ashbery, Anna Ahkmatova, Emily Dickinson, e muitos, muitos, muitos outros. Amo-os todos por suas técnicas impecáveis e por seus vôos profundos.
Flávia Rocha nasceu em São Paulo em 1974. Jornalista, trabalhou nas redações das revistas Bravo!, República e Carta Capital, e atualmente colabora com Casa Vogue, entre outras publicações. É autora do livro de poemas "A Casa Azul ao Meio-dia" (Travessa dos Editores, 2005). Tem mestrado em Criação Literária pela Columbia University e é uma das editoras da revista literária americana Rattapallax. Editou antologias de poesia brasileira para as revistas Rattapallax (EUA), Poetry Wales (País de Gales) e Papertiger (Austrália). Fundou, com Steven Richter, a Academia Internacional de Cinema (www.aicinema.com.br), onde desenvolveu e coordena o curso de Criação Literária. No momento prepara seu segundo livro de poemas.
04 fevereiro 2009
Sérgio Medeiros à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
A poesia que eu faço é a descrição de algo, animado ou inanimado, sem acréscimo de comentários. Ela nasce, pois, da observação, como sucede, acredito, no hokku (ou haiku). Como sucede também na poesia de Ponge, um dos meus favoritos. Tenho um apreço especial pelos vegetais e pelos inumanos em geral: insetos, monstros, fantasmas, robôs, etc. Lembro que, para Kafka, observar um objeto é uma forma leiga de oração. Ele praticava isso, e eu também pratico. Então, a poesia para mim é uma oração leiga, mas é também outra coisa. A poesia é sempre "outra coisa", daí sua vitalidade. Segundo Jean-Luc Nancy, teórico francês, a poesia é por essência mais do que a própria poesia, e também outra coisa. A poesia não coincide com ela mesma, e é essa "impropriedade essencial" que a faz exatamente poética.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Eu só comecei a escrever com regularidade quando descobri um "método". E, no meu caso, essa descoberta aconteceu tardiamente, na idade madura, por assim dizer. O meu método consiste em tomar notas, em caderninhos, daquilo que vejo ao meu redor. Faço isso, diariamente, desde 2001, quando publiquei meu primeiro livro, Mais ou menos do que dois. Tenho hoje dezenas de cadernos recheados de pequenas descrições, que chamo "descritos". À moda oriental, reúno esses descritos e crio um poema longo, descritivo, ou os publico sozinhos, de forma independente. Então, levando em conta a minha experiência, penso que o iniciante deve buscar um método, e o método, uma vez encontrado, significa a possibilidade de escrever poemas com uma marca pessoal inconfundível. Não é o "eu" que importa, inicialmente, mas o método, o procedimento, que é, também, um ritual, além de ser uma disciplina, é claro.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Poetas fundamentais para mim são, nessa ordem, Mallarmé, Cage e Augusto de Campos. Quando leio Mallarmé, percebo na obra dele tudo o que fazemos hoje e o que faremos amanhã. Ele se antecipou ao novo século e, de certa forma, criou o hipertexto, ao misturar palavra, imagem, voz etc. Cage, por sua vez, dialogou com o oriente, sobretudo com o zen, atitude que me é cara. Eu sigo os passos dele. Gosto imensamente da maneira como ele usa formas poéticas básicas ou elementares, como o mesóstico, para criar poemas surpreendentes e inovadores. Também é um grande leitor de poesia, suas performances são as mais estimulantes que conheço. Finalmente, Augusto de Campos é autor de um poema, "Código", que é o meu talismã. Nesse poema, que é uma mola, afundamos no código, mas, ao mesmo tempo, sabemos que, graças a esse gesto, seremos arremessados para o alto, para uma nova época, para o novo poema. Acho que Augusto faz, ele mesmo, "o novo poema", embora eu não siga a sua regra e até chegue, às vezes, a ler bastante criticamente sua produção. É claro, "o novo poema", seja de quem for, sempre será polêmico. Mas eu o admiro muitísismo. Então, para encerrar, citarei três textos fundamentais: "Um lance de dados", de Mallarmé, os diversos mesósticos, de Cage, e "Código", de Augusto de Campos. Se me permitirem um acréscimo, citarei ainda o "Popol Vuh", poema maia repleto de metamorfoses que eu leio com imenso prazer e proveito. Minha poesia, acredito, é muito influenciada pelos mitos indígenas ameríndios, que são ricos bestiários que questionam as fronteiras lineares e contínuas entre humanos e inumanos. Esse é um dos meus temas.
Sérgio Medeiros nasceu em Bela Vista (MS). É tradutor, tendo vertido para o português, entre outros, o poema maia Popol Vuh (Iluminuras, SP), indicado ao Jabuti, na categoria melhor tradução, e a crônica histórica A Retirada da Laguna (Companhia das Letras, SP), do Visconde de Taunay, texto escrito originalmente em francês. Publicou três livros de poesia: Mais ou menos do que dois (Iluminuras, SP), Alongamento (Ateliê, Cotia/SP) e Totem e Sacrifício (Jakembó, Assunção/Paraguai). Seus poemas já foram traduzidos para o espanhol e o inglês. Seu novo livro de poesia, O Sexo Vegetal, será publicado em 2009, pela editora Letras Contemporâneas, Florianópolis. No momento, finaliza um novo trabalho, Os pós-inumanos, ainda sem previsão de lançamento. Ensina literatura na UFSC e co-edita o site de arte e cultura www.centopeia.net . Colabora na "Folha" e no "Estadão" e no "Cronópios", entre outros. E-mail: panambi@matrix.com.br
02 fevereiro 2009
Sebastião Nunes à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
É a busca do novo em linguagem (no sentido mais amplo do termo), com o máximo de originalidade possivel, mas sem perder de vista a inteligibilidade, já que existem poetas tão originais que nem eles mesmos compreendem o que poetizaram.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
A famosa porta da parábola kafkiana, aquela que só existe para uma pessoa, que só será aberta por ela e que será fechada para sempre se essa pessoa não conseguir abri-la. Encontrar a chave é a maneira e a busca.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
1) José Paulo Paes, pelo poema "Anatomia da musa". Um poema da maior simplicidade, sem qualquer rebuscamento, que me abriu as portas da percepção poética intersemiótica e me mostrou o que eu buscava há anos sem enxergar.
2) Allen Ginsberg, pelo poema "Howl". Numa época em que o concretismo dominava a poesia brasileira e em que eu mesmo estava fascinado por sua teoria e prática, Ginsberg me mostrou o outro lado da moeda, o lirismo esparramado. Foi desse conflito de duas poéticas radicais que brotou minha própria poesia.
3) Affonso Ávila, pelo seu livro "Cantaria barroca", um dos mais importantes da poesia brasileira do século XX, e pela sua presença crítica constante, que não deixava nossa turma fazer mais besteiras do que seria razoável.
Sebastião Nunes é ex-poeta e tem 70 anos. Sua poesia está reunida nos dois volumes da "Antologia mamaluca e poesia inédita", de 1988 e 1989, que não serão reeditados em livro, mas apenas transportados para a internet talvez ainda neste ano de 2009. É também autor de prosa experimental, com os livros "Somos todos assassinos", História do Brasil", "Decálogo da classe média" (Altana, São Paulo) e "Elogio da punheta & O mistério da pós-doutora" (Lamparina, Rio de Janeiro). Dirige a Editora Dubolsinho, de literatura infanto-juvenil, sendo autor de vários livros na área. Email: dubolso@uai.com.br
31 janeiro 2009
Antonio Cicero à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
A poesia é o que faz de um “poema” um poema; ou, o que dá no mesmo, é o que faz de um poema um poema bom. Também se pode dizer: é a propriedade do poema enquanto poema. É a propriedade que torna um objeto – em particular, um objeto verbal – algo que, mesmo sendo inútil, mereça existir. Se fosse possível descrever essa propriedade, seria possível dar uma receita de poema. Isso, porém, é impossível. Como diz Montaigne, é mais fácil produzir poesia do que conhecê-la. “Em certa medida baixa”, afirma ele, “pode-se julgá-la pelos preceitos e pela arte [isto é, pela técnica]. Mas a boa, a excessiva, a divina está acima das regras e da razão”. É que a razão é apenas uma das faculdades humanas; ora, a poesia é produzida e apreciada com todas as faculdades humanas, inclusive as não-racionais, elevadas ao seu mais alto grau.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Acho que há diferentes caminhos. Penso, porém, que o mais importante é, em primeiro lugar, aprender a ler e apreciar poesia. E isso se faz através da leitura intensiva dos grandes poemas da tradição. É através deles que se sabe o que é a poesia.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Citarei, por exemplo, Horácio, T.S. Eliot e Drummond. Digamos o poema 7 do livro IV das Odes de Horácio; o poema “East Coker”, de Four quartets, de T.S. Eliot; “Coração Numeroso”, de Alguma poesia, de Drummond. São três obras-primas. Admiro imensamente seus autores. Todos são mestres insuperáveis da forma, da sutileza, da malícia... Horácio, por exemplo, usa todos os recursos da língua, como, por exemplo, a liberdade da ordem das palavras, em latim, para multiplicar maravilhosamente os sentidos de cada verso, de cada palavra, de cada estrofe. Ele é intraduzível, de modo que aprendi a apreciá-lo tarde, quando estudei a sério o latim. Cito T.S. Eliot porque foi através dele que me imbuí, na adolescência, dos ritmos da poesia moderna. E não é necessário explicar a escolha de Drummond. Ele e Pessoa são, para mim, o máximo da poesia moderna em português, e tão grandes quanto qualquer outro poeta, de qualquer outra língua.
Antonio Cicero é autor, entre outras coisas, dos livros de poemas Guardar (Rio de Janeiro: Record, 1996) e A cidade e os livros (Rio de Janeiro: Record, 2002), bem como do tratado filosófico O mundo desde o fim (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995) e do livro de ensaios sobre poesia e arte Finalidades sem fim (São Paulo: Companhia das Letras, 2006). Em parceria com o poeta Waly Salomão, organizou o livro de ensaios O relativismo enquanto visão do mundo (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994) e, em parceria com o poeta Eucanaã Ferraz, a Nova antologia poética de Vinícius de Moraes (São Paulo: Companhia das Letras, 2003). É também autor de diversas letras de música, tendo como parceiros, entre outros, Marina Lima, Adriana Calcanhotto, João Bosco e Lulu Santos. Site: http://www2.uol.com.br/antoniocicero/
29 janeiro 2009
Bárbara Lia à queima-roupa
1) O que é poesia para você?
A poesia é o meu ar. Minha forma de expressão. Meu jeito de dizer e narrar e questionar e transformar a realidade ao redor e assim alumbrar almas. Manoel de Barros fala deste – deslumbrar – que a poesia deve causar. Para mim a poesia se apresentou com muitas faces e de diversas maneiras. Na infância era um assombro em forma de épicos que meu pai recitava pela casa bem como a mãe dele - minha avó fantasmagórica - que tinha o dramático atado ao ombro em fragmentos de Camões e versos de Alan Poe. Não me via capaz de escrever um épico. Eu jamais seria Castro Alves ou Gonçalves Dias, penso que isto distraiu meu destino. Confesso que sentia um fascínio incrível por aquilo e meu pensamento menino, a primeira idéia de – o que vou fazer quando crescer? – era mesmo ser escritora. Narrar belas histórias que tocasse as pessoas, como eu me sentia tocada pelos versos e livros. Décadas de sonho engavetado e a poesia veio ao meu encontro, eu já passava dos trinta e cinco anos - alguns versos rabiscados aos vinte se perderam, um único foi salvo por uma amiga que o guardou por 25 anos. Já vivi meio século e a poesia esteve sempre ao lado. A poesia está em lugares inimagináveis. Posso dizer que ela tornou minha vida suportável.
2)O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Penso que cada qual faz o seu caminho. A poesia é universal, mas, cada poeta é único.
Todo poeta não pode fugir, no entanto, da realidade que o cerca e nem da dureza deste ofício. “A terra é sempre sua negra algema” diz Cruz e Sousa aos Assinalados. E ser assinalado tem mais peso que glória e mais dor que alegria. Ainda assim, a poesia pede e ela é uma amante exigente.
O que o poeta deve perseguir de qualquer maneira? O poema. O resto é acréscimo.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Hilda Hilst, toda a poesia dela. É uma poesia construída com refinamento, mas, tem dentro o humano. Esta aspereza que o amor tem e que ela traduz de forma amorável. Sem nuances piegas ou palavras melosas. Linho antigo e áspero. Pura Arte.
Dos heterônimos de Fernando Pessoa foi Alberto Caeiro que lavou o excesso de seriedade que eu sempre trouxe colado a mim por conta de uma vida burocrática - Há metafísica bastante em não pensar em nada – O guardador de rebanhos. E talvez por comungar com estes versos:
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E Maiakóvski. Li um livro traduzido por Boris Schnaiderman, faz muito tempo. Apanhei na Biblioteca e não guardei o nome. Fiquei totalmente apaixonada por Maiakóvski. Pela poesia revolucionária e pela fragilidade de um homem que escreve uma poesia como aquela para Lila Brik, em lugar de uma carta.
Bárbara Lia nasceu em Assaí, norte do Paraná. Publicou poemas em jornais literários como Rascunho, Garatuja, Mulheres Emergentes, Revista Etcetera, Revista Coyote, Ontem choveu no futuro. Na Internet, tem textos publicados na Revista Germina, Cronópios, Blocosonline, Zunái, Editora Ala de Cuervo, La Lupe – Centro Internacional de Literatura Vanguardista entre outros. Foi por duas vezes finalista do Prêmio Sesc de Literatura: em 2004 com o romance Cereja & Blues (inédito em livro) e, em 2005, com o romance Solidão Calcinada (publicado em 2008 pela Secretária de Estado da Cultura.
Livros:
O sorriso de Leonardo (Poema – Kafka ed. Baratas, 2.004)
Noir (Poema – ed do autor – 2.006)
O sal das rosas (Poema, Lumme editor – 2.007)
A última chuva (Poema, ME – ed. alternativas – MG – 2.007)
Solidão Calcinada (Romance, Secretaria da Cultura / Imprensa Oficial do Paraná - 2008)
Email: barbaralia@gmail.com
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